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peça de Bernard Shaw
adaptação de Ruth Salles
baseada na tradução e adaptação de Miroel Silveira (anos 40)
NOTA
George Bernard Shaw (1856-1950) foi um importante escritor irlandês, que lutou pelos direitos das mulheres e contra a exploração das classes trabalhadoras. Foi jornalista, ensaísta, romancista e dramaturgo. Em 1925 lhe foi concedido o Prêmio Nobel de Literatura, que ele queria recusar, por não gostar de honrarias públicas. Sua esposa, contudo, conseguiu que ele o aceitasse como homenagem à sua terra, Irlanda. A quantia, porém, ele rejeitou, pedindo que fosse empregada para financiar a tradução de livros suecos para o inglês.
Duas grandes peças de Bernard Shaw foram “Santa Joana” (sobre Joana D’Arc) e Pigmaleão. A palavra Pigmaleão provém de uma figura da mitologia, um homem que não apreciava mulher alguma e que esculpiu uma como ele a concebia. Apaixonando-se por ela, conseguiu dar-lhe vida. A peça de Shaw é a história de um especialista em fonética que descobre uma florista ambulante, quase mendiga, cujo palavreado consta de muitas gírias. Num desafio a si próprio e a um amigo, decide transformá-la numa dama de alta classe. Em “Pigmaleão”, também foi baseado o conhecido filme “My Fair Lady”.
Sendo a peça muito longa para um 8º ano, procurei condensá-la um pouco, e aumentar a quantidade de personagens por causa do número de alunos da classe. Também as gírias precisaram ser modernizadas, pois as duas adaptações existentes foram feitas nos anos 40 e 60. Miroel Silveira fez a peça se passar no Rio. Já Millor Fernandes deixou-a passar-se na Inglaterra mesmo. Quanto ao texto, baseei-me no de Miroel Silveira. Este mostra perceber diferentes modos de falar de diferentes bairros do Rio. Preferi não situar a peça em lugar especial e falar nas diferenças do falar do nordeste, do gaúcho, do mineiro e do capixaba. O nordestino, o gaúcho e o mineiro, assim como uma imigrante italiana (ou um imigrante), só aparecem no Primeiro Ato. Os que provêm do Espírito Santo continuam na peça. Daí seus variados termos, como “deu ruim”, “é massa”, “palha”, “calçado”, “enxugador”, “café sem doce”, “pocar fora”, “injuriada”, “gastura”, “qual é”. Também aparece depois um caipira com sua linguagem da roça.
Fiz a letra para uma música a ser cantada no fim da peça, a melodia podendo ser criada pelo(a) professor(a) de música.
Ruth Salles
PERSONAGENS
Henrique Mascarenhas – foneticista
Hilda Mascarenhas, sua irmã
Hortênsia Mascarenhas, sua outra irmã
Dona Cândida, sua governante
Joanita Mascarenhas, sua mãe
Dalva, criada de sua mãe
Maria, copeira de sua mãe
Dona Marieta Rivadavia
Clara Rivadavia, sua filha
José Rivadavia, seu filho
Coronel Guimarães
Elisoana Garapa (Elisa)
Eliseu Garapa, seu pai
Porteiro do teatro
Primeiro Passante que se abriga da chuva
Segundo Passante que se abriga da chuva
Mulher que se abriga da chuva
Os que dançam
Os que cantam.
PRIMEIRO ATO
Porta de um teatro, à noite. Cai uma chuva torrencial de verão. De vários pontos, psius e assobios chamam taxis. Transeuntes correm, procurando abrigar-se sob a marquise do teatro. Entre as pessoas ali refugiadas estão uma mulher e sua filha, além de uma jovem vendedora de flores, meio mendiga, e o porteiro do teatro. Todos estão olhando a chuva, menos um homem que está de um lado, mas perto da plateia, tomando notas num caderninho.
CLARA RIVADAVIA: – Estou gelada, mãe! Onde será que o José foi parar? Já faz uns 20 minutos que saiu em busca de taxi!
DONA MARIETA RIVADAVIA: – Não faz tanto tempo, Clara, mas bem que ele já podia ter voltado.
CLARA RIVADAVIA: – Ele não tem é expediente, mãe!
PORTEIRO: – Uai, pensei que ia dar uma estiada, mas que nada, sô. O jeito é não arredar daqui até esse trem passar. Se eu tivesse um tiquim de café, dava procês.
HENRIQUE MASCARENHAS (o homem que toma notas, diz logo): – Esse já vi que é mineiro.
PRIMEIRO PASSANTE (nem fecha o guarda-chuva, pois a chuva é de vento, e se abriga ali): – Barbaridadê! A troco de quê tanta água? Ah, se eu tivesse aqui meu bagual, saía com ele no galopê, como eu fazia lá na querência, tchê!
HENRIQUE MASCARENHAS: – Esse é gaúcho (e anota rápido).
SEGUNDO PASSANTE: – Pois se achegue, hôme. Ara, fique apérreado, não! (ouve-se o trovão) Aqui relampeia abéstado. Bem que eu queria minha manta, peitoral e joelheira de couro e montar também no meu quartau, tal como eu corria atrás do boi quando ele desembéstava.
HENRIQUE MASCARENHAS: – Esse é do nordeste (e anota rápido).
JOSÉ RIVADAVIA (chega todo molhado): – Nada de taxi, Mamãe. Deu ruim. Meu calçado está encharcado. Ninguém tem um enxugador aí?
HENRIQUE MASCARENHAS (anotando): – Gente do norte do Estado do Rio; ou então são do Espírito Santo.
CLARA RIVADAVIA: – Estou injuriada. Não boto fé em você! Nem pra trazer um taxi! Que gastura!
JOSÉ RIVADAVIA: – Não seja palha, irmã. Eu vou de novo!
(Sai correndo na chuva e esbarra na florista, que estava num canto, e suas flores caem na poça d’água.)
ELISA GARAPA (a florista): – Divagar cum a loça, seu Zé. Num enxerga, não?
JOSÉ RIVADAVIA (fala e sai correndo): – Desculpe, garota, foi sem querer!
