30 de março de 2018

O Rei Catador de Estrelas

 

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conto de Henning Köhler 

adaptação para teatro de Ruth Salles a partir da tradução de Karin Stach
Making off da representação feita em 2022 pelo 8° ano da Escola Waldorf Turmalina, de Curitiba PR, alunos da professora Jussara de Souza.

 

PERSONAGENS

Rei
Rainha
Dois guardas do trono
Ministro 1
Ministro 2
Conselheiro chefe
Dama da corte 1
Dama da corte 2
Médico chefe real
Mestre Inventor real
Mensageiro 1
Mensageiro 2
Mensageiro 3
Adebeto
Bedebeto
Velha
Cedebeto
Cedebeto 2º (representando o Passado)
Tutu
Tutu 2º (representando o Passado)
Koshka
Joana, sua filha
Ioshka
Sua mulher (pode ser também a Velha com outro traje)
Sua filha Miriam
Clientes de Ioshka (podem ser os membros da corte com outros trajes)
Chefe dos bandidos (pode ser também um dos guardas do trono)
Bandidos (podem ser os 3 mensageiros, e mais Adebeto e Bedebeto)
Luar
Senhora das Estrelas
Criado de Koshka
Mestre Confusão (pode ser o outro guarda do trono)
Anjo da guarda da rainha (pode ser a senhora das estrelas com traje branco)
Jovem do conto (pode ser Tutu 2º)
Rapaz do conto (pode ser Cedebeto 2º)

 

OBSERVAÇÃO:
As notas entre parêntesis são sugestões para o caso de ser o número de alunos da classe inferior ao número de personagens da peça.

 

PRIMEIRO ATO

Cena 1

Sala do palácio real. O rei anda de um lado para o outro. A rainha está sentada no trono. Há um guarda de cada lado do trono.

 

REI: – Se eu soubesse o que é ser rei, tinha escolhido outra profissão.

RAINHA: – Mas, meu amor, ser rei é o que há de mais importante no mundo!

REI: – Importante? Mas, como, se não faço nada que valha a pena? Pense bem! O pedreiro constrói casas, o padeiro faz pães, o ceramista molda jarros, o fazendeiro colhe o que semeou. Todos eles se orgulham do trabalho de suas mãos. Mas eu não posso nem me orgulhar de minha coroa, pois foi feita pelo ourives. E meu manto cor de púrpura? Não foi o alfaiate que fez? (O rei se deixa cair sentado no trono com um suspiro de desânimo)

RAINHA: – Em vez de reclamar tanto, você devia é seguir as ordens do médico chefe. Quem sabe assim Deus nos manda um filho!

REI: – Ora! Então você acha que todos os dias comer 20 ovos crus de águia, fazer 50 flexões e tomar um banho de leite azedo durante 3 horas vai fazer com que tenhamos filhos? Isso é charlatanice. Além disso, um rei como eu pode ser um bom pai?

RAINHA (chorando e batendo os pés no chão): – Ai, ai… Queria casar-me com um rei e me casei com um garoto que não quer crescer…

REI: – Calma, calma… Um garoto… É, você tem razão. Quando eu era príncipe, ia até a cozinha e trocava o sal do cozinheiro chefe por açúcar, punha formigas na peruca do meu professor…

RAINHA: – Mas agora você já é rei. Deve portar-se com dignidade.

REI: – Dignidade… Só se eu fosse um navegador famoso, um inventor genial. Aliás queria tanto inventar uma aeronave…

RAINHA: – Uma o quê?

REI: – Um navio que pudesse voar, entende? Vivo pensando nisso…

RAINHA (balançando a cabeça) – É… nem na belíssima nau que mandei fazer, toda de ouro com velas de penas de cisne, você achou graça… Nem no castelo de cristal, nem nos mágicos, músicos, bailarinos…

REI: – Não quero nada disso. Quero dar às pessoas alguma coisa de que elas precisem e que as faça felizes. Vou mandar mensageiros pelo reino afora em busca de alguém que saiba o que devo fazer para isso. E esse alguém será ricamente recompensado. (exclama para os guardas): – Chamem os mensageiros reais! (Os guardas saem.)

 

 

Cena 2

O rei e a rainha nos tronos. Dois guardas, dois ministros, o conselheiro chefe e duas damas da corte. Chegam o mensageiro 1 e Adebeto; depois, o mensageiro 2, Bedebeto e a velha; depois, o mensageiro 3, com Cedebeto.

