peça de Ruth Salles
Esta peça é baseada numa lenda da famosa escritora sueca Selma Lagerlöf¹. Nascida em 1858, foi professora e lutou pela paz mundial e pela emancipação da mulher, e em 1909 recebeu o Prêmio Nobel de Literatura. Suas sagas, lendas cristãs e outras lendas são lindíssimas, cheias de exuberante fantasia e de profundo amor. Esta peça foi escrita em alemão por um professor de uma escola waldorf, cujo nome não chegou ao nosso conhecimento. Aproveitando o assunto da lenda, o professor incluiu na peça um pouco da matéria de História. Minha versão em português teve as frases dos diálogos diminuídas, mas contém um pouco mais da lenda em si, nas palavras da primeira canção e no fim da peça; contém também trechos da 4ª écloga de Virgílio, dita messiânica, além de algumas notas de uma canção hebraica e o canto gregoriano final, dado como sendo de autoria de Santo Ambrósio (Aurelius Ambrosius, 340-397). A tradução, que encontrei, da écloga de Virgílio é da autoria do poeta português Leonel da Costa Lusitano².
PERSONAGENS:
Coro (falado e cantado).
Virgílio (no início com instrumentos de escrita).
Augusto, Agripa e Mecenas.
Marcelo e Cláudio (depois de sua parte podem ser dois sacerdotes estrangeiros).
Escrivão (com tábua ou pergaminho, onde lê).
Sacerdote romano (traz algumas folhas escritas, em rolo, debaixo do braço).
Sibila
Sacerdote de Zeus (traz uma folha de carvalho).
Sacerdote de Apolo (traz uma folha de louro).
Sacerdote de Poséidon (traz o tridente).
Sacerdote de Hermes (traz o caduceu).
Sacerdote de Deméter (traz um ramo de trigo).
Sacerdote de Mitra (traz uma faca).
Sacerdote de Adônis (traz a flor da anêmona).
Sacerdote de Osíris (traz o cetro de Osíris).
Sacerdote de Ísis (traz a coroa de Ísis).
Sacerdote de Hórus (traz um raio).
Homem da Judeia.
Homem da Gália.
Homem da Germânia.
Maria, José e o Anjo (com a manjedoura).
As cores dos trajes ficam a cargo da professora de euritmia.
Instrumento: lira, cítara ou flauta.
INTRODUÇÃO
(O coro fala, enquanto Virgílio, sozinho na frente da cena, senta-se num banco, escreve e medita.)
CORO:
– Já é chegada a idade derradeira
que a Sibila de Cuma profetiza.
Ó geração dos deuses, olha o mundo
que está para cair com o próprio peso!
Favorece o Menino que já nasce!
É a Idade de ferro que termina.
A de ouro começa.
Esse menino traz com ele as virtudes de seu Pai
e vem reger o mundo.
Oh, se me fica tempo para contar suas proezas…
Começa, ó tu, Menino pequenino,
a conhecer a Mãe com riso alegre!
(Virgílio pode incorporar-se ao coro.)
CORO (canta):
“Era no tempo de Augusto,
Imperador de Roma:
a noite mais estranha descia na terra…
Que escuras, impenetráveis trevas! Que silêncio…
Os rios não corriam em seus leitos;
as ondas não rolavam lá na praia;
a grama não crescia; o vento não soprava;
a Natureza toda se detinha…
esperava…
Só no palácio de Augusto,
imperador de Roma,
ninguém sequer sentia,
nem mesmo percebia
a noite mais estranha que na terra
já descia.”
CENA 1
(Vão-se destacando do coro Virgílio, Augusto, Agripa, Mecenas, Cláudio, Marcelo e o escrivão. Na cena já deve estar então, além do banco de Virgílio, o trono de Augusto. Augusto pode começar a falar com Agripa enquanto os outros entram. Depois ouvem todos de pé a leitura do escrivão.)
AUGUSTO (a Agripa):
– Está próximo, Agripa, o grande dia
da inauguração do Panteão,
a cúpula com que honramos Roma!