MULHER QUE SE ABRIGA DA CHUVA: – Ma che succede con esta poverella?
HENRIQUE MASCARENHAS (anotando): – Imigrante italiana.
CORONEL GUIMARÃES (se abriga da chuva e fala com a florista): – Que foi que houve?
ELISA GARAPA: – Foi aquele Zé, que me deu um trompaço e depois deu no pé. Logo hoje que num ranquei prata de ninguém.
CORONEL GUIMARÃES: – Eu ajudo a pegar tudo, menina.
ELISA GARAPA: – Brigado, moço. Num carece.
DONA MARIETA: – Como você sabe que meu filho se chama José?
ELISA: – Num sei, não. É que a gente chama Zé, ou Mané, qualquer cara que aparece. Mas a madama entra com algum pra me ajudá no prijuízo?
CLARA: – Era só o que faltava!
DONA MARIETA: – Clara, isso é comigo! Menina, não tenho trocado, só tenho uma nota de vinte.
ELISA: – Mico-leão eu troco. Ói aí, madama. (Dá o troco)
CLARA: – Só isso?
DONA MARIETA: – Está bem assim.
ELISA: – É dez real tudo, moça. Num tô quereno trolá ninguém. Certo, madama? A senhora sempre faz ponto por aqui? (volta-se para o Coronel Guimarães): – E o senhor, general, não me compra umas frozinha?
PORTEIRO: – Tome tento, guria. Ali tem um sujeito tomando nota de tudo o que a gente está dizendo.
(Todos se voltam para Henrique Mascarenhas.)
ELISA (assustada): – Ué! E daí? Eu pago licença pra vendê flor na rua. Eu sô moça dereita. Sô di família.
HENRIQUE (vê que todo mundo se volta para ele e reclama.): – Ora essa! Quem você pensa que eu sou, sua cretina?
ELISA: – Ai, general, não deixe o tira me pôr em cana. Eu sô moça dereita, sô di família.
CORONEL GUIMARÃES: – Calma, ele não é tira. (para Henrique): – Se não é indiscrição, o senhor está anotando o jeito das pessoas falarem, não é?
HENRIQUE: – Isso mesmo. Sou especialista em fonética e em lexicologia. Por isso distingo os modos de falar de sul a norte. A linguagem muda daqui pra ali. E como estou sempre estudando o assunto, anoto o que as pessoas dizem.
ELISA: – Pois devia é tê vergonha e não se metê na vida da gente, tá ligado?
HENRIQUE: – Cale a boca! Quem fala tão errado como você não devia abrir a boca!
ELISA: – Vôte! (quando ela fala, Henrique anota e repete a palavra)
HENRIQUE (ao coronel): – O senhor está vendo essa garota, com essa linguagem vil, que a mantém na lama? Pois bem. Em seis meses, eu seria capaz de apresentar essa casca-grossa numa recepção qualquer da alta sociedade. Digo mais: ela até poderia arranjar um emprego de vendedora numa loja elegante. Dedico-me a um trabalho realmente científico de fonética.
(Elisa, que estava abaixada catando as flores, ergue a cabeça e presta atenção no que ouve.)
CORONEL: – Pois eu também estudo dialetos de Portugal e das colônias!
HENRIQUE (entusiasmado): – Não diga! Então talvez conheça o coronel Guimarães, aquele que descobriu a verdadeira pronúncia do sânscrito!
CORONEL: – Pois o coronel Guimarães sou eu! E o senhor, quem é?
HENRIQUE: – Henrique Mascarenhas, descobridor do “alfabeto universal Mascarenhas”.
CORONEL (entusiasmado): – Pois saiba que vim de Portugal especialmente para conhecê-lo.
HENRIQUE: – E eu queria ir a Lisboa para vê-lo! Aqui está meu cartão. Venha ver-me amanhã!
ELISA (ao coronel): – Me compre uma frozinha, general. Não tenho grana pra pagar a condução.
HENRIQUE: – Mentirosa! Agora mesmo tinha troco para uma nota de vinte! (pensa um pouco). Em todo caso, toma aí de presente (dá uma nota de dez).
ELISA (contente): – Valeu, tio!
PORTEIRO: – Olhem! A chuva passou!
ELISA: – Bora pegar o busão, gente!
(José chega, sem taxi, e todos se dispersam, apressados).
SEGUNDO ATO
Casa do professor Henrique Mascarenhas, muito confortavelmente mobiliada. Na mesa onde trabalha há um aparelho de som e um gravador. O coronel Guimarães está sentado diante da mesa, sobre a qual há muitas pastas.
HENRIQUE (fechando a última pasta): – Bem, acho que já lhe mostrei tudo.
CORONEL: – Estou simplesmente deslumbrado. Eu, que sabia distinguir vinte e quatro sons de vogais, sinto-me arrasado diante dos seus cento e trinta sons!
HENRIQUE: – Ah, isso se aprende com a prática, mas… (soa a campainha da porta)
DONA CÂNDIDA (chegando na sala): – Com licença, Professor Henrique, mas suas irmãs estão aí.
HENRIQUE (pondo as mãos na cabeça): – A essa hora?
(As irmãs entram, uma traz um prato envolto num guardanapo.)
HILDA e HORTÊNSIA: – Bom dia, Henrique! (abraçam-no)
HENRIQUE: – Ahn? Ah! Bom dia. (ao ver que elas olham o coronel) Este aqui é meu amigo o coronel Guimarães.
HORTÊNSIA (cumprimenta): – Prazer.
HILDA (cumprimenta): – Como está o senhor?
CORONEL: – Muito prazer, senhoritas!
HENRIQUE: – O que vocês vieram fazer aqui numa hora tão imprópria? Estamos conversando sobre trabalho.
HILDA: – Viemos trazer uma torta que a Mamãe fez para você, mas se você já está nos enxotando, levamos de volta.
HENRIQUE: – Uma torta? Não, não, fiquem um pouco. (soa de novo a campainha)
DONA CÂNDIDA (aparece de novo): – Professor, está aí uma moça querendo falar com o senhor.
HENRIQUE: – Uma moça? O que ela quer?
