peça de Rudolf Kutzli
tradução de Maria Bárbara Trommer e adaptação e redação final em prosa e verso de Ruth Salles
Vídeo sobre o making off da peça, encenada em 2015 pelo alunos do 8° ano do Colégio Waldorf Micael, de São Paulo SP.
Título original: “Faust’s Erlösung”. Peça baseada em textos antigos – livros populares, teatro de bonecos, entre outros – segundo o maniqueu Fausto de Mileve (séc. IV), e retrabalhada em 1976 para o 8º ano da Escola Rudolf Steiner de Basileia, por Rudolf Kutzli.
PREFÁCIO
Esta peça foi surgindo a partir do ensino do autor como professor de classe durante um ano escolar inteiro. Quem era Fausto? Sempre foi procurada uma figura histórica palpável que estivesse por trás dos acontecimentos relatados em livros populares e em teatro de bonecos no fim da Idade Média. Do século XV ao século XVII, foi documentado um grande número de figuras do Fausto nos mais variados lugares da Europa. Tem-se a impressão de que determinado tipo característico da época foi denominado Fausto – como aquele que se liga ao diabo, para saber os segredos do mundo, e vai para o inferno – como advertência salutar para as pessoas. Na história do Cristianismo primitivo, existiu uma personagem fáustica: o bispo maniqueu Hippo Regius, de Cartago, na África do Norte, que foi chamado o Fausto de Mileve. A partir do envolvimento com o Fausto de Mileve, brotou o impulso de tornar a escrever o antigo tema do Fausto e de redimi-lo. Patenteou-se então que a questão do bem e do mal, relacionada com o significado do mal dentro do mundo, é capaz de tocar profundamente um 8º ano. Numa autêntica peça de 8º ano, deve existir bastante dramaticidade. A seriedade de algumas cenas é equilibrada pelos acontecimentos alegres que rodeiam João-Linguiça e Wagner.
NOTAS SOBRE O TEXTO: O texto foi criado a partir de antigos livros populares e de teatros de bonecos. Estiliscamente, muito foi mudado. Mas uma das citações provém do “Manfred” de Byron, outras do “Fausto” de Avenarius e da “Divina Comédia” de Dante. Em vários pontos ressoam os dizeres de Rudolf Steiner: “A ação do ser humano, / quando é iluminada pelo amor / e quando é aquecida pelo amor, / realiza o sentido do mundo.”
NOTA de Ruth Salles: A música fica a critério do professor ou professora de música da classe. Esta adaptação foi feita em 2007.
PERSONAGENS
FAUSTO / 4 DAMAS DA CORTE / MEFISTÓFELES / NÊMESIS / ESPÍRITO MAU / MENDIGO / ESPÍRITO BOM / MÃE E FILHO / CARONTE / ANCIÃO / PLUTÃO / ANCIÃ DIABO / MENINA / BRUXAS / DOENTES / FÚRIAS / WAGNER / JOÃO-LINGUIÇA / GALO-SILVESTRE / DOM CARLOS / DUQUE / DUQUESA / ALGUMAS ALMAS NO BARCO DO INÍCIO / TRÊS DIABOS DISFARÇADOS DE ESTUDANTES
COMO APARIÇÕES: SALOMÃO / BELKISS / PÁRIS / HELENA / ALTOUM / TURANDOT
Segue abaixo o primeiro quadro do texto. Havendo interesse em representar a peça, enviaremos o texto completo em PDF. A escola deve solicitar pelo email: [email protected]
PRIMEIRO QUADRO
Prólogo no reino dos mortos.
Caronte, Algumas Almas, Plutão; Bruxas, Fúrias, Diabos.
(Ouve-se ao longe um surdo trovejar, o vento uivando baixinho, água marulhando, sons de lamentos que aumentam e diminuem. Luzes pálidas e rubras relampejam, morcegos enormes passam.)
CARONTE (aproxima-se, remando no barco oscilante dos mortos):
– Levo meu barco, eu, Caronte,
por sobre o Estígia e o Aqueronte.
Mas tenho poucas almas embarcadas
que vão para o inferno condenadas.
Por isso mesmo, não me agrada
esta missão que me foi dada.
Demitir-me deste dever
me daria o maior prazer;
e Plutão me olhará azedo
se eu deixar o serviço tão cedo.
Ó inferno, abre-te agora!
Plutão, espero-te aqui fora!
