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peça de William Shakespeare
adaptação de Ruth Salles
a partir do original e da tradução de Carlos Alberto Nunes
PERSONAGENS
Dom Pedro, Príncipe de Aragão.
Dom João, seu irmão bastardo.
Cláudio, jovem fidalgo de Florença.
Benedito, jovem fidalgo de Pádua, conde.
Leonato, governador de Messina.
Antônio, seu irmão.
Baltasar, criado de Dom Pedro.
Borracho e
Conrado, seguidores de Dom João.
Frei Francisco.
Um Escrivão.
Um Pajem.
Hero, filha de Leonato.
Beatriz, sobrinha de Leonato.
Margarida e
Úrsula, criadas de quarto de Hero.
Dogberry e
Verges, chefes dos guardas.
Mensageiro
Guarda Jorge
Guarda Hugo
Nobres
Cupidos (personagens mudas, com entradas à escolha da direção de cena)
Cena: Messina
PRIMEIRO ATO
Cena 1
Diante da casa de Leonato.
Leonato, Hero, Beatriz, o Mensageiro; depois, Dom Pedro, dom João, Cláudio, Benedito e outros.
Leonato, Hero e Beatriz estão diante da casa de Leonato. Chega o Mensageiro, que entrega uma carta a Leonato, que a lê.
LEONATO: – Diz esta carta que Dom Pedro de Aragão chega hoje a Messina.
MENSAGEIRO: – É verdade, senhor Leonato; deixei-o bem perto daqui.
LEONATO: – Perdestes muitos fidalgos nessa batalha?
MENSAGEIRO: – Apenas alguns.
LEONATO: – A carta diz também que Dom Pedro conferiu grandes honras a um jovem florentino chamado Cláudio.
MENSAGEIRO: – Honras merecidas, senhor. Apesar de bem jovem, Cláudio demonstrou muita coragem. Com a aparência de um cordeiro, realizou façanhas de leão!
BEATRIZ (intrometendo-se): – Por favor, Mensageiro, poderias informar-me se o senhor Galo-de-Briga já voltou da guerra?
MENSAGEIRO: – Perdão, senhorita, mas não conheço nenhum oficial com esse nome.
HERO: – Minha prima se refere ao conde Benedito de Pádua.
MENSAGEIRO: – Ah, esse já voltou, e mais brincalhão que nunca.
BEATRIZ: – Hum… É bom saber. Assim fico preparada para lidar com suas ironias.
LEONATO: – Francamente, sobrinha, que tanto censuras no senhor Benedito?
MENSAGEIRO: – É um soldado valente, senhorita. Tem honra. Tem estofo!
BEATRIZ: – Ele é estofado como um sofá de enchimento mole, isso sim!
LEONATO: – Meu rapaz, não leves a mal minha sobrinha Beatriz. É que entre ela e o senhor Benedito há uma espécie de duelo de palavras.
BEATRIZ: – Duelo do qual ele sempre sai derrotado. E quem é agora seu companheiro de armas? Consta que ele muda de companheiro como de roupa ou de chapéu, conforme a moda.
MENSAGEIRO: – Pelo visto, deves ter riscado o nome de Benedito do seu caderninho, senhorita. Mas, olhe, ele está sempre na companhia do nobre Cláudio.
BEATRIZ: – Esse então já deve estar contaminado, pois o conde Benedito pega mais do que a peste.
MENSAGEIRO: – Por Deus, senhorita, desejo que penses bem de mim! Mas, não é Dom Pedro que vem chegando?
(Entram Dom Pedro, Dom João, Cláudio, Benedito, Baltasar e outros.)
DOM PEDRO: – Meu caro senhor Leonato! Cá estamos.
LEONATO: – Meu caro Dom Pedro! É com prazer que recebo a todos aqui.
DOM PEDRO (voltando-se para Hero): – Então, esta é tua filha?
LEONATO: – É, sim, meu amigo. (aparecem os dois cupidos com arco e flecha)
BENEDITO: – Aliás a jovem Hero é parecidíssima com o pai.
BEATRIZ: – Fico admirada, senhor Benedito, que tenhas dito alguma coisa. Ninguém te dá atenção…
BENEDITO: – É mesmo, senhorita Desdém? Pois quero que saibas que, com exceção de ti, todas as mulheres se apaixonam por mim, embora, para ser franco, eu não sinta amor por nenhuma.
BEATRIZ: – Que felicidade para elas! E, quanto a mim, prefiro ouvir meu cachorro latir para uma gralha que ouvir uma declaração de amor.
BENEDITO: – Isso é ótimo, pois assim um cavalheiro honesto evitará no rosto os arranhões que o Destino lhe tenha reservado.
BEATRIZ: – Se ele tiver um rosto como o teu, os arranhões não vão deixá-lo pior.
DOM PEDRO: – Ouvi-me, senhores, meu prezado amigo Leonato estende seu convite a todos nós, e sei que diz isso do fundo do coração.
DOM JOÃO: – Obrigado, senhor.
LEONATO: – Pois então entremos.
(Entram todos em casa de Leonato, com exceção de Benedito e Cláudio.)
CLÁUDIO: – Benedito, que tal achaste Hero, a filha do senhor Leonato? Não parece ter todas as melhores qualidades?
BENEDITO: – Sinceramente, acho-a muito baixinha para um alto louvor, ou muito pequena para um grande louvor.
CLÁUDIO: – Estás sempre brincando. Para mim, ela é a mais encantadora criatura que já vi.
BENEDITO: – Pois vejo muito bem sem óculos e não enxergo nada disso. Sua prima Beatriz é muito mais bela, apesar de ser a fúria que é. Mas, espero que não estejas com idéias de virar marido!
CLÁUDIO: – Pois estou.
BENEDITO: – Não me digas! Estás tão ansioso assim por enforcar-te? Olha, Dom Pedro vem vindo à nossa procura.
DOM PEDRO (chegando): – Que segredo vos manteve aqui, para não entrardes em casa de Leonato?
BENEDITO: – O segredo é de Cláudio, e a obediência me obriga a revelá-lo. Ele está apaixonado por Hero, a pequena filha de Leonato.
CLÁUDIO: – Sinto que lhe tenho grande amor.
DOM PEDRO: – E ela o merece.
BENEDITO: – Não é possível! É verdade que sou muito grato à mulher que me gerou. Mas, quanto às outras, reservo-me o direito de não confiar em nenhuma. Conclusão: desejo continuar solteiro.
DOM PEDRO: – Pois antes de morrer, ainda hei de te ver pálido de amor.
BENEDITO: – Pálido de cólera, doença ou fome, sim. De amor, nem pensar.
DOM PEDRO: – Está bem, mas, por enquanto, entra em casa de Leonato e avisa a ele que não faltarei à ceia, pois ele fez grandes preparativos para nós.
BENEDITO: – Pois não, senhor. (entra em casa de Leonato.)
CLÁUDIO: – Dom Pedro, poderias ajudar-me?
DOM PEDRO: – Estou ao teu dispor, meu filho. Fala!
CLÁUDIO:
– Oh, senhor, antes mesmo desta guerra,
eu já sofria o encanto irresistível
da jovem Hero. Estou apaixonado.
Estou perdidamente apaixonado!
Porém não sei se vou saber dizer
as palavras para pedir-lhe a mão…
DOM PEDRO:
– Fica tranqüilo, Cláudio. Estou sabendo
que há um baile de máscaras à noite.
Disfarçado, farei o teu papel
e falarei de amor à linda Hero.
Depois, direi ao pai o que se passa.
A conclusão é que ela será tua.
Ponhamos logo em prática este plano. (Saem.)
Cena 2
Um aposento em casa de Leonato.
Leonato e seu irmão Antônio.
Entram Leonato e Antônio, por lugares diferentes.
LEONATO: – E então, Antônio, teu filho já providenciou a música?
ANTÔNIO: – Está providenciando, meu irmão. Mas tenho notícias estranhas para te contar. Nem dá para acreditar.
LEONATO: – Notícias boas?
ANTÔNIO: – Depende do ponto de vista. Imagina que um de meus criados ouviu o príncipe Dom Pedro dizendo a Cláudio que estava apaixonado por tua filha Hero e que pretendia revelar-lhe isso no baile desta noite e depois falar contigo.
LEONATO: – E esse teu criado é bom da cabeça?
ANTÔNIO: – Parece. Queres falar com ele?
LEONATO: – Não, não! Vamos encarar o caso como um sonho até que se torne realidade. Mas é melhor que vás informar minha filha, para que ela se prepare para uma resposta. (Várias pessoas atravessam a cena.) – Primos! Amigos! Muito cuidado com os preparativos! (Saem todos.)
Cena 3
Outro aposento em casa de Leonato.
Dom João, irmão de Dom Pedro, e seus seguidores Conrado e Borracho.
Entram Dom João e Conrado, conversando.