DONA CÂNDIDA: – Disse que o senhor vai ficar muito contente quando souber o que ela veio fazer aqui.
HENRIQUE: – Ora, por que será? A pronúncia dela é interessante?
DONA CÂNDIDA: – Uma coisa horrível, Professor.
HENRIQUE (ao coronel): – Vamos conhecê-la, não acha? Quem sabe gravamos alguma coisa! (a dona Cândida): – Mande entrar.
(A florista Elisa entra com solenidade, em roupas domingueiras, com um chapéu de palha com uma pena azul, outra amarela e outra vermelha. O coronel se comove diante do aspecto da mocinha.)
HENRIQUE: – Ora, ora! Mas é a florista de ontem! Não me serve de nada. Já anotei o que havia de mais interessante em sua fala. (à menina): – Pode ir indo. Não preciso de você.
HORTÊNSIA: – Mano! Isso é maneira de tratar uma moça? Pelo menos nos apresente a ela.
HENRIQUE: – Vá lá! Essas são minhas irmãs Hilda e Hortênsia, e este é o coronel Guimarães. Pronto. Pode ir andando.
ELISA: – O senhor está é zoando de mim, mas meu dinheiro vale tanto quanto o seu.
HENRIQUE: – Seu dinheiro? Mas para quê?
ELISA: – Eu ouvi ontem o senhor dizê que podia me transformá. Queria trabalhá numa loja de vendê flor, mas ninguém me aceita porque num falo dereito. Mas eu pago.
HENRIQUE: – Quanto?
ELISA: – Ah, falou em prata a conversa muda, né? Se o sinhô fosse um cara inducado me convidava pra sentá.
HENRIQUE (ao coronel): – Que acha, coronel Guimarães? Faço-a sentar ou jogo essa cafajeste pela janela afora?
ELISA (assustada): – Não quero que me chamem dessas coisa. Eu sô di família.
HILDA: – Henrique, como é que você trata a menina desse jeito? Que horror!
HENRIQUE: – Essa coisa?
HORTÊNSIA: – Coisa? Então mulher pra você é coisa, é objeto? (a Hilda): – Vamos embora, Hilda, que esse nosso irmão não tem jeito mesmo.
HILDA: – Machista!
HENRIQUE: – Ei, ei! Mas deixem a torta!
HILDA (sai junto com Hortênsia): – Você já tem torta demais na sua linguagem!
HENRIQUE (enfezado, grita com Elisa): – Sente-se!
(Elisa recua, assustada, mas não se senta.)
CORONEL GUIMARÃES (gentilmente a Elisa): – Tenha a bondade de se sentar.
ELISA (senta-se e olha com gratidão para o coronel): – Obrigada, seu general.
HENRIQUE (mais calmo): – Diga seu nome!
ELISA: – Meu nome, mesmo, nos papel, é Elisoana.
HENRIQUE: – Elisoquê?
ELISA: – Me chamam de Elisa, mas meu pai é Eliseu e minha mãe Joana e quiseram juntar os nomes. Sou Elisoana Garapa.
HENRIQUE: – Miséria de nome!
ELISA: – Não pode caçoá do meu nome, não. E os nome do senhô e de suas irmãs? Seus pais quiseram que os três começasse com a letra Agá, pensa que eu não ouvi? Henrique, Hilda e Hortênsia, pronto!
HENRIQUE: – Cale a boca, menina malcriada.
ELISA: – Eu? Malcriada? Hum…
HENRIQUE: – E quanto você pensa pagar por aula?
ELISA: – Cinco real, e já é muito.
HENRIQUE: – Sóó?
ELISA (quase chorando) – Orra, meu, ocê pensa que eu sou granfa?
CORONEL: – Professor, estou interessado no assunto. Se o senhor conseguir prepará-la para aquela recepção na Embaixada, eu vou proclamá-lo o primeiro professor do mundo! (a Elisa): Não se preocupe, Elisa, eu pago essas aulas.
ELISA: – Muito obrigada, general. O sinhô é um parça às dereita.
HENRIQUE: – Está bem. (Chama a governante): – Dona Cândida! (ela entra) Dê um banho nessa guria, bem esfregado!
ELISA: – Vôte! Não! Eu tô limpinha! (esconde-se atrás do coronel)
DONA CÂNDIDA: – Mas, Professor!
HENRIQUE: – Não quero mas, nem meio mas. E se ela reclamar, dê-lhe uns tapas.
ELISA: – Não! Não! Eu chamo a puliça.
HENRIQUE: – E queime toda a sua roupa e encomende um enxoval para ela na loja da esquina. Vista-a com uma roupa sua, enquanto isso.
CORONEL: – Reflita bem, Professor Mascarenhas.
DONA CÂNDIDA: – É, reflita, Professor. O senhor não pode ficar pisando assim em todo mundo.
HENRIQUE (falando manso): – Meu caro coronel, eu não quero pisar em ninguém. Quero transformar essa garota, ajudá-la a assumir uma nova posição na vida. Para isso, ela ficará morando aqui.
DONA CÂNDIDA: – Mas o senhor vai usá-la para trabalhar com ela, e não lhe vai pagar nada?
HENRIQUE: – Aqui ela terá de tudo: roupa, alimento… e se eu lhe der dinheiro, ela vai gastar em bebida.
ELISA: – Ei! Segura essa marimba aí! Nunca ninguém num me viu de porre, sacô?
DONA CÂNDIDA: – Vamos, Elisa. Eu cuido de você direitinho. (saem)
CORONEL: – Mas, Professor, acha de bom tom ela ficar morando aqui conosco?
HENRIQUE: – Com as melhores intenções. Mesmo porquê, não quero nada com mulheres. São um horror! Cheias de ciúmes e exigências. Se o homem quer ir para o norte, a mulher quer ir para o sul, e fica um puxando o outro, como se brincassem de cabo de guerra. Sou solteirão, e solteirão ficarei até a morte.
CORONEL (muito sério): – Mas já que estou envolvido no caso, sinto-me responsável pela moça. Que não seja tirada nenhuma vantagem de sua situação de dependência.