 

MENSAGEIRO 1 (entrando com Adebeto; os dois se inclinam): – Ó rei, eu lhe trouxe aqui este homem chamado Adebeto, que afirma saber o que Vossa Majestade deve fazer pelo povo!

REI: – Sim, mensageiro! (ao outro): – Pode falar, senhor Adebeto!

ADEBETO (com ares de muita importância, o que provoca uma careta da rainha): – Senhor Rei! Sei com certeza, por minha mui sábia sabedoria, que há por toda parte pessoas que desejam que alguém dê cambalhotas sobre o teto de uma carruagem puxada por cavalos a galope, sem cair!

REI (aos guardas): – Prendam este homem por três dias a pão e água! Ele mente de-sa-ver-go-nha-da-men-te!!! (A rainha disfarça um riso com a mão na boca. Os guardas levam Adebeto, que faz cara de indignado e ofendido.)

CONSELHEIRO CHEFE: – Mas, Vossa Majestade não quer pensar na hipótese…

REI (zangado, levantando-se e pondo as mãos na cintura): – Que hipótese, que nada, senhor conselheiro chefe!

CONSELHEIRO CHEFE: – Mas, não seria o caso de considerar…?

REI (mais zangado, gesticulando): – Nada de considerar! Um absurdo desses!

(O rei torna a sentar-se. O conselheiro se encolhe, todo atrapalhado. As damas trocam risinhos e cochichos.)

MENSAGEIRO 2 (entrando com Bedebeto; os dois se inclinam): – Ó rei, eu lhe trouxe aqui este homem chamado Bedebeto, que afirma saber o que Vossa Majestade deve fazer pelo povo!

REI: – Sim, mensageiro! (ao outro): – Pode falar, senhor Bedebeto!

BEDEBETO (com ares maneirosos e aduladores; o que provoca outra careta da rainha): – Ó Rei de majestosíssima Grandeza e Majestade! O mundo inteiro espera que Vossa Presença prepare um remédio, que faça com que o cabelo cresça como o capim na primavera.

REI (esforçando-se para demonstrar paciência): – E como se faz isso, senhor Bedebeto?

BEDEBETO (apontando uma velhinha na entrada da sala do trono): – Aquela velhinha ali me transmitiu esta fórmula mágica… (no ouvido do rei) Salada de batata misturada com pó de minhoca seca, enterrada durante a lua cheia na soleira da porta e desenterrada na lua cheia seguinte. (A rainha põe as mãos na cabeça e faz um sinal com um dedo na testa, indicando loucura de Bedebeto.)

REI (chama com um gesto a velhinha, que treme de medo): – Entre, entre, senhora. Diga-me: Quanto Bedebeto lhe prometeu para mentir para mim?

VELHA: – N-nada, nãnão, Majes-majest-tade!

REI: – Ora, não tenha medo. Sei que a senhora é pobre, e na pobreza qualquer moeda é preciosa. Diga-me quanto ele prometeu, que eu lhe darei o dobro.

VELHA (soluçando): – Cinqüenta moedas de prata… É que tenho netinhos passando frio e fome…

RAINHA (cruzando as mãos no peito, com horror): – Oh, coitadinhos!…

(Bedebeto se atira no chão, de joelhos, enquanto o rei se dirige aos mensageiros)

REI: – Dêem a ela cem moedas de prata. E peguem o ouro com que foi construída a belíssima nau de penas de cisne, depois desmontem o castelo de cristal. Que toda essa riqueza inútil seja trocada por alimento e roupas quentes para as crianças que passam frio e fome em meu reino. E ainda quero que dêem um saco de brinquedos a cada uma!

MINISTRO 1: – Mas é um desperdício, Majestade!
MINISTRO 2: – Trata-se de encher os cofres públicos, não de esvaziar, Majestade!

REI: – Ora, senhores ministros! Encher como, se já estão transbordando?! Trata-se de distribuir, isso sim, distribuir!

(Os ministros, horrorizados, murmuram um com o outro, em voz baixa. As damas se abanam com leques e cochicham. Bedebeto se ergue, satisfeito e maneiroso, achando que nada lhe vai acontecer, mas o rei aponta para ele.)