CONRADO: – Mas, que tristeza é essa, milorde? Há pouco tempo te rebelaste contra teu irmão Dom Pedro; mas já caíste em suas boas graças novamente. Agora é necessário que plantes com cuidado para colheres o melhor mais tarde.
DOM JOÃO: – Prefiro ser lagarta numa cerca a ser uma flor nas boas graças de meu irmão. Mas quem vem chegando aí? (Entra Borracho.) – Quais as novidades, Borracho?
BORRACHO: – Acabo de ver o príncipe teu irmão ser regiamente tratado por Leodato, e nem te conto! É de se esperar um casamento.
DOM JOÃO: – Opa! Quem sabe isso nos serve de alicerce para construirmos alguma maldade! E quem é o imbecil que pretende enforcar-se?
BORRACHO: – Ora, o braço direito de teu irmão. O tal de Cláudio.
DOM JOÃO: – E com quem? Com quem?
BORRACHO: – Com Hero, a filha e herdeira de Leodato.
DOM JOÃO: – Aquela franguinha? E como soubeste disso?
BORRACHO: – Fiquei escondido atrás de uma cortina e pude ouvir que o príncipe ia mascarar-se e declarar-se a Hero no baile. E, depois de obter seu consentimento, ia passá-la para o Conde Cláudio.
DOM JOÃO: – Ah, isso está uma beleza. Se houver algum jeito para eu me atravessar em seu caminho, a alegria me volta! Estais dispostos a me ajudar?
CONRADO E BORRACHO: – Até à morte, senhor!
DOM JOÃO: – Pois vamos para a grande ceia e veremos o que se pode fazer. (Saem.)
SEGUNDO ATO
Cena 1
Sala em casa de Leonato.
Leonato, Antônio, Hero, Beatriz; depois, Dom Pedro, Cláudio, Benedito, Baltasar, Dom João, Borracho, Margarida, Úrsula e outros, todos mascarados; os cupidos.
Entram Leonato, Antônio, Hero e Beatriz.
LEONATO: – Dom João não esteve na ceia?
ANTÔNIO: – Não o vi.
BEATRIZ: – Que homem carrancudo. Sempre que ele vem aqui me dá azia.
HERO: – É de temperamento tristonho.
BEATRIZ: – O homem ideal seria o meio termo entre ele e Benedito: um não diz nada, parece um retrato na parede; o outro fala sem parar.
LEONATO: – Minha sobrinha, com essa língua tão ferina nunca arranjarás marido.
BEATRIZ: – E essa será uma felicidade que vou agradecer da manhã à noite. Oh, meu tio, eu não suportaria um marido barbado. Prefiro dormir na lã.
ANTÔNIO: – Nesse caso, arranja um imberbe.
BEATRIZ: – O indivíduo com barba é mais que um rapaz, e o imberbe, menos que um homem. Nenhum me serve.
ANTÔNIO: – Pois ainda espero vê-la casada.
BEATRIZ: – Só se Deus fizer outro homem que não seja do pó da terra. Já pensaste, ser dominada por um bloco de poeira insolente? Além disso, todos os filhos de Adão são meus irmãos. E eu considero pecado casar com um parente.
LEONATO: – Hero, não te esqueças de minha recomendação, no caso de te fazer o príncipe algum pedido de casamento no baile.
HERO: – Sim, meu pai.
BEATRIZ: – Dá-lhe uma resposta dançante, dizendo que em todas as coisas há compasso: acredita, Hero, o noivado é ardente e rápido como uma giga escocesa; o casamento é sério e cerimonioso como um minueto; depois vem o arrependimento no compasso de cinco da pavana, até acabar caindo na sepultura.
LEONATO: – Cruzes, sobrinha, que visão das coisas!
BEATRIZ: – É. Tenho muito boa vista.
ANTÔNIO: – Irmão, é melhor nos afastarmos. Já vêm chegando os mascarados.
(Entram Dom Pedro, Cláudio, Benedito, Baltasar, Dom João, Borracho, Margarida, Úrsula e outros, de máscaras.)
DOM PEDRO (a Hero): – Senhorita, consentes em dançar com um amigo?
HERO: – Se fores simpático, estou à tua disposição, principalmente se eu gostar de tuas feições, pois queira Deus que o alaúde não se pareça com seu estojo.
DOM PEDRO: – Podes crer: minha máscara é como a palhoça de Filemón; dentro dela mora Júpiter.
(***nota***Filemón vivia com sua mulher numa aldeia da Frígia. Quando Júpiter e Mercúrio visitaram essa aldeia, ninguém quis hospedá-los a não ser Filemón. Júpiter transformou sua palhoça em templo e abençoou a vida do casal. (N.T.))
HERO: – Palhoça? Nesse caso, devias ter a máscara coberta de palha.
DOM PEDRO: – Fala baixo, se falas de amor… (Dançam.)
BALTASAR (a Margarida): – Desejaria que gostasses de mim.
MARGARIDA: – É melhor não, para teu próprio bem, pois tenho péssimos defeitos. Por exemplo: digo minhas orações em voz alta.
BALTASAR: – Pois isso aumenta meu amor. Assim, os ouvintes podem dizer “Amém”!
MARGARIDA: – Que Deus me conceda um bom par para a dança!
BALTASAR: – Amém! (dançam)
MARGARIDA: – E que o leve para longe de mim depois que acabar a dança. Então! Responde logo, coroinha!
BALTASAR: – Chega de palavras e vamos indo. (dançam)
ÚRSULA (a Antônio): – Ah, eu te reconheço, apesar da máscara. És o senhor Antônio! Com esse jeito de balançar a cabeça…
ANTÔNIO: – Estás muito enganada. Estou apenas fazendo uma imitação.
ÚRSULA: – Com essa mão magra que não pára em lugar algum? És ele mesmo, confessa! (Dançam.)
BEATRIZ (a Benedito): – E quem disse que sou orgulhosa?
BENEDITO: – Desculpa, mas não posso revelar.
BEATRIZ: – Ah… Já sei! Foi o senhor Benedito.
BENEDITO: – Quem é esse Benedito?
BEATRIZ: – Ora, é o bobo que distrai o príncipe, um pobre diabo que só sabe inventar mentiras absurdas.
(Os cupidos aparecem).
BENEDITO: – Se eu chegar a conhecê-lo, direi a ele tua opinião a seu respeito. (Música dentro.) Ouves a música? Vamos acompanhar os guias.
(Dança. A seguir, todos vão saindo, com exceção de Dom João, Borracho e Cláudio.)
DOM JOÃO: – Já é certeza meu irmão estar apaixonado por Hero; chamou o pai dela em particular para pedi-la em casamento. Todas as damas a acompanharam; na sala só ficou um mascarado.
BORRACHO: – É Cláudio. Eu o reconheci pelo andar.
DOM JOÃO (a Cláudio): – Não és o senhor Benedito?
CLÁUDIO: – Tu me conheces bem; sou ele mesmo.
DOM JOÃO: – Senhor, meu irmão o tem em alta estima. Ele está apaixonado por Hero; eu te peço, procura fazer com que ele desista dela, pois ela é de nascimento inferior ao dele.
CLÁUDIO: – Como sabes que ele lhe tem amor?
DOM JOÃO: – Ouvi quando ele lhe declarou estar apaixonado.
BORRACHO: – Eu também ouvi; jurou que ficariam noivos esta noite.
DOM JOÃO: – Vamos indo para o banquete. (Saem Dom João e Borracho.)
CLÁUDIO:
– Fui Benedito para responder-lhe.
Mas foi Cláudio que ouviu a má notícia.
A amizade é leal em quase tudo,
menos no amor. Dom Pedro apaixonou-se…
O amante deve usar a própria língua,
sem se valer da língua de um agente.
Pois a beleza tem feitiços, filtros
que mudam o fiel em infiel.
Isso é fato comum, que eu esqueci
de prever. À minha Hero dou adeus!
(Benedito torna a entrar.)
BENEDITO: – És o Conde Cláudio?
CLÁUDIO: – Ele mesmo.
BENEDITO: – É bom que me acompanhes, pois o príncipe já conquistou tua Hero.
CLÁUDIO: – Desejo que seja feliz com ela.
BENEDITO: – Mas isso é modo de falar? Estás agindo como os cegos: alguém te rouba a comida e descarregas uma paulada no poste.
CLÁUDIO: – Já que não sais, saio eu. (Sai.)
BENEDITO: – Pobre ave ferida… Foi refugiar-se nalgum canto. E a senhorita Beatriz que me conhece tão bem e, ao mesmo tempo, tão mal! Chamou-me de bobo do príncipe. Será que mereço esse título por ser de gênio alegre? Mas hei de vingar-me como puder.
(Torna a entrar Dom Pedro.)
DOM PEDRO: – Sabes, por acaso, onde está o conde Cláudio?
