A criança de 8 anos
Por Cristina Maria Brigagão Abalos, Dora Regina Zorzetto Garcia e Vilma Lúcia Furtado Paschoa.
A perda das características da primeira infância não é brusca. Ao se observar uma criança de 8 anos podem-se notar algumas mudanças: torna-se mais esguia e movimenta-se com maior flexibilidade. As transformações ocorrem paulatinamente durante os três primeiros anos escolares do Ensino Fundamental. Estes formam um período que, do ponto de vista psicológico, pode ser considerado uma unidade.
Cabe ao educador desenvolver o que foi adquirido até esta fase, introduzindo na matéria de ensino, de modo artístico e criativo, grandes e pequenas verdades da vida, por meio de narrativas. Através do programa de ensino, ele deverá satisfazer e orientar as necessidades intelectuais dos alunos e, ao mesmo tempo, despertar e desenvolver as forças da fantasia criativa, relacionadas com o sentimento e com a vontade.
A criança amadurece para se conscientizar do transcurso do tempo: hora, dia, semana, mês e ano. Este assunto constitui um tema a ser trabalhado na escrita e na leitura, e as crianças podem elaborar relógios e calendários. O estudo do tempo, dos ciclos da natureza, é algo que traz para a criança certa segurança, pois ela percebe que os fenômenos sempre se repetem, numa organização harmoniosa. Com muita cor e poesia, o olhar da criança é guiado pelas transformações da natureza, inclusive a atividade humana a cada hora do dia. Tem-se aqui uma ajuda preciosa para esta entrada no mundo, que a criança está realizando.
Outros grandes temas do 2º ano escolar, e que vêm ao encontro daquelas polaridades mencionadas anteriormente, são as fábulas e as lendas.
As fábulas caracterizam, de maneira divertida, certas unilateralidades e fraquezas do homem. Por exemplo: “A Lebre e a Tartaruga”, de Esopo.
As lendas já mostram o homem em busca da perfeição. São exemplos de pessoas que triunfaram sobre o lado animal da natureza humana e que recebem, então, a premiação das bênçãos divinas. Podem ser histórias ou episódios de vidas de santos, que devem ser contados sem qualquer cunho religioso ou moralizante. Os grandes ideais são facilmente compartilhados pelas crianças desta idade, e a responsabilidade social começa a ser cultivada.
O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 8 ANOS
A escolha da peça pode recair sobre fábulas e lendas, que constituem uma polaridade que atende a um momento especial no desenvolvimento da criança e às suas necessidades específicas. É neste contexto que a prática do teatro entra como importante auxiliar no aprofundamento destes conteúdos e vivências. Também outros temas do ano, como o estudo do tempo ou do ciclo da água, podem ser dramatizados.
EXEMPLO PRÁTICO
Vamos exemplificar o trabalho através de uma passagem da vida de São Francisco de Assis, uma história bastante conhecida, transformada em texto para teatro com o nome “São Francisco e o Lobo de Gubbio”.
Antes de contá-la às crianças, situa-se a figura deste santo e caracteriza-se o lobo que, com certeza, apareceu em outras fábulas contadas anteriormente. O importante, no âmbito do teatro, não é a descrição física, muito menos detalhes científicos, mas as características do animal: seu comportamento, seus hábitos, gestos, o ambiente em que vive e se esconde, seu convívio com outros animais etc. Uma descrição colorida e bastante adjetivada, que pode introduzir uma pequena poesia sobre o animal, a qual se fará acompanhar por gestos característicos, que integrarão a parte rítmica da aula.
Com as crianças já familiarizadas com o lobo, conta-se a história.
No dia seguinte, pede-se que os alunos recontem com suas próprias palavras. Depois, podem desenhar livremente, ou inspirados por um belo desenho que o professor fez na lousa. Não importa tanto aqui a estética das formas, mas, muito mais, a atmosfera emocional caracterizada através das cores; ela ajudará a despertar no aluno o ambiente da história. Por exemplo, a suave silhueta de São Francisco pode estar inserida num harmonioso fundo azul e amarelo, ao passo que a silhueta arrepiada do lobo estaria num ambiente vermelho, com alguns toques de roxo.
Só depois de toda esta vivência é que se inicia a dramatização propriamente dita, utilizando um texto, de preferência rimado, ritmado e simples, como o encontrado neste livro.
O processo de montagem ainda é o mesmo daquele do 1º ano: na parte rítmica da aula, todas as crianças vão decorando o texto inteiro, sempre acompanhado por gestos conduzidos pelo professor ou, mais tarde, pelas crianças; todas passam pela experiência de ser ora São Francisco, ora o lobo, em grupos, até a montagem final, quando se pode ter um coro como narrador, vários São Francisco, vários lobos, a muralha que cerca a cidade também formada por crianças, os aldeões, carneiros etc.
No figurino, pode-se caracterizar o que é essencial na lenda, ou seja, o focinho do lobo, as vestes simples de São Francisco (talvez estopa ou saco de farinha), as crianças da muralha podem segurar um grande pano cinza, as orelhinhas dos carneiros presas a tiaras, e assim por diante.
Nos gestos, são caracterizados os contrastes entre os movimentos agressivos do lobo e a postura serena de São Francisco.
No cenário, ainda predominantemente com panos, explora-se o ambiente através da qualidade das cores; as músicas já podem ter uma maior amplitude de sons e, seja nesta como em outras dramatizações, algumas crianças mais amadurecidas já podem ter pequenas falas individuais, formadas por frases curtas.
Durante todo este processo, deve-se cuidar para que a linguagem seja bem articulada, rica e expressiva, promovendo sempre a transição da linguagem popular e coloquial para a culta. Trava-línguas, brincadeiras de dicção e aliterações são bons recursos para melhorar a articulação de sons, ajudando no desenvolvimento da linguagem oral e escrita.
Esta peça, “São Francisco e o lobo de Gubbio”, é escolhida por muitos professores como conclusão do 2º ano escolar, pois apresenta justamente o encontro das duas polaridades citadas no início da abordagem deste 2º ano, uma harmonização, um equilíbrio que se deseja que tenha acontecido no interior de cada criança.
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