REI: – Quanto a este mentiroso, quero que na porta de sua casa seja preparada a receita de batata com minhoca seca, enterrada na lua cheia e desenterrada na outra. E depois espalhem pelo reino que Bedebeto fará crescer o cabelo dos carecas e meio-carecas, tal como cresce o capim na primavera! Veremos, então, o que ele receberá de pagamento!

(Bedebeto sai correndo desesperado atrás dos mensageiros e da velhinha. A rainha balança a cabeça, sorrindo. O rei põe a mão na testa, desanimado.)

MENSAGEIRO 3 (entrando com Cedebeto; os dois se inclinam): – Ó rei, eu lhe trouxe aqui este homem chamado Cedebeto, que afirma saber o que Vossa Majestade deve fazer pelo povo!

REI: – Sim, mensageiro! (ao outro): – Pode falar, senhor Cedebeto!

CEDEBETO (que não se faz de importante, nem bajula o rei; apenas se curva tirando o chapéu): – Majestade…

REI (curioso): – Sim?

CEDEBETO: – Vossa Majestade gostaria de ser um catador de estrelas?

REI (espantadíssimo): – Como?!

CEDEBETO (apontando para o céu com os dedos em várias direções): – Catar estrelas do céu.

(A rainha e todos os presentes olham para o rei, curiosos de ver sua reação e de saber como Cedebeto será castigado.)

REI (primeiro coça a cabeça): – Aha… Hum… (depois sorri para Cedebeto e lhe diz, erguendo o dedo para o céu): – Catador de estrelas… Você me agrada. Você tem coragem. E fez uma sugestão digna de um rei.

RAINHA (preocupada): – Mas, meu querido…

(O rei olha bravo para a rainha, que se cala.)

REI: – Meu caro Cedebeto, você deve saber catar estrelas no céu tanto quanto eu, não é verdade?

CEDEBETO: – Infelizmente, Majestade. Mas pensei comigo mesmo: “Se você não sabe, Cedebeto, isso não quer dizer que o rei não possa descobrir.”

RAINHA: – Meu querido…

(O rei torna a olhar para ela, e ela se cala)

REI: – Tem razão, Cedebeto… Mas, quem precisa de estrelas? Quero fazer alguma coisa que alegre as pessoas, você sabe. E para quem eu pegaria estrelas?

CEDEBETO (curvando-se diante da rainha): – Primeiro, para a mulher cuja beleza brilha mais que todas as outras. Para sua esposa, a rainha. Tenho certeza de que ela precisa urgentemente de uma estrela.

RAINHA: – Oh, sim! Não há coisa que eu deseje mais!

REI (sorrindo para ela): Então, minha querida, você ganhará a primeira e a mais brilhante.

RAINHA (extasiada): – Aaahhh!!…

REI: – E quem mais precisa de estrelas, Cedebeto?

CEDEBETO: – Todas as mulheres belas do reino…

REI: – Só as belas?

CEDEBETO: – Não! Também as feias, as jovens, as velhas, as simpáticas, as rabugentas, principalmente as rabugentas. Ao terem suas estrelas, as feias vão se sentir bonitas, as velhas vão se sentir jovens, e assim por diante.

REI: – E como você sabe disso?

CEDEBETO: – Sabendo, simplesmente.

REI: – E quem mais precisa de estrelas?

CEDEBETO: – As crianças. As crianças são loucas por estrelas, Majestade. E os homens também. Só que não têm coragem de confessar.

REI (exclama, entusiasmado): – Com mil trovões! Quem então não precisa delas?

CEDEBETO: – Ninguém não precisa delas, Majestade. Todos, todos precisam.

REI (levanta-se e fala cerimoniosamente): – Meus senhores ministros, meu conselheiro chefe, senhoras damas, seu rei decidiu neste momento que aprenderá o ofício de catador de estrelas.

(Todos, bajulando o rei, aplaudem, gritando “Bravo! Bravo!”)

REI: – Por que aplaudem? Por que gritam “Bravo!”? Pensam que não sei o que pensam de mim? (chama Cedebeto e lhe diz em particular): – Mas nós mostraremos a eles, não é, meu amigo? Por falar nisso… você tem alguma idéia de como começar?

CEDEBETO (em particular, ajoelhado diante do rei): – É melhor começarmos a caminhar logo que escurecer, quando as estrelas já estiverem no céu. Seguimos a ponta do nosso nariz e, se Deus Pai quiser, há de nos ajudar.

REI (falando alto): – Seguindo a ponta do nariz, isso é fantástico! Cedebeto, de hoje em diante, você será meu conselheiro chefe.