Pois quero deixar teu serviço,
e é com prazer que digo isso! (desce do barco)
Caronte está aqui para pedir!
Sai do inferno, Plutão, e vem me ouvir!
PLUTÃO (surge entre raios e trovões):
– Quem é esse atrevido espírito infernal
que importuna o senhor da treva em seu portal?
CARONTE:
– Sou eu, Caronte, eu, teu servidor.
Ouve bem, meu senhor!
Diante de ti eu curvo minha fronte!
PLUTÃO:
– Que desejas então, fiel Caronte?
CARONTE:
– Pensei bem para falar,
mas hoje venho acusar
tua criadagem.
PLUTÃO:
– Ó remador, como tens coragem?
CARONTE:
– Teus espíritos infernais agem devagar,
Trazem pouquíssimas almas para eu atravessar.
Só levo espíritos menores!
e o que eu quero são os maiores!
Os mestres! Ah, se eles chegassem
e se os infernos fumegassem!
PLUTÃO:
– Bem, chamarei bruxas e fúrias fumegantes,
e terás um grande homem num instante.
Vou mandar atrás dele meu diabo mais quente,
e com isso eu mesmo ficarei contente.
CARONTE:
– Já que fala tão bem o meu Plutão,
eu volto a cumprir com minha função. (dança ao falar)
Daqui por diante estou contente,
com as almas que vou ganhar de presente.
O cão do inferno já está uivando.
Logo meu barco estará cheio de gente! (afasta-se, remando)
PLUTÃO (ergue os braços; ouvem-se uivos distantes):
– Rápido, rápido, diabos preguiçosos!
Fúrias fumegantes, bruxas ardilosas!
Aproximai-vos do meu trono!
Por acaso caístes no sono?
BRUXAS (aparecem com assobios):
– Aqui estamos nós, as bruxas da bruxaria,
oh, mestre, oh guia!
Mexemos poções venenosas
e perigosas. (dão risinhos finos)
FÚRIAS (aparecem aos uivos):
– Nós, as fúrias, deixamos as almas em caco,
em trapo e farrapo. (uivam mais)
DIABOS (com matracas):
– Nós, os diabos, varremos tudo!
Com nosso rabo peludo,
chicoteamos a humanidade.
Plutão, qual é tua vontade?
PLUTÃO:
– Correi o mundo como um vendaval.
Levai os homens a praticar o mal.
Bruxas! Fúrias! Diabos!
Lançai os homens em aflições
e no lamaçal das más ações.
Eu vos louvarei se um dia eu acho
tudo virado de cabeça para baixo!
BRUXAS, FÚRIAS e DIABOS:
– Plutão, o que quiseres nós faremos,
pois foi do Caos que nascemos! (assobiam, uivam e matracam)
PLUTÃO:
– E agora, Mefistófeles, meu espírito mais leal,
comparece ante o trono infernal!
MEFISTÓFELES (chega, cumprimentado pelos outros):
– Aqui estou, Plutão!
PLUTÃO:
– Pois vai à cidade de Praga e lá atrai
um homem chamado João Fausto. Vai!
Quero que o seduzas com todo o teu treino
e que o atraias para nosso reino.
BRUXAS, FÚRIAS e DIABOS (sussurram):
– João Fausto! João Fausto! João Fausto!
MEFISTÓFELES:
– Vou usar de toda a minha sedução.
Ele não escapará, poderoso Plutão.
PLUTÃO:
– Então, vai!
As bruxas, as fúrias e meus diabos
estarão fielmente a teu lado.
Tira de Fausto a sede pela verdade,
pela beleza e pela bondade.
Que ele não pense nos outros, só no próprio prazer.
E que depois o remorso faça seu coração arder!
Quando o desespero o agarrar,
é para baixo que o vais arremessar!
MEFISTÓFELES:
– Pelo rio Estígia, escuro,
eu juro!
Esse atrevido, num momento,
vai maldizer seu nascimento!
PLUTÃO (a todos os seus servos):
– Parti, então, em vossa missão!
Prendei Fausto num laço eterno
e arremessai-o na goela do inferno! (saem todos; bruxas, fúrias, diabos, assobiando, matracando, uivando)
SEGUNDO QUADRO
Saleta de estudo de Fausto
Fausto; Espírito bom, Espírito mau; Wagner; três Diabos disfarçados de Estudantes.
FAUSTO:
– Esta noite parece que nunca se acaba
Ai, que sede mortal jamais saciada!