BENEDITO: – Na verdade, milorde, acabo de encontrá-lo e de lhe comunicar que conseguiste agradar a jovem Hero. E ele reagiu como um colegial que, feliz por ter achado um passarinho, mostra-o a um colega que acaba ficando com ele.
DOM PEDRO: – Mas eu só queria ensinar o passarinho a cantar, para depois entregá-lo ao verdadeiro dono.
BENEDITO: – Se o passarinho cantar de acordo com o que dizes, então é porque falas honestamente.
DOM PEDRO: – Olha, a senhorita Beatriz tem contas a ajustar contigo; seu par na contradança disse que andas falando mal dela.
BENEDITO: – Ora! Eu é que suportei seus maus tratos com a paciência de uma pedra. Atirou-me tantos sarcasmos, que eu parecia estar servindo de alvo para um exército inteiro. Não me casaria com ela nem que ela trouxesse como dote tudo quanto Adão possuía antes do pecado. Não me fales mais dessa pessoa!
DOM PEDRO: – Só que ela vem chegando!
BENEDITO: – E não tens uma incumbência qualquer para mim? Mandar-me até os antípodas buscar-te um palito, ou trazer-te a medida do pé do Preste João?
DOM PEDRO: – Nenhuma, a não ser desejar-te boa companhia.
BENEDITO: – Oh, céus! Se há um prato que não suporto é a senhora Língua!
(Benedito sai. Tornam a entrar Cláudio, Beatriz, Hero e Leonato.)
DOM PEDRO: – Como estás vendo, senhorita, perdeste o coração do senhor Benedito.
BEATRIZ: – Bem, se o perdi, não faço a menor questão de achá-lo de novo. Mas, senhor, aqui te trago o conde Cláudio que me mandaste procurar.
DOM PEDRO: – Ora essa, conde, pareces doente! Por que estás tão triste?
CLÁUDIO: – Não estou triste nem doente, milorde.
BEATRIZ: – Nem alegre, nem com saúde. Está apenas polido como uma laranja amarela, cuja cor ele incorporou de tanto ciúme.
DOM PEDRO: – Mas é então uma suspeita que não tem a menor base. Vê, Cláudio, falei em teu nome com a linda Hero e consegui a mão dela para ti. O pai já deu o consentimento. Só falta marcares o dia do casamento. E que Deus te faça feliz!
LEONATO: – Conde, recebe minha filha e, junto com ela, minha fortuna. A graça celeste diz Amém a esta união.
BEATRIZ: – É tua deixa, Cláudio. Anda, fala!
CLÁUDIO: – O silêncio fala melhor que a própria fala. Minha felicidade seria pequena, se eu conseguisse dizer que é grande. Senhorita Hero, serei teu para sempre.
HERO: – Tu estás em meu coração.
BEATRIZ: – Oh, céus, um casamento! Primos, Deus vos conceda alegria.
LEONATO (a Beatriz): – Não vais cuidar do que combinamos?
BEATRIZ (despedindo-se): – Sim, meu tio. Com licença de todos. (Sai.)
DOM PEDRO: – Conde Cláudio, quando pensas em levar a noiva ao altar?
CLÁUDIO: – Amanhã, milorde.
LEONATO: – Não, meu caro, só dentro de sete dias, o que ainda é um prazo curto para a realização de nosso projeto.
DOM PEDRO: – O nosso é um trabalho de Hércules, que consiste em deixar o senhor Benedito e a senhorita Beatriz morrendo de amores um pelo outro. Desejo vê-los casados, e o conseguirei, se vós três seguirdes minhas indicações.
LEONATO: – Estou ao teu dispor, milorde.
CLÁUDIO: – Eu também.
HERO: – E eu farei o possível para ajudar minha prima a arranjar um bom marido.
DOM PEDRO: – Benedito é homem de valor comprovado e honestidade a toda a prova. Se conseguirmos que os dois se amem, Cupido pode aposentar seu arco, e seremos as novas divindades do amor! Vinde comigo, para ficardes sabendo do meu plano. (Saem.)
Cena 2
Outro quarto em casa de Leonato.
Dom João e Borracho.
DOM JOÃO (entra com Borracho): – É verdade, sim: o Conde Cláudio vai casar-se com Hero, a filha de Leonato.
BORRACHO: – Sim, milorde, mas eu posso impedir esse casamento.
DOM JOÃO: – Qualquer entrave, qualquer impedimento me servirá de refresco. Tudo o que contraria os anseios dele realiza os meus. Mas, de que jeito impedirás o casamento?
BORRACHO: – Milorde, os meios não serão lá muito honestos, mas prometo que tudo será feito às ocultas.
DOM JOÃO: – E como será isso?
BORRACHO: – Bem sabes que Margarida, a criada de quarto de Hero, gosta de mim, e posso fazer com que ela apareça na janela do quarto de sua ama a qualquer hora inconveniente da noite.
DOM JOÃO: – E o que pode resultar disso?
BORRACHO: – Depende de misturares na trama o teu veneno particular. Procura o príncipe teu irmão e não economizes palavras para demonstrar que ele se desonra promovendo o casamento de uma vadia do tipo de Hero com o famoso Cláudio – de cujas qualidades deves então falar.
DOM JOÃO: – E que provas posso apresentar?
BORRACHO: – Provas suficientes para enganar o príncipe, desesperar Cláudio, destruir Hero e acabar com Leonato. Queres mais ainda?
DOM JOÃO: – Pois então fala.
BORRACHO: – Muito bem. Chama Dom Pedro e o Conde Cláudio em particular e avisa que tens certeza de que Hero está apaixonada por mim. Confessa que só revelas isso pelo interesse que te desperta a honra de teu irmão. E então, no dia que combinarmos, leva os dois para me verem na janela do quarto de Hero, onde estarei com Margarida. Eu a chamarei de Hero, e ela me chamará de Borracho. Darei um jeito para que Hero esteja fora do quarto. O melhor dia seria a véspera do casamento. Mas tens de ser firme em tua acusação.
DOM JOÃO: – Pois vamos pôr em prática esse plano. Se te saíres bem, eu te darei mil ducados de recompensa. E vou agora mesmo indagar qual será o dia do casamento. (Saem.)
Cena 3
Jardim de Leonato.
Benedito, o pajem; Dom Pedro, Leonato, Cláudio, Baltasar e músicos; Beatriz.
Entra Benedito; depois, o pajem; um dos cupidos está sobre um pedestal.
BENEDITO: – Ei, garoto!
PAJEM (entrando): – Senhor?
BENEDITO: – Na janela do meu quarto há um livro. Vai pegá-lo e depois vem aqui.
PAJEM: – Mas, já estou aqui, senhor.
BENEDITO: – Isso eu estou vendo, mas quero que vás até lá e voltes com o livro. (Sai o pajem.) Não me conformo com o ridículo de Cláudio sob a influência do amor. Antes, ele podia andar dez milhas para apreciar uma boa armadura; agora é capaz de passar noites em claro pensando no feitio de um novo casaco. Antes falava com naturalidade; agora só usa expressões rebuscadas. O amor não vai fazer de mim um bobo dessa marca. Aquela mulher é bonita? Pouco estou ligando. Aquela outra é sábia? Que tenho eu com isso? A outra é virtuosa? Continuo passando muito bem sem ela. Mas, enquanto todas as graças não se reunirem numa mulher só, nenhuma cairá em minhas boas graças. Oh, aí vem o príncipe e o monsieur Amoroso. Vou tratar de me esconder. (Esconde-se)
(Entram Dom Pedro, Leonato e Cláudio, seguidos de Baltasar e músicos.)
DOM PEDRO (à parte, a Cláudio): – Não viste Benedito?
CLÁUDIO (à parte): – Vi, milorde. Logo ele receberá o que lhe cabe.
DOM PEDRO: – Vamos, Baltasar, repete aquela canção.
BALTASAR: – Oh, milorde, com minha voz roufenha
vou estragar a doce melodia.
DOM PEDRO: – É um sinal de grande habilidade
falares dos defeitos de teus dons.
Por favor, canta, antes que eu insista.
Vamos, entoa logo aquelas notas.
BALTASAR: – Antes de minhas notas, nota isto:
nenhuma nota é digna de nota.
DOM PEDRO: – Notável brincadeira! Vamos, canta! (Música.)
BENEDITO (escondido): – Lá vem a música! O cantor fica em êxtase. Como é que tripas de carneiro têm o poder de transportar as almas? Prefiro uma buzina de caçador.
BALTASAR (canta): “Donzela tão bela a chorar,
resguarda o coração.
Os homens são as ondas do mar,
que vêm e que logo se vão.
Não cantes modinha tão dolente,
os homens te querem ver contente.
transforma em riso o teu pranto;
assim ganharás mais encanto.”
DOM PEDRO: – Palavra de honra, a canção é excelente.
BALTASAR: – E o cantor, péssimo, milorde.