HENRIQUE: – Dessa coisa? Ora, para mim ela será sagrada. Todas as minhas alunas são como se fossem de madeira, e eu também viro um homem de madeira, pode deixar. (voltam os dois para a mesa de trabalho e olham as pastas.)
DONA CÂNDIDA (entra após alguns instantes): – Pronto, Professor, só que agora eu quero falar com o senhor.
HENRIQUE: – Que foi?
DONA CÂNDIDA: – Quero que o senhor tome cuidado com a linguagem que vai usar junto da moça.
HENRIQUE: – Claro! Mas eu zelo sempre pelo que digo!
DONA CÂNDIDA: – Nem sempre. Com qualquer coisa o senhor fica desbocado.
HENRIQUE: – Está bem. Só isso?
DONA CÂNDIDA: – Não só. Tem também que dar exemplo em maneiras e não descer descalço nem de pijama para tomar café.
HENRIQUE: – Ora essa! Certo. Mas meu pijama, aliás, está cheirando a benzina.
DONA CÂNDIDA: – Pois é, mas se o senhor não usar o pijama como guardanapo…
(Torna a soar a campainha. Dona Cândida sai para abrir a porta.)
DONA CÂNDIDA: – Está aí um carroceiro querendo falar com o senhor. Diz que é o pai da moça.
HENRIQUE: – Pois mande entrar esse patife. (Dona Cândida sai.)
CORONEL: – Ele pode não ser um patife, Professor.
HENRIQUE: – Claro que é.
DONA CÂNDIDA (entra e faz entrar o carroceiro): – Entre, seu Garapa!
GARAPA: – Professô Henrique?
HENRIQUE: – Sou eu. E o senhor quem é?
GARAPA (inclina-se um pouco): – Eliseu Garapa, seu criado. Vim tratá de um causo munto importante.
HENRIQUE (ao coronel): – Esse vem da roça mesmo, Coronel. (a Garapa): – Pois fale.
GARAPA: – Quero sabê si minha fia tá aqui!
HENRIQUE: – Que bom que o senhor tem sentimentos paternais. Ela está aqui, sim, e o senhor pode levá-la imediatamente.
GARAPA (assustado): – Ahn?!
HENRIQUE: – Ou pensa que vou sustentar sua filha?
GARAPA: – Eu sube que o sinhô ensina as pessoa a falá dereito e vai ensiná ela. A fia é minha. Eu empresto ela, e qual é a minha parte nessa confa?
HENRIQUE: – Então o senhor Garapa quer é me extorquir dinheiro. Eu chamo a polícia.
GARAPA: – Mas, por um acauso eu pedi argum dinhero?
CORONEL: – Modere sua linguagem, Professor! (a Garapa): – Como soube que sua filha estava aqui?
GARAPA: – Foi pelo moleque que ela mandou pra buscá as coisinha dela. Eu sube lá no buteco.
HENRIQUE: – Ah, no boteco, tomando umas e outras, não é?
GARAPA: – Que tem isso? Buteco é clube de pobre, seu moço. E eu precisei dá um dinheirão pru mode o moleque me dá as coisa que eu truxe na carroça. Mas fique o sinhô no lugá de um pai, e me diga o que eu podia pensá.
HENRIQUE: – Então você veio salvá-la? Pois pode levá-la já!
GARAPA: – Quem tá quereno levá ela? Eu disse que tava? Eu num quero estragá a carrera da minina, o sinhô num me entendeu? Eu só quero meus dereito de pai; eu empresto minha fia pra servi di aluna pru sinhô e num arrecebo nada? Diga: que qui é cem real pru sinhô?
CORONEL: – Senhor Garapa, as intenções do Professor Mascarenhas são inteiramente honestas.
GARAPA: – Se eu desconfiasse que num era, num pedia cem, pedia duzentos.
HENRIQUE (ao coronel): – No fundo, vejo uma certa justiça primitiva nele, coronel.
CORONEL: – Mas será que é correto dar dinheiro a esse homem?
GARAPA: – Num diga isso, coroné. Eu sô pobre. Quando quero alguma coisa mió, vem sempre arguém dizê: isso num é pru teu bico. E eu preciso me adiverti. Às veiz preciso de musga, ou de um arrasta pé lá na gafiera.
HENRIQUE (ao coronel): – Coronel, se resolvêssemos ensinar esse homem durante três meses, ele poderia dar um notável ministro, um político!
GARAPA: – Muito gardecido, mas num quero. Esse pessoar leva uma vida de cachorro. A mió situação é a minha, de um pobre num necessitado. A gente véve de verdade.
HENRIQUE: – Tem razão. Vou lhe dar quinhentos reais, em vez de cem!
GARAPA: – Tá doido? A muié é capaz de querê inconomizá. Eu só quero me adiverti um poquinho.
HENRIQUE: – Então tome aí seus cem reais.
GARAPA: – Gardecido, seu moço! Inté otra veiz.
(Vai sair mas esbarra em Elisa, que está tão diferente e bem penteada, que ele não a reconhece.)
GARAPA: – Descurpe, moça!
ELISA: – Que é isso, velho? Tá boiando? Sou eu, Elisa!
GARAPA: – Né possíve. Virge Santa!
ELISA: – Pai! Se tu visse como é fácil tomá banho aqui. Tem torneira de água fria, de água quente, escova, sabonete… Por isso que as granfa andam cheirosa!
GARAPA: – Eu já tô saindo, fia. Se acomporte. (a Henrique): – Se o sinhô quisé miorá ela, carece de lhe dar às veiz umas tapona. Inté, minha gente. Eu vorto pra vê ela quarqué dia. (ele sai)
DONA CÂNDIDA: – Elisa, chegaram as roupas. Venha experimentar.
ELISA (saindo com ela): – Beleza!
HENRIQUE (ao coronel): – Coronel Guimarães, que trabalho duro nos espera!
CORONEL: – Hum… Nem é bom pensar.