(O conselheiro chefe não sabe para onde se virar, desesperado. Cedebeto cochicha no ouvido do rei.)

REI: – Está bem. O conselheiro chefe continua o mesmo, e você será o ouvidor de estrelas real, um cargo muito digno.

(O conselheiro sossega e vai inclinar-se diante do rei. O rei faz um gesto para que ele volte a seu lugar e não o aborreça)

REI: – Mas… Cedebeto, por que você quer ir comigo? Por que não vai desfrutar de sua recompensa sossegado?

CEDEBETO: – Porque minha mais bela recompensa será ver Vossa Majestade catando as primeiras estrelas do céu. (Nisto ele tira da túnica uma coisa prateada, que parece tanto uma flauta como um pequeno telescópio.) Isto, senhoras e senhores, é um estrelescópio acústico. Os senhores devem saber que cada estrela tem sua própria melodia. Com este instrumento, podemos escolher a estrela adequada a cada pessoa que precisar dela. Além disso, de dia podemos tocar flauta simplesmente, e de noite melodias estelares.

RAINHA (às damas, toda encantada): – Ele parece tanto com o rei quando era mais moço… (a Cedebeto): – Mas onde você arranjou essa flau… esse teles… estrelescópio?

CEDEBETO: – Foi a Senhora das Estrelas que me deu de presente. Mas isso é uma história para ser contada em outra ocasião, Majestade.

DAMA 1: – Por favor… senhor Cedebeto…
DAMA 2: – Toque para nós um pouquinho em seu estrelescópio acústico.

(Cedebeto começa a tocar uma melodia triste, e todos começam a chorar e a soluçar. Então ele toca uma melodia alegre, e todos começam a dar risada até cansar. Ele pára, e ouve-se um toque de sininho.)

DAMA 1: – É o toque do cozinheiro real do chá.
DAMA 2 (gulosa): – Hum… É dia de chá de hortelã com bolinhos reais…

(Todos saem para a sala real de chá.)

 

SEGUNDO ATO

Cena 1

Cedebeto e o rei na floresta, agasalhados com um casacão, botas e gorro de lã. O rei se apóia num cajado, Cedebeto toca de leve seu estrelescópio acústico. Os dois estão olhando para o céu. Mais tarde aparece Tutu.

 

REI (preocupado, fazendo Cedebeto parar de tocar): – Cedebeto! Acho que vamos fazer uma coisa proibida…

CEDEBETO: – Que coisa proibida, Majestade?!

REI: – Catar estrelas. Aos poucos vamos esvaziar o céu.

CEDEBETO: – Com as estrelas não é bem assim. Se na primavera Vossa Majestade colhe flores no campo, na próxima primavera elas florescem de novo, não é?

REI: – Mas estrelas não são flores, Cedebeto.

CEDEBETO: – Justamente. As estrelas estão no céu. E um ano inteiro na terra é um piscar de olhos no céu, de modo que as estrelas colhidas do céu brilham de novo no mesmo instante.

REI (olha para o céu, conta nos dedos e fala consigo mesmo): – É… Isso tem lógica. Não é atoa que ele é o ouvidor de estrelas real. (dirigindo-se a Cedebeto): – Mas como chegaremos lá em cima, hein? Nem os pássaros conseguem… Nem os picos das montanhas mais altas furam o céu.

CEDEBETO (começa a andar e puxa o rei): – Veremos, veremos. Por enquanto vamos seguir a ponta do próprio nariz.

REI (de mau humor): – Nessa escuridão, vamos é bater com o nariz num galho de árvore. Ei! Que é aquilo ali brilhando?

CEDEBETO (animado): – Um lago, Majestade! Com um barquinho amarrado num toco de madeira! Podemos atravessar o lago remando. Vamos!

REI (ainda de mau humor): – Isso, só se o barco tiver remos… (eles puxam o barco para perto) É, tem dois e mais alguma coisa enrolada no fundo. Raios e trovões! É uma criança!

CEDEBETO: – Está dormindo…

(O menino acorda e se senta. Está com sandálias de amarrar, camisa fininha e calça remendada, mas não parece sentir frio.)

REI: – Quem é você? E por que está sozinho na floresta vestido desse jeito com esse frio? Eu não ordenei aos ministros e ao conselheiro que não quero criança passando frio no meu reino?!