DOM PEDRO: – Ora, nem tanto! Antes um cantor assim do que nenhum.
BENEDITO (à parte): – Se meu cachorro tivesse ganido desse jeito, seria enforcado. Deus queira que essa voz horrível não seja prenúncio de desgraça. Prefiro uma coruja piando de noite, por mais calamidades que traga. (O cupido flecha Benedito.)
DOM PEDRO (depois de cochichar com Cláudio): – Baltasar, prepara-te para fazermos uma serenata amanhã à noite, debaixo da janela da jovem Hero.
BALTASAR: – Farei o possível, senhor.
DOM PEDRO: – Está bem. Podeis ir. (Despede Baltasar e os músicos, que saem.) – Leonato, andaste dizendo que tua sobrinha Beatriz está apaixonada por Benedito. Será possível?
CLÁUDIO (à parte a Dom Pedro): – Cuidado que a perdiz já pousou. (em voz alta) Pois eu nunca pensei que ela um dia amasse alguém.
LEONATO: – Nem eu. E logo Benedito, que ela parece detestar! Mas o fato é que ela o ama apaixonadamente, muito mais do que é possível imaginar.
BENEDITO (à parte): – Será possível?…
DOM PEDRO: – Ah, vai ver que está só fingindo.
CLÁUDIO: – Também acho.
LEONATO: – Fingindo? Então nunca jamais uma paixão fingida se pareceu tanto com uma verdadeira.
CLÁUDIO (à parte, a Dom Pedro): – Põe boa isca no anzol que o peixe já vai morder.
DOM PEDRO: – Pois eu sempre pensei que o coração dessa moça era à prova de amor.
LEONATO: – Eu também, principalmente de amor por Benedito.
BENEDITO (à parte): – Se a notícia não partisse da boca desse barba branca, eu poderia achar que é tudo uma armadilha. Mas é impossível que a mentira tenha um aspecto tão respeitável.
CLÁUDIO (à parte): – Nosso homem já está contaminado. Continua, continua!
DOM PEDRO: – E ela já confessou seus sentimentos a Benedito?
LEONATO: – Não! E jura que jamais o fará. Principalmente depois de ter zombado dele tantas vezes, foi o que ela disse à minha filha Hero.
CLÁUDIO: – Hero também me disse que ela fica de joelhos, chora, arrepia os cabelos, reza e diz: “Oh, meu querido Benedito! Que Deus me dê paciência!”
LEONATO: – Hero receia que ela faça alguma loucura contra si própria.
DOM PEDRO: – Então, seria bom que alguém informasse Benedito.
CLÁUDIO: – Para quê? Ele faria disso motivo de caçoada, aumentando o sofrimento da moça.
LEONATO: – Tenho muita pena dela, pois além de ser seu tio, sou seu tutor.
DOM PEDRO: – Por favor, antes que ela ponha fim à vida, que um de vós informe Benedito. Ele é de gênio brincalhão e caçoísta mas…
CLÁUDIO (interrompendo): – É um rapaz correto. E bastante inteligente.
LEONATO: – Além de ser um homem muito valente.
DOM PEDRO (à parte): – Vamos armar a mesma rede para ela, com ajuda de sua camareira e de Hero.
LEONATO: – Vinde comigo, que o jantar está pronto.
BENEDITO (avançando): – A conversa era séria demais para ser brincadeira. Nunca pensei em me casar… Contudo, ela é bonita e virtuosa. E é inteligente, a não ser pelo fato de me dedicar amor. Pode ser que eu tenha sido caçoísta e sarcástico, mas os gostos não mudam quando a pessoa cresce? Beatriz vem vindo. É, de fato, uma criatura admirável! Percebo nela alguns sintomas de amor…
BEATRIZ (entrando): – Contra minha vontade, fui incumbida de te chamar para jantar.
BENEDITO: – Muito obrigado, formosa Beatriz, pelo trabalho que tiveste.
BEATRIZ: – Não foi trabalho, por isso não mereço agradecimentos. Se fosse trabalho, eu não o aceitaria.
BENEDITO: – Então, tiveste prazer em vir chamar-me?
BEATRIZ: – Tanto quanto terias em espetar um pássaro com um punhal. Mas, se estás sem apetite, até logo! (Ela sai.)
BENEDITO: – Quantas frases ambíguas, mas pode-se sentir alguma coisa nelas: “Não foi trabalho… Não mereço agradecimentos…” Oh, se eu não me compadecer dessa moça, sou um mau caráter; se não a amar, sou um bandido. Vou procurar um retrato dela. (Sai.)
TERCEIRO ATO
Cena 1
Jardim de Leonato.
Hero, Margarida, Úrsula; Beatriz.
Entram Hero, Margarida e Úrsula.
HERO: – Margarida, vai já até a sala
onde se encontra a prima Beatriz
conversando com o príncipe e com Cláudio.
Sussurra em seu ouvido que eu e Úrsula
estamos no jardim falando dela,
e que tu nos ouviste por acaso.
Depois, sugere a ela que se esconda
sob o caramanchão, para escutar
o que dizemos dela. Vai depressa!
MARGARIDA: – Já vou indo! E mando Beatriz! (Sai.)
HERO: – Úrsula, assim que Beatriz chegar,
nós só vamos falar de Benedito.
E, sempre que eu disser o nome dele,
trata de elogiá-lo o mais possível.
E eu vou falar apenas da paixão
que Benedito tem por Beatriz.
É assim que Cupido atira as setas. ( Beatriz chega e se esconde.)
(à parte) Beatriz veio. Eu começo (em voz alta): – Benedito
é altivo porém se esquiva sempre.
Eu o conheço.
ÚRSULA: – E tens mesmo certeza
de que ele ama tanto Beatriz?
HERO: – O príncipe e meu noivo confirmaram
e pediram que eu avisasse a ela.
Mas respondi que não, que Benedito
deve arrancar essa paixão do peito,
sem deixar Beatriz saber do caso.
ÚRSULA: – Eu não concordo. É homem de caráter
e bem merecedor de Beatriz.
HERO: – Acho que ele merece melhor sorte.
Não Beatriz, que sempre o menospreza,
cheia de orgulho e de desdém nos olhos.
Não sabe amar e nem sentir carinho.
Para ela, só ela tem valor.
ÚRSULA: – Nesse caso, não lhe diremos nada,
senão o assunto vira caçoada.
HERO: – É até preferível que ele morra
dessa paixão, do que de seu sarcasmo.
Sendo preciso, até serei capaz
de inventar uma calúnia honesta
para manchar a prima Beatriz.
Ninguém sabe a potência venenosa
de uma palavra má num peito amante.
ÚRSULA: – Ah, não faças tal coisa à tua prima!
Ela é inteligente e não irá
recusar a tal ponto um cavalheiro
tão raro e fino como Benedito.
HERO: – Não há homem igual em toda a Itália,
com exceção do meu querido Cláudio.
ÚRSULA: – Não te ofendas, senhora, por favor.
Mas ele é bem melhor que os outros todos,
em figura, em espírito e coragem.
HERO: – Vamos Úrsula, quero te mostrar
meu vestido de noiva e uns enfeites,
para que digas como devo usá-los. (Saem Hero e Úrsula.)
BEATRIZ (saindo do esconderijo):
– Então sou orgulhosa e desdenhosa?
Vejo agora que nisso não há glória.
Então, desdém, adeus! Adeus, orgulho!
Benedito, tu tens amor por mim?
Amansa então meu pobre coração…
Todos dizem que és digno; eu também juro
que neste peito mora o amor mais puro. (Sai.)
Cena 2
Sala em casa de Leonato.
Dom Pedro, Cláudio, Benedito, Leonato; Dom João.
Entram Dom Pedro, Cláudio, Benedito e Leonato. Mais tarde, Dom João.
DOM PEDRO: – Só fico até o teu casamento; depois vou para Aragão.
CLÁUDIO: – Vou contigo, milorde, se me deres licença.
DOM PEDRO: – Absolutamente, Cláudio. Estarás recém-casado, homem! Só me atrevo a pedir a companhia de Benedito, por ser ele espirituoso da cabeça aos pés. Tem o coração sadio como um sino, e a língua lhe serve de badalo para externar o que o coração sente.
BENEDITO: – Já não sou o mesmo de antes, meus amigos.
LEONATO: – Também acho. Ultimamente pareces um pouco triste.
CLÁUDIO: – Talvez apaixonado…
DOM PEDRO: – Que nada! Se está triste é por falta de dinheiro.
BENEDITO: – É o dente que dói.
CLÁUDIO: – Pois arranca o dente!
DOM PEDRO: – Como? Estás suspirando por causa de uma dor de dente?
BENEDITO: – Todo mundo é capaz de dominar uma dor, menos quem a está sentindo.
CLÁUDIO: – Está mesmo apaixonado!
