conto dos Irmãos Grimm
tradução de Renate Kaufmann
revisão de Ruth Salles
PRIMEIRO CONTO
Era uma vez um sapateiro que ficou tão pobre, embora a culpa não fosse dele, que por fim só tinha couro para um único par de sapatos. Então, à noite, ele cortou o couro, para fazer os sapatos na manhã seguinte; e, por ter a consciência tranquila, deitou-se calmamente, encomendou-se ao querido Deus e adormeceu.
De manhã cedo, depois de rezar sua oração, ele ia sentar-se para trabalhar quando encontrou o par de sapatos pronto em cima da mesa. Ficou tão admirado que não sabia o que dizer. Pegou os sapatos na mão para examiná-los mais de perto: estavam tão bem-feitos, que nenhum ponto tinha sido dado errado, como se fosse mesmo uma obra-prima.
Pouco depois, apareceu um comprador. Gostou tanto dos sapatos que pagou por eles um preço acima do comum. Com esse dinheiro, o sapateiro pôde comprar couro para dois pares de sapatos.
Ele cortou o couro à noite e, cheio de disposição, ia começar a trabalhar de manhã cedinho, mas não foi preciso. Encontrou os sapatos já prontos, e não faltaram compradores que lhe dessem tanto dinheiro, que lhe foi possível comprar couro para quatro pares de sapatos.
De manhã cedo, encontrou esses sapatos também prontos; e assim a coisa continuou. O sapateiro cortava o couro à noite e, de manhã, os sapatos estavam prontos; de modo que sua situação voltou a melhorar e, por fim, ele se tornou um homem rico.
Ora, aconteceu que uma noite, não muito longe do Natal, depois de ter cortado o couro, antes de ir dormir o sapateiro disse à sua mulher:
– Que achas de ficarmos acordados esta noite para ver quem nos ajuda?
A mulher gostou da ideia e acendeu uma luz; depois os dois se esconderam num canto da saleta, atrás das roupas que havia ali penduradas, e prestaram atenção.
Quando deu meia-noite, apareceram dois graciosos homenzinhos nus, que se sentaram diante da mesa do sapateiro, pegaram todo o couro cortado e, com seus dedinhos, começaram a furar, a costurar, a martelar. O sapateiro, maravilhado, não conseguia desviar os olhos. Os homenzinhos não pararam enquanto o trabalho não terminou, com os sapatos prontos em cima da mesa; então eles saíram dali saltitando depressa.
Na manhã seguinte, a mulher disse:
– Os duendes nos tornaram ricos, e nós deveríamos demonstrar a eles nossa gratidão. Eles andam por aí sem nada no corpo e devem ficar congelados. Sabes o que vou fazer? Vou costurar para eles uma camisa pequena, casaco, gibão e uma calça pequena, além de um par de meias; podes fazer para eles um par de sapatinhos.
O marido respondeu:
– Gostei muito dessa ideia.
E à noite, quando eles já haviam aprontado tudo, em vez de deixarem em cima da mesa o couro cortado, puseram ali os presentes e depois se esconderam para ver qual seria a reação dos duendes.
À meia-noite, chegaram eles saltitando e já iam começar o trabalho; mas, como não viram nenhum couro cortado e encontraram as pequenas peças de roupa, ficaram primeiro admirados, depois demonstraram grande alegria. Com a maior rapidez, vestiram as roupinhas, alisaram-nas no corpo e cantaram:
“Nós somos rapazes finos e elegantes.
Não seremos sapateiros de hoje em diante!”
E pularam, e dançaram, e saltaram sobre cadeiras e bancos. Por fim, saíram dançando pela porta afora.
Desde então, eles não voltaram, mas para o sapateiro as coisas correram muito bem enquanto viveu, e ele teve sucesso em tudo que resolvia fazer.
SEGUNDO CONTO
Era uma vez uma pobre criadinha, trabalhadeira e asseada, que varria a casa todos os dias e juntava o lixo amontoando-o diante da porta.
Certo dia, quando já ia começar o trabalho, ela encontrou uma carta. Como não sabia ler, encostou a vassoura no canto e levou a carta para seu patrão. Era um convite dos duendes para que fosse madrinha de uma criança.
A menina não sabia o que fazer, mas, como muita gente dizia que esse convite não podia ser recusado, ela consentiu.
Então vieram três duendes e a levaram a uma alta montanha, onde a criança morava. Tudo lá era pequeno, mas tão gracioso e luxuoso, que não há palavras que descrevam. A mãe da criança estava deitada numa cama de ébano com botões de pérola, as cobertas eram bordadas a ouro, o berço era de marfim e a banheira de ouro.
A menina serviu de madrinha e depois quis voltar para casa, mas os duendes insistiram para que ela ficasse três dias com eles. Portanto, ela ficou e passou dias muito alegres, e os duendes fizeram tudo para agradá-la.
Por fim, quando já ia tomar o caminho de casa, eles lhe encheram os bolsos de ouro e, em seguida, tornaram a conduzi-la pela montanha abaixo.
Chegando em casa, ela quis iniciar seu trabalho, pegou a vassoura, que ainda estava no canto, e começou a varrer. Nisso, apareceram na casa pessoas desconhecidas, que perguntaram quem ela era e o que fazia ali. Então ela viu que não tinha passado três dias com os duendes na montanha, como pensava, mas sim sete anos, e seus antigos patrões já haviam morrido.
TERCEIRO CONTO
Os duendes tiraram uma criança de sua mãe e deixaram no berço um monstrinho de cabeça grande e olhos fixos, que só queria saber de comer e mamar. A mãe, em seu desespero, foi pedir um conselho à vizinha. A vizinha disse que ela devia levar o monstrinho à cozinha, sentá-lo no fogão, acender o fogo e ferver água em duas cascas de ovo. Isso faria o monstrinho rir, e tudo se acabaria quando ele risse.
A mulher fez tudo o que a vizinha tinha dito. Quando pôs no fogo as cascas de ovo com água, o cabeçudo exclamou:
“Como a floresta do poente,
sou velho, minha gente,
não sou nada novo.
Mas nunca vi alguém
cozinhar em casca de ovo”,
e começou a rir. Enquanto ele ria, chegou um bando de duendes trazendo a criança verdadeira; sentaram-na sobre o fogão e tornaram a levar o monstrinho embora.
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