TERCEIRO ATO
Casa da viúva Joanita Mascarenhas, mãe do professor Henrique. O apartamento é bem mobiliado, e esse é o dia em que ela recebe visitas para um cafezinho. Ela está sentada diante de uma mesinha, escrevendo uma carta. Nisso, a porta se abre bruscamente e Henrique entra, sempre estabanado.
DONA JOANITA: – Henrique! Que é que você veio fazer aqui hoje? Você me prometeu nunca vir nas quintas-feiras!
HENRIQUE (beija a mãe): – Eu sei, Mamãe, mas não foi por mal.
DONA JOANITA: – Daqui a pouco chegam minhas visitas, e você tem o dom de se indispor com todas elas. As que se encontram uma vez com você nunca mais voltam.
HENRIQUE: – Prometo não dar um pio. Eu não sei mesmo manter conversas banais.
DONA JOANITA: – Tenha paciência, querido, mas hoje não. Suas irmãs foram ao cinema. Por que você também não vai?
HENRIQUE: – Preciso ficar, Mamãe. É que eu peguei uma mocinha de rua, que só falava gíria, e lhe dei umas aulas e quero ver como ela se sai numa primeira visita. Ela está bem treinada, você vai ver.
DONA JOANITA: – Deus nos acuda! Uma mocinha de rua?
HENRIQUE: – É uma garota que vende florzinhas à noite, perto do teatro. Meu amigo, o coronel Guimarães, também faz parte desse trabalho, e apostei com ele que, em seis meses faço-a ir a uma recepção e passar por uma verdadeira dama. E ela aprende depressa, já sabe até tocar piano!
(Entra a criada, Dalva, após um toque de campainha.)
DONA JOANITA: – Que foi, Dalva?
DALVA: – Dona Joanita, estão aí dona Marieta Rivadávia e mais seu filho e sua filha.
HENRIQUE (levanta-se mal-humorado): – Que chateação!
(Os três Rivadávia também estavam se abrigando da chuva sob a marquise do teatro. São do Espírito Santo.)
DONA MARIETA: – Que felicidade em reencontrá-la, dona Joanita!
CLARA: – Boa tarde, Dona Joanita. A senhora está boa?
JOSÉ: – Boa tarde, senhora.
DONA JOANITA (apresenta seu filho): – Que bom que vieram! Aquele é meu filho Henrique.
DONA MARIETA: – Ah, seu famoso filho, por fim o conheço!
HENRIQUE (sem se aproximar e com ar brusco): – Prazer!
CLARA (interessada em Henrique, aproxima-se dele): – Qual é? Tudo bem?
HENRIQUE (de mãos no bolso): – Já vi vocês em algum lugar. Ah, já sei. Foi há alguns meses, na chuva. Vocês são os capixabas que procuravam um taxi. Pode sentar-se. (vira as costas, vai para a janela e continua de costas.)
DONA JOANITA: – Sinto confessar que meu filho tem maneiras deploráveis. Não reparem, por favor.
CLARA: – Ótimo! Um temperamento diferente é massa!
HENRIQUE: – Hum… Terei sido grosseiro? Não tive intenção. (torna a se virar de costas)
DALVA (entrando): – Dona Joanita, o coronel Guimarães.
CORONEL: – Como tem passado a senhora?
DONA JOANITA: – Bem, obrigada. Estes aqui são dona Marieta Rivadávia e seus filhos Clara e José.
(Troca de cumprimentos. O coronel puxa um pouco a poltrona para perto de dona Marieta.)
CORONEL: – O Henrique já lhe disse a razão de nossa visita?
HENRIQUE (sem se voltar): – Fomos interrompidos, uma droga!
DONA JOANITA: – Henrique! Que é isso?
DONA MARIETA: – Querem ficar sós?
DONA JOANITA: – Não! Sua visita veio em boa hora, pois queríamos lhe apresentar uma nossa amiga…
HENRIQUE (voltando-se, alegre): – É verdade! Precisávamos de algumas pessoas, e essas podem servir.
DALVA (entrando): – Dona Joanita, a senhorita Elisa.
(Henrique vai até Elisa e pega-a pelo braço para apresentá-la à mãe. Elisa está elegantemente vestida. Contrasta com a espaventada florista de antes.)
HENRIQUE: – Esta é Elisa, Mamãe. (fica encostado num canapé e vigiando Elisa)
ELISA (fala com pedante correção de linguagem): – Boa tarde, minha senhora! Como está? Tenho muito prazer em conhecê-la.
(Em seguida cumprimenta os outros. José fica muito impressionado com sua beleza. Elisa senta-se no canapé, com Henrique escarrapachado ao lado. Maria, a copeira, entra com uma bandeja com xícaras de cafezinho.)
DONA JOANITA (à copeira): – Ah, obrigada, Maria, pode passar a bandeja por todos.
DONA MARIETA: – Desculpe, dona Joanita, mas eu só tomo café sem doce.
DONA JOANITA: – Não se preocupe. Hoje não estou servindo nenhum doce.
CLARA (à parte, para a mãe): – Deu ruim, hein, Mãe! Aqui não se fala sem doce, se fala sem açúcar.
DONA JOANITA: – Parece que o tempo está mudando. Acham que vai chover?
ELISA (lembrando uma frase do exercício de dicção): – As baixas pressões, que predominam em toda a região ocidental do país, tendem a se dirigir lentamente para leste. Contudo, desse fato não devemos concluir que venham a se efetuar grandes modificações na situação barométrica.
JOSÉ (impressionado): – Nossa! É massa!
ELISA (não entendendo o termo capixaba): – Falei de maneira errada?
JOSÉ: – Não, absolutamente. Eu quis dizer que é legal você saber tudo isso.
DONA MARIETA (continuando a conversa): – Espero que não comece a fazer frio. Há uma gripe por aí. Em casa, nessa época, ninguém se livra.
ELISA (solene, mas descuidando-se um pouco da linguagem): – Minha tia morreu de gripe. Pelo menos foi o que disseram. Mas essa eu não engulo.
DONA MARIETA: – Como?
ELISA: – Ora, ninguém duvida que lhe tenham preparado a cama! Pois ela escapou sã e salva de coisas piores, por que haveria de morrer de gripe? Teve até difteria. Um dia ficou roxa, a gente pensou que era a sua hora, mas meu pai deu-lhe colheradas de cachaça pela goela abaixo, e ela ficou boa!
