poema de Ruth Salles
A cara e as patas:
as pás que cavam.
As unhas curtas
ferra na terra;
fino focinho
focinha fundo;
fuça que fuça,
raspa que raspa,
furando o túnel
de entrada à casa.
Ao fim de leve curva,
o corredor se amplia em sua área,
de longa, em larga e alta, abrindo em sala.
O roedor no ninho:
lá, sozinho,
pressente seu futuro,
seu profundo
mergulho n’algum sono,
sua fome.
Seu roteiro
logo sabe,
seu celeiro
logo cava,
sobe, sobe
para o alto
longos canos,
chaminés.
Fuça, fura,
ferra firme,
terra fina
para cima.
E, claros nos altos,
abrem-se os abrigos,
armazéns de trigo;
armazéns de tudo
que viceja e cresce
nas frias estepes.
(As hastes cortadas,
os grãos debulhados.
Na noite seu furto.
Na boca seu fardo.
Lá vai, bochechudo,
nas bolsas dos lados.
Repleto rasteja,
lá vai carregado.)
E, no mais escondido solo estreito,
sossegado descansa.
Trabalhou seu destino, seu roteiro,
em desenho de planta.
E, embora recoberto em palha leve,
contraído, gelado
e esquecido de tudo em longo sono,
tem tudo preparado.
E, se lá fora o frio, a neve, o vento
balançam suas asas,
ele, seguro em si, guardando o alento,
dorme dentro da casa.
O hamster. Seu mister: roer, cavar.
Seu mistério: seu lar.
***