poema de Ruth Salles
Foi quando a cobra-grande
– a mboi-guaçu – comia sempre os olhos
dos bichos que caçava.
Desses olhos, ficava em seu bojo
a luz que eles guardaram
da claridade última que olharam.
E veio a noite grande, e a luz se foi.
E como a mboi-guaçu
não tinha pelos como tem o boi,
nem casca de tatu,
nem couro grosso como tem a anta,
nem penas de avestruz,
aconteceu, na treva que era tanta,
que sua pele foi vazando a luz
dos olhos devorados.
Tornou-se um fogaréu meio azulado,
passando aqui e lá.
Cobra-grande virou cobra de fogo,
tornou-se mboi-tatá.
Serpeava seu corpo de serpente,
transparente e luzente,
clareando um pouquinho a noite escura.
Mas nada sempre dura…
E a mboi-tatá morreu, e a luz tão bela,
dentro do corpo dela,
soltou-se, desatou-se pelo mundo,
foi clareando tudo.
E, de repente, a noite grande foi-se,
vieram as estrelas,
e logo a lua em forma de uma foice,
depois de lua cheia.
E então o belo sol subiu no céu!
E, olhe, lá está,
tal qual o fogaréu da mboi-tatá,
que enrosca como bola
e corre às vezes pela noite afora.
***