DOM PEDRO: – Não sei… Não se nota nele nenhuma extravagância… a não ser se vestir à estrangeira, por exemplo, francês hoje, holandês ontem, quando não se veste de alemão da cintura para baixo e de espanhol da cintura para cima.
CLÁUDIO: – Está apaixonado! E por uma que o ama apesar de conhecer todos os seus defeitos.
BENEDITO: – Nada disso me cura a dor de dente. (a Leonato) – Venerando senhor, convido-te para darmos uma volta. Tenho uma coisa para te dizer, que esse cabeça-oca e mais o outro não podem ouvir. (Saem Benedito e Leonato.)
DOM PEDRO: – Aposto como vai falar de Beatriz.
CLÁUDIO: – Nem se discute. E, a esta hora, Hero e Margarida já representaram seus papéis junto de Beatriz; isso evitará que as duas feras se mordam ao se encontrarem.
DOM JOÃO (entrando): – Deus te guarde, meu irmão e senhor. Preciso falar contigo.
DOM PEDRO: – Bom dia, João. É particular a conversa?
DOM JOÃO: – Sim, mas o conde Cláudio pode ouvir, pois o que vou dizer tem a ver com ele. Pretendes casar-te amanhã, Cláudio?
CLÁUDIO: – Tu sabes que sim.
DOM JOÃO: – Não, se souberes o que sei.
DOM PEDRO: – Como assim? Que queres dizer com isso?
DOM JOÃO: – O que já corre por aí. A noiva é infiel.
CLÁUDIO: – Quem? Hero? Infiel?
DOM JOÃO: – Ela mesma: a Hero de Leonato, a tua querida Hero, a Hero de todo mundo. Vinde os dois comigo esta noite que vou mostrar como a janela de seu quarto vai ser escalada na véspera do casamento.
CLÁUDIO: – Se for verdade, não me caso e vou humilhá-la na frente de todos.
DOM PEDRO: – E eu te ajudarei. Oh, dia tristemente terminado!
CLÁUDIO: – Que desgraça imprevista!
DOM JOÃO: – Oh, peste evitada a tempo! É o que ambos direis logo mais à noite.
(Saem.)
Cena 3
Uma rua.
Dogberry, Verges, guarda Hugo, guarda Jorge; Borracho e Conrado.
Entram Dogberry e Verges com os guardas Hugo e Jorge. Depois, Borracho e Conrado.
DOGBERRY: – Estes homens são de confiança, Verges?
VERGES: – Sim, dá-lhes tuas ordens, amigo Dogberry.
DOGBERRY: – Então comecemos. Qual de vós é o mais desincapaz para o cargo de condestável?
GUARDA JORGE: – Hugo, senhor, ou eu, que sou Jorge, porque sabemos ler e escrever.
DOGBERRY: – Vem aqui, guarda Hugo. Considero-te o indivíduo mais insensato e adequado para o posto de condestável da guarda. Tuas instruções consistem em comprenderes todos os vagabundos que encontrares, dando-lhes ordem de parar.
GUARDA HUGO: – E se algum se recusar?
DOGBERRY: – Deixa-o em paz e dá graças a Deus de te livrares de um patife.
VERGES: – Quem não obedece à ordem de parar não é súdito do príncipe.
DOGBERRY: – Certíssimo! E, como os homens da guarda só têm obrigações com os súditos do príncipe… Agora! Nada de conversa nas ruas. Guardas conversando é a coisa mais tolerável que não se pode suportar.
GUARDA JORGE: – Preferimos dormir a conversar. Sabemos muito bem qual a obrigação dos guardas.
DOGBERRY: – Perfeitamente, és um guarda pacato. Podeis dormir, contanto que não vos roubem as varas. E se virdes algum ladrão, quanto menos falardes com ele, melhor para vossa honestidade.
GUARDA HUGO: – E devemos prendê-lo?
DOGBERRY: – Sem dúvida, mas sou de opinião que quem pega em piche fica sujo. O melhor é privar o ladrão de vossa companhia.
VERGES: – Isso é verdade.
DOGBERRY: – Terminei as instruções. Condestável Hugo, tu representas o príncipe. Se o encontrares podes detê-lo.
VERGES: – Não, por Nossa Senhora! Isso ele não pode fazer!
DOGBERRY: – Sim! Qualquer pessoa que conheça os estatúpidos de nossa constipação sabe que se pode detê-lo, mas só se ele quiser, para não ofendê-lo. Agora, boa noite. Se houver qualquer horrorência grave, podeis chamar-me. Ah, e vigiai a casa do senhor Leonato, porque o casamento é amanhã. Muita vigilância!
(Saem Dogberry e Verges.)
GUARDA JORGE: – Ouviste o que nos compete fazer? Vamos sentar no banco da igreja até as duas horas e depois vamos para a cama.
(Entram Borracho e Conrado.)
GUARDA HUGO (à parte para Jorge): – Fica quieto. Quem serão esses?
CONRADO: – Então, Borracho, qual será a patifaria de hoje?
GUARDA JORGE (à parte): – Alguma traição, guarda Hugo. Silêncio!
BORRACHO: – Recebi mil ducados de Dom João.
CONRADO: – Será possível que um bandido custe tão caro?
BORRACHO: – Quando um bandido rico precisa de um bandido pobre, a gente impõe o preço que bem entende.
CONRADO: – Que moda é essa agora? Não entendi.
BORRACHO: – Ora essa! Não sabes que bandido rico é um ladrão deformado?
GUARDA HUGO (à parte): – Conheço esse tal Deformado. É um vil ladrão e anda por aí como um cavalheiro há sete anos.
BORRACHO: – Não ouviste alguém falar?
CONRADO: Não; é o catavento daquela casa. Mas, por que te desviaste do assunto?
BORRACHO: – Pois por conta dos mil ducados, namorei Margarida, criada da senhora Hero, e a chamei de Hero. Cláudio e Dom Pedro, influenciados pelo meu senhor Dom João, que sabia da tramóia, ouviram de longe. E Cláudio foi embora fora de si, jurando envergonhar a noiva diante do altar.
GUARDA HUGO: – Nós vos detemos em nome do príncipe. Jorge, vai chamar o mestre Goldberry. Acabamos de recobrir o mais perigoso exemplo de libertinagem que jamais se viu.
GUARDA JORGE: – E um tal Deformado faz parte do bando. Haveis de nos trazer esse Deformado, eu vos asseguro.
CONRADO: – Guarda!
GUARDA HUGO: – Basta de conversa! Ficai sabendo que nós vos obedecemos para irdes conosco.
BORRACHO: – Sob o amparo dessas varas, é bom irmos, mesmo. (Saem todos.)
Cena 4
Quarto em casa de Leonato.
Hero, Margarida, Úrsula; Beatriz.
Entram Hero, Margarida e Úrsula. depois, Beatriz.
HERO: – Úrsula, vai acordar a prima Beatriz e pede-lhe que venha até aqui.
ÚRSULA: – Pois não, senhora. (sai)
MARGARIDA: – O vestido de noiva da duquesa de Milão, comparado com o teu, não passa de uma camisola de dormir, senhora.
HERO: – Que Deus me dê alegria para vesti-lo, pois sinto um peso inexplicável no coração.
BEATRIZ (entrando e falando desanimada): – Bom dia, Hero.
HERO: – Que é isso? Por que falas com esse tom dolente?
BEATRIZ: – Não é dolente, mas sim doente. É como me sinto. Mas já é hora de te preparares, prima.
MARGARIDA: – Se estás doente, põe no coração um pouco de tintura de Espinhus Benedictus.
BEATRIZ: – Benedictus! Por que Benedictus?
MARGARIDA: – Falei apenas do cardo santo, senhora. Não falo de ti, nem de Benedito, que, aliás, está muito mudado, muito melancólico. Tal como tu.
ÚRSULA (voltando): – Apronta-te, senhora. O príncipe, o conde, o senhor Benedito, Dom João e todos os cavalheiros da cidade vieram buscar-te para te levar à igreja.
HERO: – Então, minhas queridas, ajudai-me a me vestir. (Saem.)
Cena 5
Outro aposento em casa de Leonato.
Leonato, Dogberry, Verges; o Mensageiro.
Entra Leonato com Dogberry e Verges. Depois, o mensageiro.
DOGBERRY (a Leonato): – Senhor, queria ter uma palavra contigo, que te estoca de perto.
VERGES: – É isso mesmo, senhor. És tão bom, ouço tão boas reclamações a teu respeito, que nós te devemos estas palavras.
LEONATO: – Então, sede breves, que tenho muito que fazer.
VERGES: – É que nossos guardas, esta noite, prenderam um par de consumados velhacos.
DOGBERRY: – Deixa-me explicar melhor, Verges. É que nossos guardas comprenderam hoje duas pessoas auspiciosas, e eu gostaria que fossem examinadas por Vossa Senhoria.