E foi você, Agripa, o construtor
de um templo tão sagrado. Dentro dele,
todos os deuses hão de ser honrados.
(ao escrivão):
– Anuncie, escrivão, o nosso plano
e leia aos cidadãos nossa vontade!
ESCRIVÃO (lendo formalmente, voltado para o público):
– Com a ajuda dos deuses, consegui pôr fim a dois séculos de intranquilidade.
Agora, nenhuma revolta perturba o bem-estar das províncias.
Sim, a guerra terminou! Posso fechar as portas do templo de Jano.
Iniciou-se uma nova era.
Por isso, queremos que todos os deuses do Império sejam louvados com a mesma glória e gratidão.
Para tal fim, Agripa construiu a grande cúpula por onde entra a luz do céu. Panteão será seu nome.
O povo de Roma deverá conhecer as cerimônias sacras dos mais desconhecidos deuses deste império.
Que haja festa durante quatro dias! Roma há de venerar de novo os deuses!
(Augusto senta-se em seu trono.)
AUGUSTO:
– Você, Cláudio, organize toda a festa!
CLÁUDIO:
– Eu porei todo o empenho nessa empresa.
AUGUSTO:
– Seja Marcelo o ornamentador das praças e dos templos!
MARCELO:
– Só desejo que meu trabalho agrade ao Imperador.
AUGUSTO:
– Agripa me trará os sacerdotes de cada povo deste vasto Império.
AGRIPA:
– Assim farei, senhor.
AUGUSTO:
– Marcelo, traga-me o nosso sacerdote com seus livros.
Saiam agora!
MARCELO (a Cláudio):
– Vamos. (saem Marcelo e Cláudio)
AUGUSTO:
– Mas vocês,
Virgílio, Agripa e Mecenas, esperem.
Meus fiéis ajudantes, eu testei-os nesses tempos sangrentos que passamos.
De Agripa me ajudou a ação rápida,
de Mecenas, a astúcia e a prudência.
Com Virgílio ganhei sabedoria.
De modo que a vocês hoje pergunto,
neste dia solene para todos:
é Roma protegida pelos deuses?
MECENAS:
– Augusto, você mesmo pode ver,
como afinam as cordas os poetas
e como os feitos dos antepassados
pelos homens peritos são escritos.
Se é uma nova era que começa,
como podem os deuses estar longe?
AUGUSTO:
– Mecenas está certo. E então, Agripa?
AGRIPA:
– Como homem de ação, digo que a cúpula a meu cargo está pronta.
Que as imagens dos deuses sejam postas dentro dela!
Sendo louvados, Roma está segura.
AUGUSTO:
– Fale,Virgílio!
VIRGÍLIO:
– Augusto… Meus amigos…
Deixem-nos conversar os dois sozinhos.
AGRIPA:
– Vamos então, Mecenas. (saem Agripa e Mecenas)
VIRGÍLIO:
– Ah, Augusto,
não sei dizer se os deuses nos protegem,
mas uma coisa eu sei.
AUGUSTO:
– Diga-a, então!
VIRGÍLIO:
– Novos tempos virão. E estamos todos
em plena fase de transformação.
Some no abismo tudo o que era antigo.
Surge o que é novo e o que é desconhecido.
Mas, quem pode saber o que é o novo?
AUGUSTO:
– Eu li a profecia da Sibila,
mas faltam livros em que se falava
do destino de Roma em tal mudança.
MARCELO (entra com o sacerdote romano):
– Senhor, trago-lhe o nosso sacerdote. (ele torna a sair)
SACERDOTE ROMANO:
– Senhor…
AUGUSTO:
– Pois entre! Em boa hora vem.
Trouxe os livros sagrados?
SACERDOTE ROMANO:
– Sim, porém…
o destino de Roma estava escrito nos livros que a Sibila destruiu,
porque naquele tempo o rei de Roma não quis pagar por eles o seu preço.
