poema de Conrad Ferdinand Meyer traduzido e recriado por Ruth Salles
Quem souber me diga, onde
Dedalzinho mora?
Lá no vale, longe, longe,
onde um rio aflora.
Desde que era criancinha,
já trazia a corcundinha.
A seu passo balançado
nada se assemelha,
e seu queixo, ao estar sentado,
bate nos joelhos.
Trança o junco e tece os cestos.
Passa assim o dia.
Quando prontos, vai vendê-los
para a freguesia.
E ele fica bem contente,
mas só diz toda essa gente
que ele é bruxo e entende a fundo
de esquisitas ervas,
e que as almas do outro mundo
são as suas servas.
Nada disso é verdadeiro.
Tudo é mal contado.
Mas o povo, perto dele,
fica arrepiado.
Nem os velhos, nem os moços
querem ver seu desengonço.
Mas, assim como eu e tu,
sobe e desce o morro
nosso Dedalzinho azul,
balançando o gorro.
Certa vez, quando voltava
do trabalho duro,
bem em meio à caminhada
já estava escuro.
Ele ali quis descansar
sob o lume do luar.
Dedalzinho não tem medo,
o escuro esquece.
Não chegar em casa cedo
é que o aborrece.
E, de súbito, admirado,
vozes ele ouvia!
Vem de lá do verde prado
leve melodia.
“Voga a barca prateada…”
E depois não cantam nada.
Dedalzinho espia atento,
mas só percebeu
que a canção que voa ao vento
susto não lhe deu.
Novamente a cantiguinha
soa até ali,
mas a rima que teria
não se faz ouvir.
“Voga a barca prateada…”
E outra vez não cantam nada.
É dos elfos a cantiga.
Ela nunca muda?
Dedalzinho, decidido,
quer lhes dar ajuda.
As palavras vêm chegando,
e ele ouve atento.
Mal, porém, vão terminando,
dá-lhes seguimento.
“Voga a barca prateada…”
“… sem ter remos, ser ter nada!”
“Que alegria!” – estão gritando.
“Ele conseguiu!”
E um povinho, saltitando,
logo ali surgiu.
E os elfos, em ciranda,
chamam Dedalzinho:
“Tem coragem, anda, anda!
Canta teu versinho!”
“Voga a barca prateada
sem ter remos, sem ter nada…”
“Aprendei, meus cantorinhos
o que foi ouvido.
Oh, que verso bonitinho,
muito mais comprido!
Homenzinho, uma vez mais
deixa que te olhemos!
Pela frente e por detrás
te examinaremos.
Oh, estamos espantados!
Que é que tens em teu costado?
Triste carga tu carregas…
Isso nos intriga.
Num bom corpo é que se expressa
uma alma digna.
Pensamentos de alegria
tens na cabecinha,
mas não gosto quando oscilas
sob a corcundinha.
Esses membros, que se estiquem!
Que bem reto o corpo fique!
A corcunda, onde está ela?
Não se pode ver!
Viva a nova espinha reta!
Viva o novo ser!”
De repente a ronda alegre
volta ao verde prado,
mas de longe se percebe
o refrão rimado:
“Voga a barca prateada,
sem ter remos, sem ter nada.”
Bem cansado, Dedalzinho
sonha com seu lar,
mas escuta a cantiguinha,
põe-se a cochilar.
Toda a noite se passou,
e ele ali dormia.
Dorme até que o claro sol
no horizonte espia.
Pastam vacas e ovelhinhas
lá no prado dos elfinhos.
Dedalzinho levantou,
firme já se mostra,
e de leve a mão passou
pelas suas costas.
“Terá sido um sonho incerto,
ou estou curado?
E, se a cura vem dos elfos,
dura ao sol dourado?”
E apalpa, apalpa, apalpa,
mas a espinha é reta e alta!
“Sou um homem aprumado!” –
canta Dedalzinho.
Salta alegre pelo prado
como um veadinho.
De repente, para e toca
– treme sua mão –
“Ah, será que ela não volta?
Ah, não volta, não!
Louvo o dia em que, cantando,
fui com os elfos cirandando.”
Dedalzinho anda esbelto,
vai como quem voa,
desde a ronda com os elfos.
Que noitada boa!
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