Conversa de avó com minha neta Talita, sobre palindromia.
– Hum… Que será isso? Exercício de dicção?
por Ruth Salles
– Podia até ser, porque parece. Mas, não é. É apenas o título do capítulo 9 do livro “Acordaram-me de Madrugada”, do professor de Matemática e contador de histórias árabes chamado Malba Tahan. Nesse livro, ele recorda seus tempos de aluno interno no “Gymnasio Nacional”, no Rio, e a noite em que o diretor, em 1910, acordou os alunos para que vissem o cometa de Halley. – E que tem isso a ver com aquilo? “Eva asse essa ave”
– “Aquilo” trata-se apenas de uma frase palíndroma.
– Palindroquê?!
– Pois é. Palavrinha difícil, essa. Vem de palindromia, que é de origem grega. Palin – de novo; dromos – corrida. Ou seja, “correr de novo” ou “voltar pelo mesmo caminho”. Experimente ler aquela frase de trás para diante. Dá na mesma!
– E não é que é?! Mas, e daí? Por que esse é o título do tal capítulo?
– Porque, nesse capítulo, tio Júlio (opa, desculpe, esqueci de dizer que o Malba Tahan por acaso era meu tio, irmão de minha mãe, e se chamava Júlio César de Mello e Souza. Aliás, era um garoto “levado da breca”, como se dizia naquele tempo, desses de “pintar os canecos”. Como será que se diz hoje? Também sou quase daquele tempo…) Mas, continuando, nesse capítulo, o Malba Tahan conta a aula do professor de português, Silva Ramos, que a pedido de um aluno explica o que é palindromia. Ele cita uma porção de palavras palíndromas, tais como arara, adida, ovo, mirim (de origem tupi), assim como tempos de verbos palíndromos, somemos, somamos, somávamos, medem, somos, mamam, mexem, reler, supus. Cita também a maior palavra palíndroma descoberta em português, que é o superlativo intensivo da palavra omisso: omissíssimo. E o professor ainda enumera uns tantos nomes próprios palíndromos, como Ada, Natan, Ana e lembra o nome de um dos alunos da classe: o Mem. Os alunos colaboraram descobrindo merecerem e sopapos.
– Palavra palíndroma até que é fácil. Mas, e frases como essa do título?
– Pois saiba que existe uma porção: Assim é missa / Salta o atlas / Anotaram a maratona / Roíam osso maior / Raul ama luar / Orava o avaro… E o professor Silva Ramos criou uma com seu próprio nome: Somar só os ramos.
– Que coisa incrível!
– E ainda existem as frases palíndromas imperfeitas, porque exigem deslocamento de letras ao serem lidas de trás para frente, como: Roma me tem amor / A lama da mala / A torre da derrota / Libânio, o inábil / A tira da Rita / Saíram, o tio Sá e as oito Marias. E ainda uma, bem longa, que fiquei sabendo através de minha neta Marina: Socorram-me, subi no ônibus em Marrocos!! Mas, sabe como terminou a aula?
– Como foi?
– Um aluno afirmou que a multiplicação 12 x 12 = 144 era uma conta meio palíndroma, não por ser igual de trás pra diante, mas porque, lida ao contrário, formava outra multiplicação exata. Experimente!
– 441 = 21 x 21. É mesmo!!
– E meu tio, depois da aula, lembrou-se de sua prima Talita (palíndromo silábico, como fa-ro-fa, por exemplo), e pensou romanticamente: “Quando eu disser isso a ela, ela vai sorrir e mostrar as duas covinhas que tem no rosto. Ah, e as covinhas da Talita também são palíndromas: são graciosas da esquerda para a direita e são lindas da direita para a esquerda. É uma nova palindromia que só os namorados conhecem!” E assim o Malba Tahan encerrou o capítulo de seu livro.
***