LEONATO: – Fazei vós esse exame e trazei-me o relatório. Tenho muita pressa.
DOGBERRY: – Sim, meu senhor.
MENSAGEIRO (entrando): – Milorde, estão à tua espera para levardes tua filha ao noivo.
LEONATO: – Pois então vamos! (Saem Leonato e o mensageiro.)
DOGBERRY: – Verges, manda o escrivão ir à cadeia com pena e tinta. Teremos de examinar aqueles indivíduos.
VERGES: – E com sabedoria.
DOGBERRY: – Inteligência é o que não nos falta (indica a testa). Chama um escrivão que saiba escrever nossa excomunicação! (Saem.)
QUARTO ATO
Cena 1
Interior de uma igreja.
Frei Francisco, Cláudio, Leonato, Hero, Monge, Dom Pedro, Dom João, Benedito, Beatriz e convidados.
Entram todos.
FREI FRANCISCO: – Minha jovem, vieste aqui para te casares com o conde Cláudio?
HERO: – Sim.
MONGE: – Se algum dos presentes souber de qualquer impedimento para a realização este casamento, que fale agora ou se cale para sempre.
CLÁUDIO: – Bom frei Francisco, espera. Com licença.
– É de boa vontade, Leonato,
que me dás tua filha em casamento?
LEONATO: – Sim, meu filho.
CLÁUDIO: – E o que posso eu
dar-te de volta como recompensa?
DOM PEDRO: – Nada, a não ser lhe dar de novo a filha.
CLÁUDIO: – Sim, seria uma nobre recompensa.
Leonato, eu te devolvo a filha.
Ela aparenta ser jovem honrada,
porém por dentro é uma laranja podre.
E, se agora seu rosto está corado,
não é por inocência e sim por culpa.
LEONATO: – Que pretendes, senhor?
CLÁUDIO: – Não mais casar-me,
não desposar uma vadia imunda.
HERO: – O meu senhor acaso está doente,
para falar assim?
LEONATO: – E tu, Dom Pedro,
ouves tão grande ofensa à minha filha
e nada dizes?
DOM PEDRO: – Que direi, senhor?
Sinto-me desonrado por ter tido
desejo de casar meu grande amigo
com uma jovem sem honra.
LEONATO: – Será sonho
ou realidade isto que estou ouvindo?
DOM JOÃO: – São palavras que exprimem a verdade.
BENEDITO: – Nada disso parece casamento.
CLÁUDIO: – Leonato, farei uma pergunta
à tua filha, e que ela me responda!
LEONATO: – Responde, filha, é como pai que ordeno!
CLÁUDIO: – Com que homem falaste da janela
de teu quarto ao soar a meia-noite?
HERO: – Não falei com ninguém a essa hora.
DOM PEDRO: – Sinto muito, Leonato, mas eu mesmo,
e meu irmão e o pobre conde Cláudio,
vimos que ela falava com um devasso,
um miserável sem nenhum escrúpulo,
que confessou encontros vergonhosos
que os dois secretamente já tiveram.
DOM JOÃO: – Sentimos muito, linda senhorita,
e lamentamos teus desregramentos.
CLÁUDIO: – Ó Hero, Hero! Adeus, medonha e bela!
Adeus pura impiedade, ímpia pureza.
Por tua causa, fecho para sempre
as portas que o amor abriu em mim!
LEONATO: – Ninguém tem um punhal para ferir-me? (Hero desmaia.)
BEATRIZ: – Hero! Socorro, frei Francisco! Tio!
ó senhor Benedito, acode aqui!
LEONATO: – Não retires, destino, a mão pesada
de cima dela. A morte é o véu mais belo
que se pode almejar em tal vergonha.
BEATRIZ: – Prima! Prima!
FREI FRANCISCO: – Coragem, senhorita.
(Saem Dom Pedro, Dom João e Cláudio.)
LEONATO: – A minha própria filha idolatrada,
foi num poço de lama que caiu!
Nem mesmo o mar teria tantas gotas
que pudessem lavá-la dessa infâmia!
BENEDITO: – Acalma-te, senhor. De minha parte,
nem sei o que dizer. Estou perplexo.
BEATRIZ: – Minha prima está sendo caluniada,
pois foi no mesmo quarto que dormimos.
E nada aconteceu do que disseram.
LEONATO: – Não iriam mentir esses dois príncipes,
e nem Cláudio iria caluniá-la.
É bem melhor que morra…
FREI FRANCISCO: – Um momento.
Meu sagrado serviço e a experiência
disseram que a donzela está sem culpa,
vítima de algum erro clamoroso.
E os três senhores foram certamente
vítimas de um equívoco.
BENEDITO: – Dois deles
são a honra em pessoa. Se há maldade,
será encontrada no bastardo João
que só se ocupa de vinganças vis.
FREI FRANCISCO: – Está abrindo os olhos… Senhorita,
responde: qual o nome desse homem
com quem disseram que tu conversaste?
HERO: – Os meus acusadores o conhecem,
mas eu, não. Oh, se alguém der uma prova
de que eu troquei palavras com tal homem,
que eu seja rejeitada por meu pai
e morra sem perdão!
FREI FRANCISCO: – Parai, vós todos!
Os príncipes deixaram esta jovem
como morta. Em segredo a esconderemos,
e que se espalhe que morreu de fato.
A morte vai gerar a compaixão
e quem sabe revela-se a verdade.
LEONATO: – No mar de desventura em que me encontro,
vou deixar-me levar por essa idéia.
(Saem frei Francisco, Hero e Leonato.)
BENEDITO: – Senhora Beatriz, não chores… Estou convencido de que tua prima foi vítima de calúnia.
BEATRIZ: – Oh, como subiria em meu conceito quem pudesse reabilitá-la… Mas não serias tu.
BENEDITO: – Por que não? Eu te amo mais que tudo no mundo. Não é estranho isso?
BEATRIZ: – Eu também poderia dizer que te amo mais que tudo no mundo. Mas é bom não acreditares, embora eu não esteja mentindo.
BENEDITO: – Pois eu protesto que te amo!
BEATRIZ: – Deus que me perdoe! Eu estava a ponto de protestar que te amo!
BENEDITO: – Manda-me fazer qualquer coisa por ti!
BEATRIZ: – Penso na pobre Hero, caluniada, perdida. Conversar da janela com um homem. Que história bem arranjada. Príncipes e condes, realmente! Ah, se eu fosse homem…
BENEDITO: – Calma, Beatriz. Comprometo-me a desvendar esse mistério. Cláudio terá de me prestar contas. Pensa em mim e vai consolar tua prima. Espalharei que ela morreu. Adeus, meu amor.
BEATRIZ: – Adeus e boa sorte! (Saem.)
Cena 2
Uma prisão.
Dogberry, Verges, o escrivão; guardas Hugo e Jorge, Borracho e Conrado.
Entram Dogberry, Verges e o escrivão, paramentados; depois os guardas, com Borracho e Conrado.
DOGBERRY: – Está reunida toda a desassembléia?
VERGES: – Aqui está a cadeira para o escrivão!
ESCRIVÃO: – Quais são os malfeitores?
DOGBERRY: – Ora essa! Eu e meu companheiro.
ESCRIVÃO: – Mas quais são os ofensores que vão ser examinados?
DOGBERRY: – Ora, é mesmo! Guardas, trazei-os!
(Os guardas Hugo e Jorge se adiantam com Borracho e Conrado.)
GUARDA HUGO: – Aqui estão eles: Borracho e Conrado.
DOGBERRY: – Escreve aí, escrivão: Borracho e Conrado.
ESCRIVÃO: – Senhor, para examiná-los, é preciso primeiro ouvir o que dizem os guardas que os acusam.
DOGBERRY: – É mesmo. Esse é o caminho mais acertábico. Guardas, acusai estes homens!
GUARDA JORGE: – Senhor, este sujeito disse que Dom João, o irmão do príncipe, é um vilão.
VERGES: – Que perjúrio, santo Deus!
GUARDA HUGO: – E que recebeu de Dom João mil ducados para acusar falsamente a senhorita Hero.
DOGBERRY: – Vilão! Por causa disso serás condenado à redenção eterna.
ESCRIVÃO: – Que mais?
GUARDA JORGE: – É tudo.
ESCRIVÃO: – Isso é mais do que podeis negar. O príncipe João partiu esta manhã, secretamente; Hero foi caluniada e morreu de tristeza. Senhores, mandai amarrar estes homens e levá-los à presença de Leonato. Vou na frente para lhe mostrar o interrogatório. (Ele sai.)
DOGBERRY: – Muito bem, vamos algemizá-los.
CONRADO: – Para trás, idiota!
DOGBERRY: – Idiota? Sou um oficial de justiça, um homem que conhece as leis, estás entendendo? Uma pessoa de posses, que possui duas roupas e outras coisas mais. Oh! Levai-os logo!