DONA JOANITA: – Meu Deus!
ELISA: – Por isso é que essa eu não engulo. Alguém lhe preparou a cama.
CLARA: – Mas, Elisa, que quer dizer “preparar a cama”?
HENRIQUE (mais que depressa): – É que a Elisa fala, à maneira moderna, uma gíria da alta sociedade. “Preparar a cama” quer dizer apressar a morte de alguém.
JOSÉ (rindo): – Sabe, Elisa, estou achando muito interessantes as suas expressões.
ELISA: – Se acha interessante por que está rindo? (a Henrique): – Eu disse alguma coisa errada?
HENRIQUE (consultando o relógio): – Hummm!…
ELISA (entendendo o aviso): – Bem, Vim só dar uma passadinha e já está na hora de voltar para casa. (Aperta a mão de dona Joanita e lhe diz com cuidado): – Gostei imensamente de conhecê-la!
DONA JOANITA: – Eu também. Agora já sabe o caminho.
(Os homens se levantam, menos Henrique. José vai abrir-lhe a porta.)
JOSÉ: – A senhorita permite que eu a acompanhe?
ELISA: – Claro!
JOSÉ: – Então vamos pocar fora, opa, quer dizer, vamos embora! (para a mãe): – Mãe, vou acompanhá-la, depois tomo um ônibus para casa.
ELISA e JOSÉ: – Até logo para todos! (saem)
DONA MARIETA: – Não consigo me acostumar com essas expressões modernas!
CLARA: – Pois eu acho originais e tão cheias de vivacidade!
DONA MARIETA: – Você pode dizer que sou antiquada, mas esse palavreado me parece horrível, não acha, Coronel Guimarães?
CORONEL: – Há controvérsias, senhora. Mas eu passei tanto tempo em Portugal, que também estranhei os costumes e a linguagem ao voltar.
DONA MARIETA (levanta-se): – Bem, já está na hora de irmos, Clara. (Henrique e o coronel se levantam)
CLARA: – É mesmo. Ainda temos de fazer três visitas! Adeus, dona Joanita!
DONA JOANITA: – É cedo, mas não quero prendê-las. Até mais ver, dona Marieta!
HENRIQUE (aproximando-se de Clara, que o cumprimenta, depois de cumprimentar o coronel): – Nas visitas que vai fazer, não se esqueça de aplicar a nova gíria. É muito elegante!
CLARA (toda sorrisos): – Ah, não perderei tempo. Essa linguagem de gente antiquada dá até gastura.
HENRIQUE: – Se dá! É um chute!
CLARA (rindo): – Se é! Um chute desgramado!
DONA MARIETA (a dona Joanita): – Não dê atenção à Clara. Ela vive procurando ser mais elegante, coitadinha. (as duas saem)
HENRIQUE (à mãe, ansioso): – Então? Achou Elisa apresentável?
DONA JOANITA: – Falta muito pra isso. Ela é um triunfo da arte da costureira, e aprendeu um pouco da sua arte didática. Mas, você também, Henrique, tem uma linguagem de estivadores. Nem mesmo entre a soldadesca se vê comportamento como o seu.
CORONEL: – Vamos indo bem com ela, dona Joanita, eu e ela moramos com Henrique.
DONA JOANITA: – Como??!!
HENRIQUE: – Ora bolas, Mamãe, a situação dela é de aluna. Precisamos dar-lhe aula o dia inteiro. Além do mais, ela tem sido útil. Anota meus compromissos, guarda minha roupa. E minha governante, dona Cândida, está gostando porque ficou mais folgada! Se bem que ela sempre diga: “Professor, o senhor não sabe o que está fazendo.”
DONA JOANITA: – E ela tem razão. Vocês dois parecem duas crianças brincando de boneca. Não sei no que vai dar isso.
CORONEL: – Ah, é emocionante ver que ela progride a cada semana.
HENRIQUE: – É verdade. Constrói-se assim uma ponte por cima do abismo que separa as almas e as classes sociais.
CORONEL: – Ela já sabe apreciar a música de Beethoven e de Brahms, e até já está tocando piano razoavelmente.
DONA JOANITA: – Ai, ai, chega! E vocês não perceberam que quando Elisa entrou na casa de Henrique, entrou mais alguém?
CORONEL: – Sim, o pai de Elisa, mas Henrique logo se descartou dele.
DONA JOANITA: – Não! Quem entrou foi um problema! De que servirá a ela aprender tudo isso e depois se ver na rua de novo?
HENRIQUE (levantando-se): – Ah, nós lhe arranjaremos um emprego, pronto.
CORONEL (levantando-se): – Tudo vai acabar bem, a senhora verá! Até mais ver, minha senhora.
HENRIQUE: – Até outro dia, Mamãe (beija a mãe, e os dois saem rindo).
DONA JOANITA (levanta-se e se senta de novo diante de sua mesinha de trabalho, furiosa): – Ah, os homens! Os homens! Os homens!
ENTREATO
Salão da recepção. Algumas cadeiras, música e vários pares dançando. Percebe-se que Elisa conversa com seus pares, mas não se ouve. Às vezes, ela caminha ao lado do coronel e se abana com o leque.
QUARTO ATO
No gabinete de trabalho de Henrique Mascarenhas. É meia-noite. O Professor Henrique, o Coronel Guimarães e Elisa chegam e entram. Elisa, com seu lindo vestido e joias, tira a rica capa de baile e põe, junto com o leque, em cima do piano ou de alguma mesa. Senta-se silenciosa e pensativa. Henrique e o coronel vão tirando os paletós e jogando em qualquer parte.
CORONEL: – Dona Cândida vai ficar furiosa com os paletós jogados pela sala.
HENRIQUE: – Pior para ela! Amanhã ela arruma tudo. Mas… onde estarão meus chinelos?
(Elisa o encara, sombria, e sai em busca dos chinelos. Ela os traz, põe diante de Henrique e volta a se sentar sem dizer palavra.)