MENINO: – Eu sou Tutu, e nunca sinto frio, meu senhor.

CEDEBETO (abaixa-se, segura-o pelos ombros, rindo): – Tutu? Você não me reconhece, Tutu? Raios bruxulentos e gelatina dançante!

TUTU: – Raios bruxulentos… Gelatina dançante… Quem dizia isso?

CEDEBETO (pulando e dando voltas): – Dente de dragão e cuspe de javali!

TUTU (tentando se lembrar): – Dente de dragão…

CEDEBETO (abrindo os braços com espalhafato): – Sujeira de rato e sopa de sapo!

REI (zangado): – Mas, senhor ouvidor de estrelas real, não fale dessa maneira!

TUTU: – Ouvidor de estrelas? Ah, já sei! (começa a pular e a cantar, ou a falar)
“Ce-de-be-to, Ce-de-be-to!
As estrelas estão perto.
Vamos rodear a lua!
O caminho é sempre reto!”

CEDEBETO (canta ou fala também, enquanto o rei ouve, espantadíssimo):
“Tututu, meu Tututu,
o portão está trancado.
O Luar esconde a chave,
E o Luar é tão zangado!”

TUTU (canta ou fala):
“Cedebeto, Cedebeto,
as estrelas estão perto.
No Luar se dá um jeito.
Vamos lá e seja esperto!”

REI (aborrecido por ser deixado de lado): – Posso saber o que significa isso? Afinal eu sou o rei!

TUTU: – O rei? Oh, desculpe, senhor rei. É que eu e Cedebeto não nos vemos há muito tempo e somos tão amigos…

REI (mais calmo): – Está bem. Está bem. Mas, de onde você vem, menino?

TUTU: – Do país das estrelas. Aqui na Terra as pessoas chamam de país dos sonhos ou dos contos de fadas. A entrada fica logo atrás da lua. Mas o senhor Luar é muito severo e raramente abre a porta para nós sairmos.

CEDEBETO: – Severo é pouco. Ele é bravíssimo e está sempre zangado.

REI (meio sem graça): – Bem, às vezes é preciso ser severo.

TUTU: – Mas quando ele me deixa sair, aí é divertido. De lá até cá é um escorregão só.

REI: – Escorregão?

TUTU: – É. O senhor Luar faz descer um raio de prata extra-forte, e eu venho: zuuum… Subir é mais difícil. Mas, se eu pegar o bote, fica mais fácil.

REI (espantadíssimo): – O bote?

TUTU: – É só ir remando no raio do Luar, desde que o senhor Luar faça a luz prateada fluir para cima.

REI: – Você está dando nó nas minhas idéias. Nunca soube de uma coisa dessas.

CEDEBETO: – Pois agora está sabendo, Majestade. Mas vamos, que à meia-noite o Luar abre a porta.

TUTU: – E Mamãe fica preocupada se eu não voltar. Entrem no bote.

(Cedebeto e o rei entram. Tutu e Cedebeto continuam os xingamentos)

CEDEBETO: – Dente de dragão e cuspe de javali!

TUTU: – Pia de porcos e batata podre!

REI (bravo): – Parem já com isso, raios e trovões! Essas expressões não são dignas de um ouvidor de estrelas real nem de um menino do país das estrelas!

CEDEBETO e TUTU (dizem um para o outro, pondo o dedo indicador na frente da boca): – Chiiiu… (remam e falam no ritmo)
“Remando, remando, na luz do Luar,
que sobe, que sobe, e vai nos levar.”

REI: – Esperem! Primeiro quero saber como vocês se conheceram.

CEDEBETO: – Ih… Mas é uma história comprida… e não muito bonita… Quer dizer… Sabe como é… Quando a gente é muito jovem…

REI: – Deixe de conversa, Cedebeto, e conte logo como foi. (O bote vai sendo remado a um canto do palco.)

CEDEBETO: – Eu era um vagabundo que andava por aí, trabalhando um pouco por umas moedas e fazendo malandragens de vez em quando. Sabia cantar e tocar flauta, mas me sentia muito infeliz.

REI (ficando melancólico): – Sei bem o que é isso. Eu também, apesar de ser rei, achava a vida muito sem graça.