Esta é nossa tristeza: estão perdidos os livros do destino deste tempo.
Os deuses se calaram…
AUGUSTO:
– E a Sibila?
SACERDOTE ROMANO:
– Veio a Roma outras vezes, em auxílio;
mas os homens não podem vê-la mais.
E também os oráculos da Grécia se calaram.
Os deuses se esconderam, cada vez mais, até dos sacerdotes!
AUGUSTO:
– O homem já despreza o que é sagrado…
Mas se os deuses se calam, é o homem que deve agir.
(levanta-se e fala firme) Eu levarei de volta todos os homens aos antigos deuses!
VIRGÍLIO:
– Em nosso Panteão recém-construído sejam portanto os deuses venerados!
(pensativo)
Mas onde achar o deus dos novos tempos?
AUGUSTO:
– Também faço a mim mesmo essa pergunta.
Só um sinal dos céus dará resposta.
Tenhamos, pois, os olhos bem abertos!
(Sentam-se Augusto e Virgílio em atitude séria e pensativa. O sacerdote romano fica de pé, ao lado, com a cabeça inclinada.)
CENA 2
(A Sibila vai entrando e fala para o público. Augusto, Virgílio e o sacerdote, em atitude de recolhimento, não a veem nem ouvem.)
SIBILA:
– Eu, a Sibila, voltarei aos homens,
trazendo meu auxílio e meu conselho.
Volto a Roma, cidade tão amada,
entre sete colinas colocada!
À paisagem do Lácio voltarei,
onde Eneias pisou em terra firme.
Aqui também fundou seu filho Ascânio Alba Longa.
Aqui, Rômulo e Remo foram também criados pela loba.
E sete reis reinaram.
Mas o homem cada vez menos conseguia ver-me.
Só crianças, às vezes.
E hoje entro no palácio do Imperador romano,
porém ninguém me vê nem pode ouvir-me.
Pobres seres mortais filhos dos homens…
(A Sibila senta-se no chão a um canto da cena. Entram Mecenas e Agripa.)
MECENAS:
– Imperador Augusto, trago aqui
um desejo de todos os amigos…
AUGUSTO:
– Tal desejo refere-se a vocês?
AGRIPA:
– Não.A você.
AUGUSTO:
– Então eu lhe respondo:
“De mim vamos falar sempre por último.”
– Mecenas, faça entrar o escrivão. (Mecenas sai e volta com o escrivão)
(ao escrivão):
– Diga, escrivão, você não tem a tábua onde vêm registrados pela ordem todos os sacerdotes estrangeiros?
ESCRIVÃO:
– Oh, sim, e eles esperam na ante-sala.
AUGUSTO:
– Então, meu caro Agripa, vá chamá-los!
SACERDOTES (entrando):
– Glória ao Imperador! Paz e fortuna!
AUGUSTO:
– Sejam bem-vindos. Eu lhes agradeço.
Mostrem então imagens de seus deuses.
ESCRIVÃO:
– Sacerdotes da Grécia, apresentem-se!
SAC. DE ZEUS:
– De Zeus, o rei dos deuses, trago a folha do carvalho sagrado de Dodona.
SAC. DE APOLO:
– De Apolo, o iluminado,
é o louro de Delfos que lhes trago.
SAC. DE POSÉIDON:
– De Poséidon, que reina sobre os mares,
eu lhes trago o tridente.
SAC. DE HERMES:
– De Hermes, que é o deus da habilidade,
eu trago o caduceu.
SAC. DE DEMÉTER:
– De Deméter, que faz crescer as plantas,
trouxe o trigo dourado.
SAC. DE MITRA:
– Do deus Mitra, que luta pelo bem,
trouxe a faca com que venceu o touro.
MECENAS (ao escrivão):
– De onde vem esse que se adianta agora?
ESCRIVÃO:
– Vem da ilha de Chipre. Que ele fale!
SAC. DE ADÔNIS:
– De Adônis, morto por um javali,
trago a anêmona. É o deus ressuscitado!