(Saem todos.)
QUINTO ATO
Cena 1
Diante da casa de Leonato.
Antônio, Leonato; Dom Pedro, Cláudio; Benedito; Dogberry, Verges, guardas Jorge e Hugo, Conrado, Borracho, o escrivão.
Entram Leonato e Antônio; depois, Dom Pedro e Cláudio; depois, Benedito; depois, Dogberry e Verges e os guardas com Borracho e Conrado; o escrivão.
ANTÔNIO: – Se continuares sempre desse modo,
acabarás morrendo de tristeza.
LEONATO: – Pára de dar conselhos, meu irmão!
Não adianta falar de paciência
para quem sofre, pois minha desgraça
grita mais alto que teu fraseado.
ANTÔNIO: – Não és criança. Porta-te como homem!
LEONATO: – Deixa-me em paz. Eu sou de carne e osso.
Quem filosofa a caçoar das dores
não suporta nem mesmo dor de dente.
ANTÔNIO: – Ao menos não carregues todo o fardo;
deixa que os ofensores também sofram.
LEONATO: – Tens razão; pois o coração me diz
que minha Hero foi caluniada.
Cláudio e Dom Pedro hão de saber disso,
e aqueles que tramaram tal infâmia.
(Entram Dom Pedro e Cláudio.)
ANTÔNIO: – Olha Dom Pedro e Cláudio. Vêm com pressa.
DOM PEDRO: – Bom dia para os dois.
CLÁUDIO: – Bom dia a todos.
LEONATO: – Escutai-me, senhores!
DOM PEDRO: – Temos pressa.
LEONATO: – Tu agora tens pressa? Muito bem.
CLÁUDIO: – Ah, meu bom velho, não nos queiras mal.
Quem te ofendeu?
LEONATO: – Caluniador! Tu mesmo!
Não, não saques da espada. Não me assustas.
CLÁUDIO: – Maldita seja a minha mão se ousar
assustar esses teus cabelos brancos.
LEONATO: – Silêncio! Não caçoes dos meus anos.
Já que caluniaste uma inocente,
quero desafiar-te como homem.
Sei que és jovem e sei que és bom na esgrima.
Minha filha morreu por tua causa.
Pelo menos agora mata um homem!
ANTÔNIO: – A mim, também, garoto! Eu me defendo
de teus botes com boas chicotadas.
Caçoísta! Moleque falador,
que mente e calunia sem razão.
DOM PEDRO: – Nada disso, senhores. Foi penoso
saber que Hero já não vive mais.
Mas tudo que foi dito foi provado.
LEONATO: – Irmão, vamos embora por enquanto.
Eles hão de me ouvir em outra hora.
(Saem Leonato e Antônio. Entra Benedito.)
BENEDITO: – Bom-dia, príncipe.
DOM PEDRO: – Bom dia. Chegaste quase a tempo de apartar uma briga.
CLÁUDIO: – Quase ficávamos de narizes cortados por dois velhos: Leonato e o irmão.
BENEDITO: – Vim falar contigo, Cláudio.
DOM PEDRO: – Esse rapaz está muito pálido. Estás doente ou aborrecido?
CLÁUDIO: – Coragem, homem, que é isso?
BENEDITO: – Não estou para brincadeiras. (à parte, a Cláudio): – És um crápula. Mataste covardemente uma menina adorável, mas essa morte vai custar-te caro. Fico à espera de tua resposta.
CLÁUDIO: – Pois não. Irei ao local combinado, para me divertir.
DOM PEDRO: – Alguma festa?
CLÁUDIO: – Isso mesmo. Com vitelo e galinhola.
BENEDITO: – Passai bem. Vou deixar-vos com vossas pilhérias de fanfarrões. Senhor Dom Pedro, teu irmão fugiu de Messina. Ambos matastes uma donzela inocente, mas ainda havemos de nos encontrar. Até lá, ficai em paz. (Sai.)
DOM PEDRO: – Ele desafiou-te?
CLÁUDIO: – Com todas as regras. O homem está zangado mesmo, e acho que é por causa de Beatriz.
DOM PEDRO: – Agora quem está aflito sou eu, pois ele disse que meu irmão fugiu.
(Entram Dogberry, Verges e os guardas, com Conrado e Borracho.)
DOM PEDRO: – Que foi que houve? Presos dois servidores de meu irmão? E um deles é Borracho?
CLÁUDIO: – Procurai saber o que eles fizeram, milorde.
DOM PEDRO: – Oficiais, que crime estes homens cometeram?
DOGBERRY: – Cometeram notícias falsas, senhor. Além disso, disseram inverdades e são caluniadores. Sexto e último, difamaram uma senhorita; terceiramente, para concluir, são sujeitos mentirosos.
CLÁUDIO: – Isso é que se chama dar boa forma ao pensamento.
DOM PEDRO: – Qual foi vosso crime, homens? Falai vós mesmos, por Deus!
BORRACHO: – Caro príncipe, vou confessar, e que o conde me mate depois. Enganei-vos debaixo dos vossos olhos. Teu irmão Dom João me pagou regiamente para caluniar a senhorita Hero e vos levou ao jardim, para que vós dois me vissem namorar Margarida vestida com roupas de Hero. E tu, senhor Cláudio, desonraste a noiva na hora do casamento. A senhorita faleceu em conseqüência de tudo, e eu prefiro selar minha vilania com a morte. Que o crápula também pague por isso.
DOM PEDRO: – Ai, Cláudio, essas palavras não te queimam?
CLÁUDIO: – São como ferro em brasa no meu peito,
como beber veneno, e teu irmão…
DOM PEDRO: – Ele é composto só de traição!
Fugiu depois de feita a vilania!
CLÁUDIO: – Ó Hero, tua imagem me ressurge
com o resplendor que eu tanto idolatrava.
DOGBERRY: – Nosso escrivão já reformou o senhor Leonato de tudo o que houve.
VERGES: – Ele vem chegando com o escrivão.
(Tornam a entrar Leonato e Antônio com o escrivão.)
LEONATO: – Onde está o canalha? Quero vê-lo!
BORRACHO: – Sou eu o ofensor.
LEONATO: – O miserável
que fez com que eu perdesse minha filha?
BORRACHO: – Justamente. Eu sozinho.
LEONATO: – Estás mentindo
contra ti mesmo, pois o teu mandante
fugiu e é tão culpado ou mais ainda.
E estes dois homens dignos presentes,
também levam a culpa dessa morte.
CLÁUDIO: – Senhor, dá-me o castigo que julgares
adequado ao meu crime, embora eu tenha
sido levado a ele por engano.
DOM PEDRO: – O mesmo afirmo eu.
LEONATO: – Pois peço a ambos
que digam hoje ao povo de Messina
que minha filha nunca foi culpada.
E amanhã vinde os dois à minha casa.
Já que Cláudio não pode ser meu genro,
há de ser meu sobrinho. Pois Antônio
tem uma filha que é a própria imagem
de minha Hero. E seja realizada
assim minha vingança.
CLÁUDIO: – Bom senhor,
aceito essa vingança generosa.
Podes dispor de mim à tua vontade.
LEONATO (pagando a Dogberry): – Aqui tens pelo teu trabalho.
DOGBERRY: – Vossa Senhoria é um jovem respeitoso. Deus salve a fundação! Dou-te humildemente licença para sair e, se me for permitido desejar um alegre encontro, que Deus o proíba. Vamos, vizinho. (Sai com Verges.)
LEONATO (aos guardas): – Levai os dois, depois vinde informar-me
qual o papel que teve Margarida.
(Saem os guardas com Borracho e Conrado.)
LEONATO: – Até amanhã, milordes; passai bem.
ANTÔNIO: – Adeus, milordes. Nós vos esperamos.
DOM PEDRO: – Não faltaremos, podeis crer. (Saem Leonato e Antônio.)
CLÁUDIO: – À noite,
vou chorar sobre o túmulo de Hero. (Saem Dom Pedro e Cláudio.)
Cena 2
Jardim de Leonato.
Benedito, Margarida; Beatriz; Úrsula.
Entram Benedito e Margarida por lugares diferentes; depois, Beatriz; depois Úrsula.
BENEDITO: – Por favor, linda Margarida, ajuda-me a falar com Beatriz!
MARGARIDA: – Escreverás depois um soneto em louvor de minha beleza?
BENEDITO: – Sim, sim, mas vai chamar agora Beatriz, depressa!
MARGARIDA: – Estou indo! Mas não te esqueças do meu soneto! (Ela sai.)