CEDEBETO: – Pois é… Todo mundo me chamava de bobo. Um dia me hospedei na casa de um comerciante riquíssimo chamado Koshka, para quem trabalhei, além de namorar sua filha… Eu tinha uma vida de príncipe. Mas não percebi que Koshka tinha intenções malignas, e acabei sendo muito mau, muito mau mesmo, a pedido dele. E depois disso, descobri que não sabia mais tocar minha flauta… A música fugiu de mim. Logo de mim, que fazia qualquer um rir ou chorar, dormir ou dançar, com minha flauta… Eu me sentia tão importante e, de repente, vi que não valia mais nada…

REI: – Sentir-se importante… É… às vezes dá mau resultado.

CEDEBETO: – Mas o que aconteceu foi o seguinte:…

(Começam a falar baixinho e se imobilizam. Escurece o centro do palco e some a floresta.)

 

 

Cena 2

A casa à direita é a do comerciante Koshka e de sua filha Joana; à esquerda fica a do comerciante Ioshka, irmão de Koshka. Mais tarde aparecem Ioshka, a mulher, a filha e os fregueses. Cedebeto 2º está na porta da casa de Koshka, muito bem vestido, tocando linda melodia na flauta para Joana.

KOSHKA (barrigudo, convencido, insensível e mandão): – Pare com esse barulho aí, Cedebeto, que preciso falar com você.

CEDEBETO 2º (correndo para Koshka, enquanto Joana corre para dentro da casa): – Pois não, senhor Koshka, às suas ordens. De que se trata?

KOSHKA: – Ouvi dizer que você está apaixonado por minha filha. É verdade?

CEDEBETO 2º: – É, sim. E eu queria pedir licença para casar com ela. Eu e Joana nos amamos muito.

KOSHKA: – Sei… sei… Mas, para eu ter o suficiente para mim e para vocês dois, preciso ser o comerciante mais rico deste lugar. E não sou. Aí é que está o problema!

CEDEBETO 2º: – Mas o senhor é riquíssimo!

KOSHKA: – Sou, nada. Naquela casa ali (aponta), como você sabe, mora meu irmão Ioshka, que vende tapetes e tecidos como eu. Antes trabalhávamos juntos, mas eu não quis mais saber de sociedade com ele. É honesto demais. Não dá certo. Assim mesmo ele está enriquecendo e me passando a perna.

CEDEBETO 2º: – O senhor está enganado. Ele vive tão modestamente…

KOSHKA: – Ah, não sabe aproveitar a vida, é isso. Mas o que eu queria é acabar com o negócio dele e ser rico sozinho. Afinal, eu cheguei aqui primeiro. Minha riqueza seria o dobro se não fosse ele. O dobro, pense bem. Eu quero que me ajude a destruí-lo. Assim os clientes dele passam a ser meus! E eu abençôo o casamento de você com minha filha e ainda sustento os dois.

CEDEBETO 2º (ofendido): – Sustentar? Mas eu trabalho para o senhor!

KOSHKA (com desprezo): – Ahn?… Ora! Um trabalhinho atoa. Mas, olhe, se você me ajudar, a coisa muda. Que acha meu futuro genro de ganhar uma carruagem e uma bela casa?

CEDEBETO 2º (maravilhado): – Futuro genro?… Carruagem?… Casa?…

KOSHKA (impaciente): – É, é, é! Meu irmão que vá fazer seus negócios onde quiser. Contanto que seja bem longe daqui, para não atrapalhar minha vida.

CEDEBETO 2º (ainda em dúvida): – Preciso pensar…

KOSHKA: – Ora, seu bobo, pensar em quê? É só você sair por aí cantando. Você sempre atrai as pessoas quando toca ou canta. Pois cante falando mal de Ioshka, caçoe dele e tudo o mais. Duvido que ele não feche a loja depois disso. E ande logo! É um serviço tratado. Obedeça!

CEDEBETO 2º (de cabeça baixa): – Está bem, senhor. (consigo mesmo): – Por Joana eu faço uma coisa dessas, mas não me sinto nada bem com essa tarefa, nada, nada bem…

(Koshka entra em casa. Os fregueses de Ioshka aparecem e começam a examinar suas mercadorias, que estão em exposição do lado de fora da casa. Cedebeto 2º põe-se a cantar e tocar para os clientes de Ioshka.)

