19 de agosto de 2020

Infância plastificada

 

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pesquisa realizada por GPQV / UFSCar – encomendada por Instituto Alana Programa Criança e Consumo

O impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente

Apresentação – abaixo pdf com a pesquisa completa

A publicidade infantil, para além de suas dimensões antiéticas, injustas e ilegais, contribui para a intensificação de problemas sociais e ambientais graves. Desde o começo de sua atuação, o programa Criança e Consumo alerta para os impactos negativos do direcionamento de publicidade e comunicação mercadológica ao público menor de 12 anos de idade. Entre os principais prejuízos estão: obesidade infantil, doenças crônicas não transmissíveis, estresse familiar pela interferência na autoridade parental, diminuição das brincadeiras criativas, violências simbólicas e materiais e, ainda, impactos ambientais. O estímulo a comportamentos consumistas leva ao consumo massivo de produtos e serviços sem a devida reflexão sobre seu real valor de uso e sobre todas as dinâmicas negativas e violações de direitos envolvidas nas cadeias produtivas.

Já em 2008, na série temática Criança e Consumo – entrevistas(1) , o tema Sustentabilidade foi abordado por uma série de especialistas que destacaram, dentre outros importantes tópicos, o fato de que crianças são estimuladas pela publicidade infantil a não se preocuparem com o ambiente, uma vez que quanto mais se estimula o consumismo, maior a quantidade de descarte e de geração de lixo, inclusive plásticos, um dos materiais mais revolucionários descobertos pelo ser humano, mas que apresenta um dos maiores tempos de decomposição, sendo, portanto, de altíssima duração ambiental.

Como sempre ressaltou Isabella Henriques, atual codiretora executiva do Instituto Alana e primeira coordenadora do Criança e Consumo, confrontar os complexos e negativos impactos da publicidade infantil, inclusive seu estímulo ao consumo desenfreado de plástico por crianças e suas famílias, é passo fundamental para solucionarmos os urgentes desafios ambientais da atualidade. Nesse sentido, como forma de contribuir para tais discussões, especialmente dentro das escolas, o Criança e Consumo desenvolveu, por dois anos, o Projeto EcoAtivos, que, entre outros temas, trabalhou o impacto do plástico na saúde humana e ambiental(2).

Este tema ficou ainda mais relevante quando constatamos que atualmente – tanto na televisão como em plataformas de vídeos na internet –, as publicidades infantis mais presentes são aquelas de brinquedos, que, em sua maioria, são feitos de plástico.

Exemplo evidente disso são as bonecas colecionáveis L.O.L. Surprise! – envoltas em camadas e mais camadas de plásticos –, que, de 2016 a 2018, chegaram ao número de 800 milhões de unidades vendidas em todo o mundo. Após o recebimento de inúmeras denúncias e a constatação de uma estratégia agressiva de divulgação das bonecas por influenciadores digitais mirins, na maioria das vezes de forma velada, o Criança e Consumo encaminhou denúncia ao Ministério Público do Espírito Santo(3) solicitando a responsabilização da empresa Candide Indústria e Comércio Ltda. pela prática ilegal da publicidade infantil, o financiamento da produção de material audiovisual sobre a relação entre consumismo e impactos no meio ambiente e, ainda, a implantação, por parte da empresa, de um sistema de logística reversa do produto e das embalagens plásticas, como medida para minimizar os impactos ambientais gerados.

Como bem apontou a advogada do Criança e Consumo Lívia Cattaruzzi na denúncia, “as bonecas colecionáveis L.O.L. Surprise!, tanto nas embalagens quanto no produto em si, são uma pavorosa concentração de plástico, mais plástico e mais plástico. (…) No momento atual, em que a questão ambiental precisa ser enfrentada como um problema urgente que afeta o presente e o futuro da humanidade, o mercado ainda busca criar crianças consumistas, insatisfeitas e competitivas. Em um cenário como esse, de frequente estímulo ao consumismo, como falar com as crianças sobre cidadania, empatia, educação para o consumo, cooperação e cuidado com o meio ambiente?”(4).

No mesmo sentido, JP Amaral, mobilizador do Criança e Consumo, fez um necessário alerta acerca da publicidade infantil de brinquedos de plástico e suas consequências socioambientais: “Se estamos realmente considerando o bem-estar das nossas crianças e a garantia de um futuro saudável e sustentável para elas, precisamos considerar os impactos ambientais dos estímulos de consumo gerado pelas empresas fabricantes de brinquedos”(5).

Contudo, apesar das evidências empíricas, são ainda muito escassos dados ou pesquisas que abordem a relação da publicidade infantil com o consumo massivo de brinquedos de plástico, inclusive na avaliação dos impactos ambientais e na saúde de crianças e suas famílias.

Assim, a pesquisa Infância plastificada – o impacto da publicidade infantil de brinquedos plásticos na saúde de crianças e no ambiente, realizada pelo respeitado Grupo de Estudos e Pesquisa em Química Verde, Sustentabilidade e Educação da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), nasce com este intuito: gerar dados científicos e aprofundar este importante debate para o presente das crianças e o futuro de todos nós.

Ressalta-se que não se é contra o uso de brinquedos de plástico, mas o que se busca é a restrição de sua comunicação mercadológica e a qualificação do seu uso seguro, para que crianças não sejam expostas tanto às substâncias tóxicas como aos estímulos consumistas que geram montanhas não recicláveis de plásticos.

Como bem ressaltou Frei Betto em 2016, no livro de celebração dos 10 anos do Criança e Consumo, “a praga do consumismo é, hoje, também uma questão ambiental e política. Montanhas de plástico acumulam-se nos oceanos, e a incontinência do desejo dificulta ainda mais uma sociedade sustentável, com bens e frutos do trabalho humano partilhados entre todos”(6).

Portanto, pela partilha da presente pesquisa, esperamos despertar consciências, inclusive de pessoas em todas as empresas, para a promoção de uma infância livre de publicidade infantil e consumismo, na qual os brinquedos – tão importantes para a expressão e desenvolvimento das crianças – sejam também símbolos de uma sociedade mais sustentável e de brincadeiras menos plastificadas.

Acesse aqui o PDF da pesquisa completa

Boa Leitura!
Pedro Hartung
Coordenador do programa Criança e Consumo

 

1 – Disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Crian%C3%A7a-e-Consumo-Entrevistas-Vol-1.pdf
2 – Site do projeto EcoAtivos: https://ecoativos.org.br/
3 – Notícia disponível em: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/candide-e-denunciada-ao-mp-es-por-publicidade-infantil-das-bonecas-lol/
4 – Trecho retirado de: http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2019/03/Representa%C3%A7%C3%A3o_siteCeC.pdf
5 – Trecho retirado de: http://criancaeconsumo.org.br/noticias/a-vila-do-plastico/
6 – Trecho retirado de: http://criancaeconsumo.org.br/wp-content/uploads/2014/02/Crianca-e-Consumo_10-anos-de-transformacao.pdf

 

 

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