HENRIQUE (bocejando): – Diabo, que noite! Quanta gente! Quantos imbecis! Ué! Meus chinelos aqui!
CORONEL: – Caramba, o dia foi de matar. Primeiro a recepção com o baile, depois o banquete, e depois a ópera! Henrique, você estava nervoso, mas ganhou a aposta. Elisa enganou a todos na perfeição!
HENRIQUE: – Ufa! Nem acredito que acabamos com isso!
(Elisa abaixa a cabeça nas mãos, mas eles nem percebem.)
HENRIQUE: – Meu nervoso era mais cansaço deste longo período de esforços. Se não fosse a aposta, eu já teria mandado tudo às favas. Que aposta boba nós fizemos.
CORONEL: – Mas a recepção foi um espetáculo impressionante.
HENRIQUE: – E o banquete foi uma chatice. Tive de me sentar ao lado de uns idiotas, ouvindo asneiras à esquerda e à direita. Noutra dessas é que não me meto. Basta de fabricar grã-finas artificialmente! Graças a Deus está tudo acabado, e já posso dormir com sossego.
(Elisa está cada vez mais furiosa. Levanta o rosto e os encara fingindo calma.)
CORONEL: – Também vou me deitar. Mas foi um autêntico triunfo! Boa noite, Elisa! (sai)
HENRIQUE: – Boa noite, Elisa. Diga à dona Cândida que amanhã não quero café, quero chá. E apague a luz! (esquece os chinelos e sai descalço)
(Elisa abandona-se à sua raiva, ajoelha no chão, onde bate com os punhos, furiosamente.)
HENRIQUE (voltando): – Diabos! Onde terei deixado os chinelos?
(Elisa pega os chinelos e atira um atrás do outro em Henrique com toda a força.)
ELISA: – Estão aqui seus chinelos! Aqui! Toma!
HENRIQUE: – Diabos! Que é isso? Vamos, levante-se. Que foi que aconteceu?
ELISA: – Para você não aconteceu nada. Ganhou a aposta às minhas custas, não foi? E eu não tenho importância alguma, seu bruto, seu egoísta! Agora que terminou a experiência, você se alegra porque me pode jogar de novo na lama, não é?
HENRIQUE: – Que ideia é essa de atirar os chinelos em cima de mim, inseto presunçoso?
(Elisa dá um grito de raiva sufocada e avança para Henrique como se fosse arranhá-lo.)
HENRIQUE (agarra-a pelos pulsos): – Ah, o inseto gosta de arranhar! Vamos, sente-se e fique quieta. (empurra-a para uma poltrona.)
ELISA (aniquilada): – Meu Deus! Que será de mim? Eu sei que você não se importa nem que eu morra. Para você eu valho menos que esses chinelos.
HENRIQUE (um pouco sem graça): – Mas alguém aqui maltratou você? O Coronel Guimarães? Dona Cândida? Eu?
ELISA: – Não.
HENRIQUE: – E não foi você mesma que veio até aqui pedir as aulas?
ELISA: – Foi.
HENRIQUE: – Você está é cansada devido à tensão de hoje. Quer tomar alguma coisa?
ELISA: – Não, muito obrigada.
HENRIQUE: – Então vá dormir, que dormindo tudo passa. Chorar também é bom, alivia as mulheres, e reze também.
ELISA: – Eu ouvi sua reza: “Graças a Deus está tudo acabado.”
HENRIQUE: – Ora, mas agora você devia gostar de estar livre e de poder fazer o que bem entender!
ELISA (erguendo-se desesperada): – E para que é que eu sirvo? Que é que você me ensinou de útil? Fazer o quê? Ir para onde? Que será de mim, meu Deus?
HENRIQUE (compreendendo então): – Mas não será difícil agora para você arranjar-se num lugar qualquer, apesar de eu pensar que você nunca iria embora daqui. Aliás, você também podia se casar. A maioria dos homens se casa, coitadinhos. É mesmo! Mamãe é bem capaz de lhe arranjar um noivo em condições!
ELISA: – Antes eu vendia flores, não me vendia a mim mesma, casando com qualquer um.
HENRIQUE: – Pare com essas frases pomposas e absurdas. Se não quiser casar, não se case! E a loja de flores que você queria abrir? O coronel é rico, ele empresta um capital. Ora, deixe-se de coisas. Estou com um sono louco. Onde estão meus chinelos? Ah, achei.
ELISA: – Antes que suba, eu queria saber se as roupas que estou usando são minhas ou do coronel, que pagou por elas.
HENRIQUE: – Para que haveria o coronel de querer essas roupas?
ELISA: – Para utilizá-la com a próxima vítima de suas experiências…
HENRIQUE: – Elisa você está nos ofendendo!
ELISA: – Preciso saber o que posso levar comigo. Não quero que me chamem de ladra. Sabe como é, preciso agir com prudência, porque a corda sempre arrebenta do lado mais fraco.
HENRIQUE: – Criatura sem sentimentos! Você pode levar tudo, sua ingrata, menos as joias, que foram alugadas.
ELISA (saboreia o aborrecimento que lhe causa e tira as joias, colar, brincos, pulseira): – Pois guarde todas para que fiquem em segurança. (entrega as joias)
HENRIQUE (furioso): – Se fossem minhas eu te obrigava a engolir todas, demônio! (mete-as no bolso de qualquer jeito)
ELISA (entregando um anel): – Este anel que o senhor me comprou. Já não preciso mais dele.
(Henrique atira o anel no chão com violência e se aproxima de Elisa com ar tão ameaçador, que ela se esconde atrás do piano ou da mesa.)
ELISA (grita): – Não me bata! Não se atreva!
HENRIQUE: – Bater em você, criatura execrável? Foi você quem me maltratou, quem feriu meu coração. Por hoje basta, vou para a cama!
ELISA (continuando a espicaçá-lo): – Deixe um bilhetinho para dona Cândida, dizendo a que horas o senhor quer se levantar amanhã. Eu não estarei aqui para dar nenhum recado.
HENRIQUE: – Dona Cândida que vá pro inferno! E você! E eu, por ter gasto minha inteligência com um miserável inseto da lama como você!