ESCRIVÃO:
– Sacerdotes do Egito, apresentem-se!
(Os sacerdotes do Egito falam devagar, solene e prolongadamente.)
SAC. DE OSÍRIS:
– Trago o cetro de Osíris, rei dos mortos e senhor dos Céus!…
SAC. DE ÍSIS:
– Trago a coroa de Ísis, senhora da Natureza!…
SAC. DE HÓRUS:
– Trago um raio do sol nascente, do deus Hórus,
o vencedor do mal, o de cabeça de falcão!…
Hórus!… Filho de Osíris e Ísis!
Que fiquem os três lado a lado no Panteão!…
ESCRIVÃO (chama após uma pausa):
– Quem veio da província da Judeia?
HOMEM DA JUDEIA (entra lentamente, fala com voz calma):
– Perdão, Imperador,
por ter chegado aqui de mãos vazias.
AUGUSTO:
– Então você não tem nenhuma imagem?
HOMEM DA JUDEIA:
– Não tenho. Está escrito…
AUGUSTO:
– Escrito onde?
HOMEM DA JUDEIA:
– Nossos livros sagrados dizem isto:
“Não farás para ti figura alguma,
nem imagem de teu Senhor e Deus!”
MECENAS:
– É muito estranho…
AUGUSTO:
– Então, em nosso templo,
decerto não teremos a imagem
desse deus da Judeia…
HOMEM DA JUDEIA:
– Nossos olhos não podem enxergá-lo.
Entretanto, por uma vez iremos ver Seu Filho.
Assim está escrito.
AUGUSTO:
– Escrito onde?
HOMEM DA JUDEIA:
– No livro de Isaías, o profeta:
“Da estirpe de Davi sairá um rebento,
um ramo sairá de suas raízes
e, desse ramo, um fruto onde repousa
o Espírito de força e de conselho,
e do temor de Deus.
(Nesse momento, Virgílio, que desde o início da cena nada dissera, como que desperta e fala com Augusto.)
VIRGÍLIO:
– Ouça, Augusto, é isto a nova era!
AUGUSTO (pensativo):
– A nova era…
(ao Homem da Judeia):
– E esse divino Filho
quando virá?
HOMEM DA JUDEIA:
– Senhor, são bem obscuras
as frases do profeta. Dizem elas
que nós prepararemos o caminho.
Pomos nisso a esperança, pois foi dito: (recita e vai recuando)
“Aqueles que esperam no Senhor obterão
novas forças, voarão como águias,
correrão sem cansaço.” (ele recua)
ESCRIVÃO:
– Entre agora quem representa a Gália!
HOMEM DA GÁLIA (aproxima-se e fala sério, de modo firme):
– Os deuses da Gália
há muito estão mortos,
e eu nada lhes trago.
VIRGÍLIO:
– Mortos?!
HOMEM DA GÁLIA:
– Sim, mortos.
Sim, Roma os matou.
AUGUSTO (ouvindo murmúrios):
– Silêncio! (ao Homem da Gália): – Explique-se melhor, gaulês!
HOMEM DA GÁLIA:
– Eu nasci na Gália, na famosa Alésia.
Nesse mesmo dia, morreram os deuses.
O César venceu,
e Vercingetórix se sacrificou.
Ah, com nosso herói, caiu a cidade;
nossos sacerdotes estão todos mortos;
florestas sagradas foram derrubadas;
pedras que serviam para o sacrifício
foram profanadas.
Nossos deuses todos, imagens quebradas,
tornaram-se pó!
VIRGÍLIO:
– Nunca mais voltarão, então, seus deuses?
HOMEM DA GÁLIA:
– Nunca mais!… Porém uma lenda antiga
conta que do Céu descerá um dia
um herói sagrado,
que será Senhor de todos os povos!
VIRGÍLIO:
– Para quando será?
HOMEM DA GÁLIA:
– Ah, eu não sei. (ele recua)
AUGUSTO:
– Esse tempo futuro é muito incerto…
ESCRIVÃO:
– Que venha agora o Homem da Germânia!
