conto dos irmãos Grimm
tradução de Alda Volkmann
revisão de Ruth Salles
desenho da professora Verônica Calandra Martins
Antigamente, quando os desejos ainda eram realizados, vivia um rei cujas filhas eram todas lindas. A mais moça, porém, era tão linda, que o próprio sol, que já vira tantas coisas, se maravilhava sempre que seus raios batiam nela. Perto do castelo do rei, existia uma floresta grande e escura, e debaixo de uma velha tília havia um poço. Quando o dia era bem quente, a filha mais moça do rei ia até a floresta e se sentava na beira do poço fresquinho; quando se cansava de ficar ali, pegava uma bola de ouro, jogava-a para cima e a aparava de novo. Ela era seu brinquedo preferido.
Ora, aconteceu que, certa vez, a bola de ouro que a filha do rei jogou para cima não caiu em suas mãozinhas, mas sim no chão e rolou diretamente para dentro d’água. A filha do rei seguiu-a com os olhos, mas a bola desapareceu, e o poço era tão profundo que não se via o fundo. Ela então começou a chorar, chorava cada vez mais alto e não conseguia se consolar. E se lastimava tanto que uma voz exclamou:
– Que tens, filha do rei? Tu gritas de tal modo que até uma pedra se comove.
Ela olhou em volta, para ver de onde vinha a voz, e viu um sapo que esticava para fora d’água sua cabeça grossa e feia.
– Ah, és tu, velho mergulhador – disse ela – eu choro por causa de minha bola de ouro, que caiu dentro do poço.
– Fica quieta e não chores – respondeu o sapo – pois eu posso ajudar-te. Mas que me darás se eu tirar teu brinquedo do poço?
– Dou o que quiseres, querido sapo – disse ela – meus vestidos, minhas pérolas e pedras preciosas, e até a coroa de ouro que eu uso.
O sapo respondeu:
– Eu não quero teus vestidos, tuas pérolas e pedras preciosas nem tua coroa de ouro. Mas se tiveres afeição por mim, e se eu puder ser teu amigo e companheiro de brincadeiras, se eu puder sentar na mesa a teu lado, comer do teu pratinho de ouro, beber do teu copinho e dormir em tua caminha, se me prometeres tudo isso, eu desço lá no fundo e trago tua bola de ouro.
– Ah, sim – disse ela – eu prometo tudo isso que queres; basta trazeres minha bola de volta.
Ela, porém, pensava: “Que conversa, a desse sapo simplório, que vive na água com seus iguais e coaxa. Ele não pode ser companheiro de nenhuma criatura humana.”
Tendo a confirmação da promessa, o sapo mergulhou a cabeça, afundou e, dali a pouco, voltou à tona com a bola na boca e jogou-a na grama.
A filha do rei ficou radiante ao ver de novo seu lindo brinquedo, pegou-o do chão e saiu correndo.
– Espera, espera! – gritou o sapo – Leva-me contigo! Não posso correr tão depressa!
Mas que lhe adiantava coaxar o mais alto que podia? Ela nem prestou atenção, correu depressa para casa e logo se esqueceu do pobre sapo, que teria de descer de novo no poço. No dia seguinte, quando ela se sentou à mesa com o rei e toda a corte e comia do seu pratinho de ouro, – plich, plach, plich, plach – alguém subiu rastejando a escada de mármore, bateu na porta e chamou:
– Filha mais nova do rei, abre para mim!
Ela correu para saber quem estava lá fora e, quando abriu a porta, na sua frente estava o sapo. Então, bateu a porta depressa, voltou a sentar-se à mesa e ficou com muito medo. O rei notou que seu coração batia disparado e perguntou:
– Minha filha, por que te assustaste? Atrás da porta há algum gigante que te quer levar?
– Ah, não – respondeu ela – não é nenhum gigante, mas um sapo asqueroso.
– Que quer o sapo de ti?
– Ah, meu pai querido, ontem na floresta, quando eu brincava sentada junto do poço, minha bola de ouro caiu na água. E, como eu chorava muito, o sapo a trouxe de volta. E, como ele insistiu, eu prometi que ele seria meu companheiro, mas jamais pensei que ele pudesse sair da água. E agora ele está aí fora e quer entrar e ficar comigo.
Nesse meio tempo, bateram na porta pela segunda vez, e uma voz chamou:
– Filha do rei, a mais moça,
abre para mim!
Não sabes mais o que me disseste
junto à água fresca do poço?
Filha do rei, a mais moça,
abre para mim!
Então, o rei disse: – O que prometeste tens de cumprir; vai e abre a porta para ele.
Ela foi e abriu a porta, o sapo pulou para dentro e foi, sempre a seus pés, até sua cadeira. Ali ele parou e disse:
– Levanta-me até aí.
Ela hesitou, mas o rei ordenou que o levantasse. Estando o sapo na cadeira, quis subir para a mesa e, depois que subiu, disse:
– Agora, puxa teu pratinho de ouro para mais perto de mim, a fim de que possamos comer juntos.
Ela fez o que ele pediu, mas via-se bem que não foi de boa vontade. Enquanto o sapo comia com gosto, nela quase tudo ficava preso na garganta. Por fim, ele disse:
– Estou satisfeito, mas sinto-me cansado. Leva-me agora para teu quarto, prepara tua caminha de seda e vamos deitar para dormir.
A filha do rei começou a chorar, e tinha medo daquele sapo frio, que ela não tinha coragem de tocar e que teria de dormir em sua linda e preciosa caminha. O rei, porém, ficou zangado e disse:
– Não deves desprezar quem te ajudou num momento de necessidade.
Então, ela o pegou com dois dedos, levou-o para cima e sentou-o num canto. Mas, quando ela se deitou, ele veio se arrastando e disse:
– Estou cansado, quero dormir tão confortavelmente como tu. Levanta-me, senão eu conto para teu pai.
Então, ela ficou furiosa, pegou-o e o jogou contra a parede com toda a força, dizendo:
– Agora ficarás sossegado, sapo asqueroso.
Mas, quando ele caiu, não era mais um sapo, e sim um filho de rei, de olhos lindos e afetuosos. E, pela vontade do pai, ele se tornou seu companheiro e marido muito amado. Então, contou que havia sido enfeitiçado por uma bruxa má, que ninguém poderia libertá-lo do poço a não ser a filha do rei, e que no dia seguinte iriam para o seu reino.
Depois foram dormir e, de manhã cedo, quando o sol os despertou, chegou uma carruagem, onde estavam atrelados oito cavalos brancos, com penas brancas de avestruz na cabeça e rédeas de ouro. Atrás vinha o fiel Henrique, servo do jovem rei. O fiel Henrique ficara tão aflito quando seu amo fora transformado em sapo, que mandara prender três aros de ferro em volta do coração, para que este não arrebentasse de dor e tristeza. A carruagem, pois, deveria levar o jovem rei para seu reino; o fiel Henrique fez o casal subir, voltou de novo para trás e estava radiante de alegria, por causa da salvação de seu amo.
Tendo viajado um bom pedaço, o filho do rei ouviu um estalo atrás, como se algo se arrebentasse. Então ele se voltou e exclamou:
– Henrique, a carruagem quebrou.
– Não, meu amo, a carruagem, não.
Foi o aro que arrebentou,
o aro em volta do meu coração,
que estava imerso em aflição,
ao ver meu amo no poço largado
e num sapo transformado.
Houve mais um estalo e ainda mais outro pelo caminho, e o filho do rei sempre pensava que era a carruagem se quebrando, mas eram os outros aros do coração do fiel Henrique se rompendo, porque seu amo estava salvo e feliz.
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