peça de Ruth Salles
A rainha Isabel de Portugal, filha de Dom Pedro III de Aragão, casou-se com o rei Dom Diniz (século XIII), famoso trovador, que nos deixou lindas “cantigas d’amigo”, além de ter exercido um reinado excelente, dedicando-se a reformas e melhoramentos. Fundou a Universidade de Lisboa, que depois se transferiu para Coimbra, e criou a Ordem de Cristo com os bens da extinta Ordem dos Templários. Foi chamado o rei Lavrador, por sua dedicação à agricultura e por ter plantado o pinheiral de Leiria, que mais tarde serviu para fornecer madeira para construir caravelas e galeões. A rainha Isabel, conhecida por sua caridade e doçura, fundou em Santarém o Hospital dos Inocentes, para crianças enjeitadas, assim como hospitais para leprosos em todo o reino. Conseguiu impedir uma séria revolta entre seu filho e o rei, e contam-se a seu respeito muitos milagres. O povo sempre a venerou com lendas singelas. No século XVII, foi canonizada pela Igreja.
PERSONAGENS:
Coro, Anjo, Cortesãos (Damas da Rainha, Cavaleiros do Rei)
Rei Dom Diniz (coroa na cabeça)
Rainha Isabel (diadema na cabeça)
Príncipe (faixa dourada na cintura)
Soldados do Rei e do Príncipe (arcos na mão)
Pastoras (cajado na mão)
Oleiros (com instrumento do trabalho)
Artesãos (com ferramentas)
Lavradores (com pá ou enxada na mão)
Todos em cena formam o Coro, dele se destacam quando se fizer necessário, voltando depois a ele.
CORO (canta):
“Princesa de Aragão, ó santa Isabel,
que veio lá da Espanha montada em seu corcel.
O rei de Portugal com ela se casou,
e a toda gente pobre a santa ajudou.”
DOM DINIZ (seguido pelos cortesãos):
– Eu sou el rei dom Diniz,
dom Diniz de Portugal,
trovador em meu país.
Eu plantei um pinheiral,
e a madeira vai servir
para construir as naus,
que aos mares vão partir
e terras vão descobrir.
SOLDADO (chefe, chegando, aflito):
– Majestade! Dom Diniz!
Seu filho se rebelou!
Quer ser o rei do país,
e uma tropa já formou!
(chama os outros soldados):
– Venham todos os soldados
formar aqui do meu lado!
DOM DINIZ (aos cortesãos):
– Chamem a nossa Rainha,
Isabel, senhora minha!
Tudo pode o grande amor
que tem em seu coração.
Meu poder de nada vale
em tão grave ocasião.
1ª DAMA (chama):
– Rainha Isabel! Rainha!
Venha ajudar nosso rei!
OUTRAS DAMAS (chamam):
– Rainha Isabel! Rainha!
(Entra o príncipe com seus soldados, do lado oposto aos soldados do rei. Os dois grupos fazem movimentos com os arcos, como se estivessem soltando flechas.)
CORO (fala, enquanto Isabel passa no meio da luta, acompanhada de um anjo):
– As flechas voam de lado a lado.
Quem vem ao longe? Não é soldado!
É Isabel. E vem sozinha!
Em meio à luta, passa a rainha.
E nem tem medo de ser ferida.
Um anjo bom lhe guarda a vida.
ISABEL e ANJO (ao príncipe):
– Oh, seja cordato, meu filho querido!
Obedeça ao rei, que é tão seu amigo!
Numa mesma terra não deve haver guerra.
Guerra só traz dor.Viva com amor.
PRÍNCIPE e SOLDADOS:
– Eu lhe agradeço, Mãezinha,
ó minha rainha!
O seu conselho aceitei
em meu coração.
Vou beijar a mão do rei,
pedir seu perdão.
CORO (canta, enquanto o príncipe põe um joelho em terra diante do rei, e a rainha caminha com gestos de ajuda a todos):
“Boa rainha, firma a paz,
trata os doentes, funda hospitais;
mostra aos perdidos aonde ir,
esfarrapados manda vestir;
todas as ruas a percorrer,
a quem tem fome dá de comer;
a quem padece, livra do mal,
santa rainha de Portugal.”
1º CAVALEIRO (ao rei):
– Está havendo um desperdício,
Majestade!
2º e 3º CAVALEIROS (se acercam e comentam):
– É verdade!
– É verdade!
1º CAVALEIRO:
– A rainha vem do palácio.
E, escondido em seu regaço,
há um verdadeiro tesouro
em moedas de prata e ouro
que vai dando a quem quer que seja
e aos operários lá da igreja.
DOM DINIZ (zangado):
– Esbanjando meus bens à toa?
Ah, eu vou ver isso em pessoa!
(dirige-se à rainha, que vem passando com o avental dobrado, seguida do anjo):
– Que esconde em seu avental,
Rainha de Portugal?
ISABEL e ANJO:
– São as rosas perfumadas
que aos pobres serão dadas.
DOM DINIZ (duvidando):
– E no inverno brotam rosas?
Deixe-me ver! (abre o avental)
CORTESÃOS (espantados):
– Só há rosas no avental!
E das moedas de ouro… nem sinal!
DOM DINIZ (consigo mesmo):
– Vou ver de longe a rainha
oferecer as rosinhas.
(Pastoras, oleiros, artesãos e lavradores se agrupam para receber.)
ISABEL (às pastoras):
– Uma rosa, pastorinhas. (entrega e segue)
PASTORAS:
– Ah, de que nos serve a rosa
que nos deu nossa rainha?
Nossa vida de pastoras
tem sido tão pobrezinha…
ISABEL (aos oleiros):
– Uma rosa, bons oleiros. (entrega e segue)
OLEIROS:
– A rosa não mata a fome.
Sinto fome o dia inteiro…
ISABEL (aos artesãos):
– Uma rosinha, artesãos. (entrega e segue)
ARTESÃOS:
– Precisamos de agasalho…
Que vale a rosa na mão?
ISABEL (aos lavradores):
– Uma rosa, lavradores. (entrega e segue)
LAVRADORES:
– Ah, de que nos serve a rosa?
Pois a terra em nosso campo
não tem sido generosa.
DOM DINIZ (vendo a rainha sair):
– Ah, minha pobre rainha,
as rosas não agradaram…
UMA PASTORA:
– Um milagre! Um milagre!
DOM DINIZ E CORTESÃOS:
– De que milagre se trata?
PRÍNCIPE e SOLDADOS (com voz mais forte):
– De que milagre se trata?
PASTORAS, OLEIROS, ARTESÃOS E LAVRADORES:
– As rosas se transformaram
em moedas de ouro e prata!
TODOS (com voz mais forte):
– As rosas se transformaram
em moedas de ouro e prata!
DOM DINIZ:
– Minha querida Isabel.
a partir de agora,
muito ouro lhe darei
para as suas obras.
Isso é palavra de rei!
TODOS (com voz mais forte):
– Isso é palavra de rei!
CORO (enquanto o rei e a rainha caminham juntos; o anjo, ao fundo, abençoa):
– Lá vai a rainha santa com o rei de Portugal.
Na cabeça da rainha, um resplendor a brilhar.
E um perfume de rosas já se sente pelo ar.
TODOS (repetem a canção do início com mais uma quadra):
“Princesa de Aragão, ó santa Isabel,
que veio lá da Espanha montada em seu corcel.
O rei de Portugal com ela se casou,
e a toda gente pobre a santa ajudou.
Rainha generosa, seu grande coração
é perfumada rosa, é ouro em profusão.”
Fim