CEDEBETO 2º (canta):
“Esse Ioshka é um grande trapaceiro,
engana a todos só por causa de dinheiro. (repete a melodia na flauta)
Os seus tapetes estão podres e puídos,
e já se rasgam na beirada seus tecidos. (repete a melodia na flauta)
Ele não tem a menor honestidade.
Ele devia ir embora da cidade. (repete a melodia na flauta)
Quem não quiser ser por ele enganado
deve fazer suas compras do outro lado (aponta a casa de Koshka e toca flauta)

(Os fregueses saem dali, rindo. Ioshka sai de casa com a mulher e a filha. Os três se abraçam de cabeça baixa e depois entram de novo. Cedebeto 2º sai pé ante pé, envergonhado, e volta para a porta da casa de Koshka. Este reaparece, disfarçando seu contentamento ao ver a filha, que corre zangada para falar com Cedebeto 2º.)

JOANA: – Isso foi uma infâmia, Cedebeto. Você arruinou a vida de meu tio.

CEDEBETO 2º: – Mas foi uma ordem que recebi de seu pai.

JOANA: – Não acredito. Foi maldade sua, e não quero mais saber de você. (Ela lhe dá as costas e entra em casa)

KOSHKA (rindo): – Você é mesmo muito bobo, Cedebeto. Então pensou que eu ia dar minha filha em casamento a um inútil, a um flautista de rua, um cantor vagabundo? Não preciso mais de você. E saia já da cidade, está despedido!

(Cedebeto 2º sai tocando sua flauta, e a música soa toda desafinada. O povo reaparece e vaia o flautista, que sai correndo.)

 

Cena 3

Escurece a cena. A luz fica só nos três: Cedebeto e o rei conversam. Tutu olha preocupado para a lua.

 

REI: – Joana teve razão em lhe dar o fora. O que você fez foi uma infâmia.

CEDEBETO (remando sempre, junto com Tutu): – Mas foi só uma vezinha, Majestade. (com o dedo para cima) Só uma.

REI (severo): – Uma vez basta. Fez até com que você perdesse o dom da música. Pois quem usa mal um dom dado por Deus, perde esse dom.

CEDEBETO: – É, sim. O senhor rei é severo, mas é sábio.

REI (sentindo-se importante): – Bem, você teve seu castigo, e esse tal de Koshka ainda terá o seu. Mas, que tem isso a ver com Tutu?

CEDEBETO: – Já chego lá. Pobre e passando fome fui morar numa caverna da floresta Escuridão, onde só vivem feras.

REI (assustado): – Mas logo na floresta Escuridão? É perigosíssima. Dizem que quem se perde por lá não acha nunca mais a saída.

CEDEBETO: – Pois é. E dizem também que nela moram bandidos e, de vez em quando passam bruxas!

REI (escandalizadíssimo): – Ooooohhhh! Bandidos nas florestas do meu reino! E meus ministros, o que andam fazendo que não sabem de nada? Ou então escondem de mim o que acontece!

CEDEBETO: – Mas… Majestade, o senhor não queria mais reger. Queria ser catador de estrelas…

REI: – Lá isso é verdade. Mas, mesmo assim…

TUTU (animadíssimo): – O rei quer ser catador de estrelas?!!

CEDEBETO: – Espere aí, Tutu. Deixe que eu acabe de contar a história. Pois certo dia, Majestade, perto da caverna apareceu um corvo, que me chamava com seu grito esquisito, e eu fui atrás dele. E sabe para onde ele me levou?

REI: – Estou imaginando: para o antro dos bandidos.

CEDEBETO: – Lá mesmo. Pousou no teto da cabana deles e desapareceu. De-sa-pa-re-ceu! Não voou, não. Era um corvo de bruxa!

REI: – Raios e trovões!

CEDEBETO: – Do lado de fora eu ouvia as risadas e os gritos dos bandidos, e também um chorinho de criança.

TUTU (deixando de olhar para a lua): – Era eu!

REI (zangado): – Tutu! Não vale contar antes! Assim perde a graça. Fique quieto.

CEDEBETO: – Eu então me escondi atrás de uma árvore e esperei. Esterco de cavalo e pé de chulé, como esperei!

TUTU: – Hi hi hi, esterco de cavalo e pé…

REI (zangado): – Pare com isso!

CEDEBETO: – Fiquei ali a noite inteira pensando no que podia fazer. Aí, …

(As vozes viram murmúrio, os três se imobilizam, e clareia o centro da cena.)

 

(continua)

 

Sobre a escolha da peça

Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.

Enviamos o texto completo em PDF de até 3 peças gratuitamente, assim como as partituras musicais da peça escolhida. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça.

A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

 

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