Voltemos ao trabalho, ao estudo,
embora eu encontre desespero em tudo…
Desde a juventude, dediquei-me ao “studium theologicum”, e cheguei a tanto que aqui em Praga recebi o “sumum gradus doctoratus cum laude”e fui honrado por todos como doutor, professor e “Rector Magnificus” da “Alma Mater”. Mas, em quê isso me ajuda? Oh, Natureza? Como se chama a força que revela o futuro? Como encontrar o significado do mundo? É o cerne do espírito que desejo encontrar no oculto…
ESPÍRITO MAU (à esquerda de Fausto):
– Fausto, Fausto!
Deixa o estudo da Teologia
e entrega-te ao estudo da Magia,
se queres ser feliz na Terra
e saber bem o que ela encerra.
ESPÍRITO BOM (à direita de Fausto):
– Fausto, Fausto, não te deixes enganar!
Com a magia, é nas trevas que vais parar!
Desperta a sabedoria em ti mesmo, bem no fundo,
e ela te levará ao significado do mundo.
ESPÍRITO MAU:
– Deixa essa ilusão desmedida
e começa a viver a vida!
O significado do mundo é prazer!
A magia te dará poder!
ESPÍRITO BOM:
– Não ouças o que ele diz, meu amigo.
Salva tua alma desse perigo.
FAUSTO:
– Uma voz de cada lado, cada vez mais perto…
Qual delas me dirá o que é o certo?
– Voz da direita, quem és tu?
ESPÍRITO BOM:
– Eu sou a força do amor,
que cria luz e calor.
FAUSTO:
– Isto qualquer um pode dizer.
– Voz da esquerda, queres responder
quem és tu?
ESPÍRITO MAU:
– Vim do reino de Plutão, na verdade,
para te trazer felicidade.
Força, poder, riqueza, prazer
é o que tenho a oferecer.
FAUSTO:
– Ah, felicidade e riqueza também?
Isso me fará bem.
– Espírito da direita, vai-te embora!
– Espírito da esquerda, sigo-te agora!
ESPÍRITO BOM:
– Ai de ti, pobre alma!
Mas não te deixarei, mesmo quando errares,
pois terás minha luz para te salvares.
(O espírito bom sai. O espírito mau sai com um risinho diabólico. Batem à porta.)
FAUSTO: – Quem bate? Pode entrar!
WAGNER (inclina-se): – Perdão, Vossa Magnificência, se interrompo vosso “studium” altíssimo.
FAUSTO: – Ah, és tu, Wagner, meu “famulus”! Que queres a esta hora da noite?
WAGNER: – Três estudantes desejam falar com Vossa Magnificência. Um deles segurava um grande livro como se fosse coisa sagrada…
FAUSTO: – Um livro? Pois manda entrar.
(Wagner chama os estudantes, que entram com reverências exageradas.)
1º ESTUDANTE: – Mil perdões por perturbar o senhor doutor “Faustum”.
2º ESTUDANTE: – Perdão por vos “molestare im studium”…
3º ESTUDANTE: – … por vos “incomodare”.
FAUSTO: – Por nada! A que vindes? Dizei logo!
1º ESTUDANTE: – Após a morte de nosso pai, encontramos na gaveta secreta de um antigo armário este “compendium”, que ele guardava trancado a chave…
2º ESTUDANTE: – … e que tem o seguinte título: “Clavis astarti ad artem magicam”.
3º ESTUDANTE: – E como arte mágica é algo diabólico, trouxemos o livro para o grande doutor, a cuja alta sabedoria ele não causará danos.
FAUSTO (para si mesmo, ao pegar o livro): – Eis o que eu buscava!
(em voz alta aos estudantes): – Fizestes bem em trazer-me esta obra, que poderia ser vossa perdição. Só o mais sábio deve vê-la. Eu vos agradeço.
TRÊS ESTUDANTES (com ironia):
– Que o livro vos faça bem, Magnificência!
Nós nos despedimos. Com licença. (saem mancando, com Wagner)
FAUSTO: – Que defeito terão os três? (abre o livro) Ah, com ajuda desta obra, dominarei o céu, a terra e o inferno! Iniciemos os estudos.
(continua)
Sobre a escolha da peça
Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.
Enviamos o texto completo em PDF de até 3 peças gratuitamente, assim como as partituras musicais da peça escolhida. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça.
A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.
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