HOMEM DA GERMÂNIA (aproximando-se):
– Nós não temos imagens dos deuses na Germânia.
Elas lá não existem!
Adoramos os deuses com belos sacrifícios
nos picos das montanhas,
nas matas onde brilham as águas cristalinas.
Dentro do Panteão…
não cabem as florestas sagradas da Germânia!
MECENAS:
– Orgulhoso rapaz! Renunciamos então, aos deuses bárbaros do norte?
HOMEM DA GERMÂNIA:
– Nem sei se ainda os deuses têm sua antiga força.
É o crepúsculo dos deuses que vem com os novos tempos.
VIRGÍLIO (novamente espantado):
– Crepúsculo dos deuses? Novos tempos?
HOMEM DA GERMÂNIA:
– Sim, as canções antigas a isso se referem:
que, depois do crepúsculo, os deuses ressuscitam.
(recita acentuando as sílabas tônicas):
“Nos campos despertam os deuses que dormem;
e falam os deuses do deus que virá.”
MECENAS (como que descobrindo algo):
– Sim, o deus que virá!… Mas esse, Augusto, será você!
AUGUSTO:
– Mecenas, nada diga.
Não deve o homem comparar-se aos deuses.
(gesto para que o Homem da Germânia continue.)
HOMEM DA GERMÂNIA:
– O deus que virá
estende o poder por tudo e por todos,
decide pelejas, recria a paz! (recua)
VIRGÍLIO:
– É essa a nova era, a era do ouro,
que deverá voltar, como nos dizem velhas lendas.
AUGUSTO:
– Por ora terminamos.
Agradeço aos senhores. Podem ir.
Depois lhes será dito dos lugares
que, lá no Panteão, terão os deuses.
SACERDOTES E HOMENS ESTRANGEIROS:
– Saudamos nosso grande Imperador! (Saem junto com o escrivão.)
MECENAS:
– Meu caro Augusto…
AUGUSTO:
– Fale, que eu escuto.
MECENAS:
– Augusto, nosso grande Imperador,
o povo deste Império o considera
como esse deus que deveria vir.
Deixe, pois, ó Augusto, que os romanos
já possam venerá-lo como um deus!
(A essas palavras, a Sibila se levanta como quem se prepara para agir.)
MECENAS (continua):
– Que seja a sua imagem colocada no grande Panteão;
cada província sacrifique a Augusto, o novo deus!
AUGUSTO (sereno, dirigindo-se aos outros):
– Muitas vezes os deuses me guiaram,
mas sempre me senti apenas homem.
Suas palavras agradeço muito,
mas nada disso seja realizado.
Bem sabem que é contrário à lei romana.
AGRIPA:
– Não! Pois Rômulo, o fundador de Roma
foi venerado como deus Quirino!
AUGUSTO:
– Amigos, acompanhem-me! No templo,
vou venerar nossos antigos deuses
e perguntar-lhes qual o seu desejo.
CENA 3
(Augusto, Virgílio, Mecenas, Agripa e o sacerdote romano dão uma volta, como que fora, na noite. Começam a estranhar o aspecto de tudo. A Sibila os segue um pouco de longe.)
SACERDOTE ROMANO:
– Que escuro… Que silêncio…
AGRIPA:
– Nem se ouve
o velho rio Tibre murmurando…
VIRGÍLIO (olhando para cima):
– Estranha noite… Até no ar se sente
que algo de novo está-se preparando.
AUGUSTO (olhando para baixo):
– Tudo parou… A Natureza, estática,
parece até que espera algo terrível!
MECENAS:
– Digo que espera algo maravilhoso:
Augusto como deus se consagrando!
AUGUSTO:
– Silêncio!… Ouço a voz de alguém que canta.
CORO (cantando as notas do acalanto, suavemente):
“Nan, nan, nan, nan, nan, nan, nan, nan, nan…”
AGRIPA:
– Não ouço nada.
