Conto dos irmãos Grimm, traduzido por Ruth Salles e Renate Kaufmann.
Era uma vez um homem que tinha sete filhos, mas por mais que o desejasse, nem uma só filha.
Afinal, de novo sua mulher lhe comunicou a próxima vinda de uma criança; e, quando esta veio ao mundo, era realmente uma menina. Foi grande a alegria, mas a criança era pequena e franzina e, devido à sua fraqueza, precisou ser batizada às pressas. O pai mandou, com urgência, um dos meninos à fonte buscar água para o batismo, e os outros seis foram junto.
Como cada um quisesse ser o primeiro a tirar água, o jarro lhes caiu dentro do poço, e lá ficaram eles sem saber o que fazer, e nenhum se atrevia a ir para casa.
Como nunca mais voltassem, o pai impacientou-se e disse:
– Certamente, por causa de alguma brincadeira, esses meninos desalmados se esqueceram da tarefa.
E, temeroso de que a menina morresse sem ser batizada, exclamou, muito zangado: – Quisera que todos eles se transformassem em corvos.
Mal pronunciara essas palavras, ouviu sobre a cabeça um ruflar de asas, olhou para o alto e viu sete corvos pretos como carvão que alçaram vôo e partiram.
Os pais não puderam tirar a maldição, mas, embora desolados com a perda dos sete filhos, encontraram algum consolo na querida filhinha, a qual logo adquiriu forças e, dia após dia, foi ficando mais bonita. Durante muito tempo, ela nunca soube que tivera irmãos, pois os pais tinham o cuidado de não lhe falar no assunto; até que um dia, por acaso, ouviu algumas pessoas dizerem que ela era uma menina muito bonita, mas, praticamente, a culpada da desgraça de seus sete irmãos. Ela então, consternada, foi perguntar ao pai e à mãe se tivera irmãos e o que fora feito deles. Os pais não puderam manter o segredo por mais tempo, mas lhe disseram que aquilo fora um decreto do céu, e seu nascimento apenas o motivo inocente.
Porém a menina todos os dias sentia escrúpulos de ter sido a causa da desgraça de seus irmãos e achou que precisava salvá-los. E não teve mais sossego, até que um dia partiu secretamente e saiu pelo mundo afora, a fim de encontrá-los, onde quer que estivessem, e libertá-los.
Não levou nada consigo, a não ser um anelzinho de seus pais como lembrança, um pão para matar a fome, um jarrinho com água para saciar a sede e um banquinho para descansar.
E foi andando, para longe, para longe, até o fim do mundo. Chegou onde estava o sol, mas este era quente demais, assustador, e comia criancinhas. Fugiu então apressadamente e correu até a lua, mas esta era fria demais e também horrível e má. Ao notar a criança disse:
– Sinto cheiro, sinto cheiro de carne humana.
A menina foi-se embora depressa e chegou até as estrelas, que foram boas e gentis com ela. Cada uma esta sentada em sua cadeirinha; e a estrela d’alva, dando um ossinho de galinha, disse:
– Sem este ossinho não poderás destrancar a porta da montanha de vidro, onde se encontram seus irmãos.
A menina pegou o ossinho, embrulhou-o muito bem num lenço, e partiu novamente, caminhando por muito tempo, até chegar à montanha de vidro. O portão estava trancado, e ela quis tirar o ossinho do lenço, mas quando o abriu estava vazio: ela perdera o presente das bondosas estrelas.
Que fazer agora? Queria salvar os irmãos e não tinha a chave para abrir a montanha de vidro. A boa irmãzinha apanhou uma faca, cortou o dedo mindinho, introduziu-o na fechadura e, por felicidade, o portão se abriu. Assim que ela entrou, um anãozinho veio ao seu encontro e disse:
– Que procuras, minha filha?
– Procuro meus irmãos, os sete corvos – respondeu ela.
Disse o anão:
– Os senhores corvos não estão em casa, mas se quiseres esperar te que voltem, então entra.
Em seguida, o anãozinho trouxe a refeição dos sete corvos em sete pratinhos e em sete copinhos, e de cada pratinho a irmãzinha comeu um bocadinho, e de cada copinho bebeu um golinho; mas no último copinho deixou cair o anelzinho que trouxera consigo.
De repente, ela ouviu no ar o ruflar de asas e o crocitar. O anãozinho então disse:
– Aí vêm chegando os senhores corvos.
Eles chegaram, quiseram comer e beber e procuraram por seus pratinhos e copinhos. E, então, um após outro perguntou:
– Quem comeu no meu pratinho? Quem bebeu no meu copinho? Foi a boca de um ser humano.
E, quando o sétimo chegou ao fundo do copo, o anelzinho rolou ao seu encontro. Ele então o viu, reconheceu-o como o anel de seu pai e de sua mãe e disse:
– Deus queira que nossa irmãzinha esteja aqui, pois assim estaremos salvos. Quando a menina, que os espreitava atrás da porta, ouviu este desejo, adiantou-se, e todos os corvos recobraram a forma humana.
E, abraçaram-se e beijaram-se uns aos outros, e voltaram contentes para casa.