BENEDITO: – “O deus do amor,
que no alto mora,
muito bem sabe, muito bem sabe
quanto sou fraco…”
isto é, no canto; porque, no que diz respeito ao amor, nenhum herói se viu revirado pelo amor, em todos os sentidos, como o meu pobre eu. O pior é que não posso demonstrá-lo por meio de rimas; já experimentei, mas não deu certo. Não achei rima para “senhorita” a não ser “cabrita”, o que não convém. Para “adorno” só achei “corno”, o que é pior ainda; e para “beleza” só me vem “mesa”, uma rima muito dura. Não; decididamente não nasci sob a influência de um planeta rimador, nem sou capaz de fazer uma declaração com fraseado que tenha cara de domingo. (Entra Beatriz.) – Doce Beatriz, atendeste então ao meu chamado?
BEATRIZ: – Sim senhor; e vou embora quando mandares. Mas, antes queria saber o que disseste afinal a Cláudio.
BENEDITO: – Só palavras azedas; por isso quero dar-te um beijo, para adoçar-me…
BEATRIZ: – Palavras azedas não passam de sopro azedo, de hálito azedo; por isso dispenso o beijo e vou embora.
BENEDITO: – Espera! Cláudio aceitou meu desafio. Logo receberei notícias dele ou o chamarei de covarde. Agora, responde, por favor, por qual das minhas más qualidades te apaixonaste primeiro?
BEATRIZ: – Por todas elas reunidas, que formam um tão perfeito conjunto de defeitos, que nada de bom cabe dentro. E tu? Qual das minhas boas qualidades te obrigou a suportar o amor para comigo?
BENEDITO: – Bonita expressão: suportar o amor. De fato, suporto o amor, já que te amo contra a minha vontade.
BEATRIZ: – Contra a vontade do próprio coração? Coitado dele!
BENEDITO: – Tu e eu somos sábios demais para estarmos sempre em paz. E agora conta: como passa tua prima?
BEATRIZ: – Muito mal, e eu também.
BENEDITO: – Ama-me, que isso se corrige. Mas, olha, vem vindo alguém com muita pressa!
ÚRSULA (entrando): – Senhorita, precisas sossegar teu tio! A casa está numa confusão medonha! Ficou provado que a senhorita Hero foi falsamente acusada, e que o príncipe e Cláudio foram enganados em sua boa fé. O autor de tudo foi Dom João, que fugiu e desapareceu. Vais logo?
BEATRIZ: – Sim! (para Benedito): – Não queres ouvir as novidades, senhor?
BENEDITO: – Quero viver em teu coração, morrer nesses lábios e ser sepultado em teus olhos. Além disso, vou contigo à casa de teu tio. (Saem todos.)
Cena 3
Interior de uma igreja.
Dom Pedro, Cláudio, séqüito de nobres.
Entram Dom Pedro, Cláudio e séquito.
CLÁUDIO: – É esta a sepultura de Hero?
UM NOBRE: – Sim, milorde.
CLÁUDIO (lê um pergaminho):
“Pela maldade de uma cilada,
ó minha Hero, foste morrer.
Que essa calúnia seja apagada
para livrar-te de teu sofrer.
Que viva sempre tua memória,
com brilho eterno e eterna glória.
Sobre o sepulcro não digo tudo.
A dor é tanta, me deixa mudo.”
TODOS (cantam o hino fúnebre):
“Foi por demais dolorida
tua passagem na vida.
Donzela, em teu louvor,
choramos a grande dor.
Que Deus te dê o descanso
e o prêmio da pureza.
E que a noite, em seu remanso,
acalme nossa tristeza.”
CLÁUDIO: – A ti, adeus; meu triste coração
virá sempre implorar o teu perdão.
DOM PEDRO: – A todos agradeço. Adeus, senhores.
Já terminou o fúnebre aparato.
CLÁUDIO: – Devemos ir à casa de Leonato. (Saem todos.)
Cena 4
Aposento em casa de Leonato.
Leonato, frei Francisco, Antônio, Benedito, Hero, Beatriz, Margarida, Úrsula; Dom Pedro, Cláudio, séqüito de nobres; o mensageiro; os dois cupidos.
Entram frei Francisco, Leonato, Antônio, Benedito, Hero, Beatriz, Margarida e Úrsula; depois, Cláudio e Dom Pedro com séqüito; o mensageiro; os cupidos.
FREI FRANCISCO: – Eu não vos disse que ela era inocente?
LEONATO: – E inocentes, também, Cláudio e Dom Pedro,
vítimas dessa trama de Dom João.
Se Margarida teve alguma culpa,
foi sem querer, conforme prova o inquérito.
ANTÔNIO: – Alegra-me ver tudo terminado.
BENEDITO: – Eu também, porque tinha prometido
obrigar Cláudio a duelar comigo.
LEONATO: – Agora peço às quatro senhoritas
que esperem no outro quarto com paciência.
Quando Cláudio e o príncipe chegarem,
eu vos chamo, e então vinde de máscaras. (Saem as mulheres.)
BENEDITO: – Frei Francisco, vou precisar de ti.
FREI FRANCISCO: – Para que fim, senhor?
BENEDITO: – Para casar-me.
– A verdade, meu bom senhor Leonato,
é que tua sobrinha me contempla
com olhos favoráveis.
LEONATO: – E desejas…
BENEDITO: – … que frei Francisco possa celebrar
nossos dois casamentos num só dia.
LEONATO: – Eu concordo.
FREI FRANCISCO: – E o mesmo digo eu.
(Entram Dom Pedro e Cláudio, com séquito.)
DOM PEDRO: – Para esta bela reunião, bom dia!
LEONATO: – Bom dia, príncipe. E bom dia, Cláudio.
Aceitas mesmo a idéia de casar
com a filha de Antônio?
CLÁUDIO: – Sim, aceito.
LEONATO: – Então, meu bom irmão, vai lá buscá-la,
pois frei Francisco já se encontra a postos. (Sai Antônio.)
DOM PEDRO: – Bom dia, Benedito. Que acontece,
para estares assim com essa cara
cheia de raios, névoas, tempestades?
CLÁUDIO: – Acho que converteu-se a apaixonado.
BENEDITO: – Bom dia aos dois. E a ambos eu confesso:
é com cara de Cláudio que me sinto.
CLÁUDIO: – Fico devendo uma resposta boa,
mas agora preciso saldar contas.
(Volta Antônio com as jovens mascaradas.)
CLÁUDIO: – Oh! A qual delas devo dirigir-me?
ANTÔNIO: – A esta que eu te entrego.
CLÁUDIO: – E que eu aceito.
– Mostra teu rosto, minha boa jovem.
LEONATO: – Não enquanto não jures desposá-la.
CLÁUDIO: – Que frei Francisco então nos case agora.
Eu estou pronto. Dá-me tua mão. (Hero tira a máscara.)
Outra Hero!
HERO: – Tu tens razão: sou outra.
A Hero difamada já morreu,
mas esta continua pura e viva.
DOM PEDRO: – A própria Hero!
CLÁUDIO: – A minha própria Hero!
LEONATO: – Só esteve morta enquanto teve vida
a calúnia que contra ela armaram.
FREI FRANCISCO: – Agora, vamos aos sagrados ritos.
Entremos sem demora na capela!
BENEDITO: – Frei Francisco, Beatriz está com elas?
BEATRIZ (tirando a máscara): – Estou aqui. Que queres tu comigo?
BENEDITO: – Não me amas?
BEATRIZ: – Sim, razoavelmente.
BENEDITO: – Vejo então que teu tio, Cláudio e o príncipe
se enganaram. Não foi o que disseram.
BEATRIZ: – E tu me amas?
BENEDITO: – Sim, razoavelmente.
BEATRIZ: – Então, Úrsula, Hero e Margarida
se enganaram. Não foi o que disseram.
BENEDITO e BEATRIZ: – Tu morrias de amor, eles (elas) disseram!
CLÁUDIO: – Aqui está um papel de Benedito,
com um soneto capenga de seu cérebro,
em que confessa amor por Beatriz.
HERO: – E aqui está um papel de Beatriz,
que fala da paixão por Benedito.
BENEDITO: – Um milagre! Nossas mãos conspiram contra nossos corações. Bem, aceito-te, mas só por piedade.
BEATRIZ: – E eu cedo aos pedidos insistentes de meus amigos, só para te salvar a vida.
BENEDITO: – É bom parares por aí. (Dá-lhe um beijo.) Dancemos antes da cerimônia para aliviarmos os corações.
(Os dois cupidos olham pelo balcão.)
MENSAGEIRO (entrando): – Príncipe, teu irmão foi preso durante a fuga e trazido a Messina por soldados.
BENEDITO: – Dom Pedro, não penses nele até amanhã. Estás tão melancólico… Arranja uma esposa! Arranja uma esposa! – Tocai, músicos! Flautistas, começai!
(Dançam,os cupidos dançam na frente, muito alegres; depois saem todos.)
F I M
Sobre a escolha da peça
Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.
Enviamos o texto completo em PDF de uma peça gratuitamente, para escolas Waldorf e escolas públicas, assim como as respectivas partituras musicais, se houver. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça. Para outras instituições condições a combinar.
A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.