VIRGÍLIO (espantado):
– Mas a Natureza
se movimenta agora!! A brisa sopra,
o rio corre, as árvores se agitam!
Algo maravilhoso aconteceu!…
MECENAS (agitado):
– É o sinal de que Augusto será deus!
Os deuses nos respondem! Ave, César!
No Panteão teremos sua imagem!
CORO (canta de novo as notas do acalanto, suavemente):
“Nan, nan, nan, nan, nan, nan, nan, nan, nan…”
AUGUSTO:
– Silêncio! Ouço a voz de alguém que canta
como cantam as mães ninando um filho…
(Nesse momento, a Sibila se aproxima e se posta diante do Imperador e de Virgílio. Os outros três nada percebem e adormecem aos poucos.)
SIBILA:
– Homem Augusto,
por bem pouco tempo abrirei os seus olhos,
porém logo sua razão trará o esquecimento.
E, quanto aos seus amigos, dormirão.
Só Virgílio verá.
AUGUSTO (a Virgílio):
– É a Sibila!!…
(Consciente de seu poder, a Sibila, enquanto fala, pega com uma das mãos o pulso do Imperador e, com a outra, aponta para o longínquo oriente.)
SIBILA:
– César Augusto, que nenhum mortal
seja adorado no sagrado templo!
Será dado a vocês saber porque.
Vejam! Contemplem! Abram bem os olhos!
(O Coro se afasta de um lado e revela a cena do presépio, com Maria, José, a manjedoura e o anjo.)
ANJO:
– Hoje um Menino nos nasceu, um Filho nos foi dado.
O poder repousa nos seus ombros.
E ele se chama Conselheiro admirável,
Deus forte, Pai eterno, Príncipe da Paz.
SIBILA:
– Cristo desce dos céus para ser homem.
Não deve, pois, Augusto ser um deus.
Mas, já que não conhecerá o Cristo,
prepare para Ele um lugar digno no Panteão.
E escreva nesse altar:
“Ao deus desconhecido”.
AUGUSTO (reverentemente):
– Assim farei!
SIBILA:
– Agora mostro a ambos o futuro,
pois é a última vez que desço aos homens.
(A Sibila faz um gesto com as mãos, e os participantes do Coro se revelam então como fiéis, aproximam-se do presépio e se ajoelham diante dele.)
SIBILA:
– O mal existirá por muito tempo ainda aqui na terra,
mas um dia o dragão afinal será vencido,
e os homens verão Cristo, e a voz dos anjos
ressoará em todos os ouvidos!
ANJO (fala enquanto os fiéis se levantam de novo como Coro):
– Glória a Deus nas alturas
e paz na terra aos homens de boa vontade!
(A peça termina com o Coro cantando o canto gregoriano de Santo Ambrósio.)
CORO (canta):
“Jesu labantes respice
et nos videndo corrige
si respicis lapsus cadunt
fletuque culpa solvitur.
Tu lux refulge sensibus
mentisque somnum discute
te nostra vox primum sonet
et vota solvamus tibi.
Deo patri sit gloria
eiusque soli filio
cum spiritu paraclito
nunc et per omne saeculum.
Amen.”
FIM
TRADUÇÃO DO LATIM:
“Ó Jesus, olha pelos que caíram / e vendo-nos, corrige-nos.
Se olhas (por nós), os erros caem / e a culpa se dissolve através do pranto.
Tu, luz, refulge pelos (nossos) sentidos / e dissipa o sono da mente.
(Que) nossa voz soe primeiro por Ti / e (que) cumpramos as promessas (feitas) a Ti.
Glória a Deus Pai / e a seu único Filho
com o Espírito Intercessor / agora e por todos os séculos. Amém.”
*1: LAGERLÖF, Selma. Lendas Cristãs. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1930.
*2: LUSITANO, Leonel da Costa. As Éclogas e Geórgicas de Vergílio. Lisboa: Editora Lisboa, data n/d.
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