(Ele sai com atitude de superioridade. Elisa sorri e exprime seus sentimentos numa agitada pantomima em que imita a saída de Henrique e seu próprio triunfo. Finalmente se ajoelha e procura o anel pelo chão.)
QUINTO ATO
Sala de dona Joanita Mascarenhas. Ela está escrevendo, diante de sua mesinha. Entra a criada Dalva.
DALVA: – O professor Henrique e o coronel Guimarães estão aí na saleta de entrada, telefonando para a polícia. O professor Henrique está uma fúria! Achei melhor avisar a senhora.
DONA JOANITA: – Se você me dissesse que o Henrique estava calmo, quem ficava nervosa era eu. Olhe, Dalva, vá lá em cima e diga à Elisa que eles estão aqui e que ela só desça quando eu chamar.
DALVA: – Sim, senhora. (sai)
HENRIQUE (entra precipitadamente): – Diabo! Isso é um inferno, Mamãe!
DONA JOANITA: – Primeiro, bom-dia, meu filho. (Henrique reprime a impaciência e dá-lhe um beijo) Que aconteceu?
HENRIQUE: – A Elisa sumiu.
DONA JOANITA (calmamente): – Com certeza você a assustou.
HENRIQUE: – Eu? Que bobagem! Ontem à noite, como sempre, encarreguei-a de umas coisas sem importância, como apagar as luzes e nem sei mais o quê. E ela, em vez de obedecer e ir dormir, trocou de roupa, juntou todas as suas coisas e saiu de casa. Dona Cândida viu e não me disse nada. Agora, que é que eu faço?
DONA JOANITA: – Viva sem ela, ora essa! Ela tem o direito de sair de sua casa, se achar melhor.
HENRIQUE (andando agitadamente pela sala): – Mas eu não acho mais as minhas coisas! Não sei mais que compromissos marquei!
(O coronel entra e cumprimenta dona Joanita, apertando-lhe a mão.)
CORONEL: – Bom dia, dona Joanita… Com certeza o Henrique já lhe contou o sucedido. (senta-se no canapé)
HENRIQUE: – E o idiota do investigador, que é que disse? Você lhe prometeu a gratificação?
DONA JOANITA (erguendo-se indignada): – Francamente! Com que direito vocês foram à polícia dar o nome dessa moça, como se ela fosse uma ladra ou um guarda-chuva perdido?
DALVA (entra): – Professor Henrique, está aí um homem querendo falar com o senhor. Diz que, de sua casa, o mandaram aqui.
HENRIQUE: – Oh, que amolação! Quem é?
DALVA: – Ele diz que se chama Garapa.
CORONEL: – Garapa, um carroceiro?
DALVA: – Acho que não, pois está muito bem-vestido.
HENRIQUE (agitadíssimo): – Caramba! Deve ser algum parente da Elisa, em casa de quem ela se foi refugiar. Mande-o entrar, depressa! (Dalva sai.) Será que ela tem algum parente rico?
DALVA (anuncia): – O senhor Garapa.
(Entra Eliseu Garapa vestido de terno, na última moda. Nem repara em dona Joanita. Vai direto a Henrique a quem se dirige censurando, zangado.)
GARAPA (mostrando-se): – Tá veno isto, num tá? Tá veno bem?… Pois ocê é que é curpado de tudo!
CORONEL: – Já sei! Foi a Elisa quem lhe comprou essa roupa.
GARAPA: – Quar Elisa, quar nada! A mó de quê ela ia me dá essas coisa?
DONA JOANITA: – Bom dia, seu Garapa. Não quer sentar-se?
GARAPA: – Descurpe, tô tão zonzo da cabeça que nem arreparei na siora. Munto gardecido! (senta-se no canapé, ao lado do coronel)
HENRIQUE: – Quer dizer que o senhor encontrou a Elisa?
GARAPA: – Ah! Qué dizê intão qui o sinhô perdeu ela?
HENRIQUE: – Ela sumiu.
GARAPA: – Eu num encontrei ela, mas tenho certeza que logo ela vai me encontrá, dispois do que ocê me feiz.
DONA JOANITA: – Mas que foi que meu filho lhe fez?
GARAPA: – Ele me arruinô, distruiu minha filicidade!
HENRIQUE: – Você bebeu? Só vi sua fuça três vezes. Da primeira vez lhe dei cem reais, e suas outras duas visitas me custaram duzentos cada uma! E foi só!
GARAPA: – Mas ocê escreveu ou num escreveu prum ricaço americano já meio caduco da cabeça, dono de uma sociedade num sei de quê, falano de mim?
HENRIQUE: – Ah, o Ezra Wannafeller, presidente da Sociedade Pró-Reforma Moral do Mundo! Mas esse camarada já morreu.
GARAPA: – Isso mermo. Morreu e me matô. O sior num escreveu prele gabando as minha qualidade?
HENRIQUE: – É, agora me lembro de ter feito uma brincadeira idiota, logo depois de sua visita. Disse que havia aqui um simples carroceiro chamado Eliseu Garapa, que era o moralista mais original que eu conhecia. Nem sei por que besteira eu fiz isso.
GARAPA: – Bestera mermo! Bestera que tá me levando pru caxão. (Tira um papel do bolso e dá a Henrique) Lê essa carta que me mandaro.
HENRIQUE (levanta-se e lê): – Isso não é carta, Garapa, é um testamento feito pelo milionário e já traduzido. “Tarará… etc… etc… no intuito de disseminar os princípios morais sem dar atenção às diferenças de classe, lego ao senhor Eliseu Garapa, carroceiro, mil e duzentas ações da minha Companhia “Ao Queijo Pré-Digerido”, que rendem dez mil dólares por ano, sendo que apenas seus juros serão entregues anualmente ao legatário Eliseu Garapa, contanto que ele faça uma conferência por mês sobre Moral e abra uma filial da Sociedade no Brasil.” Ha-ha-ha! Não deixa de ser engraçado.
GARAPA: – Engraçado procê. Eu num pedi pra sê rico! Tava tão sastifeito com minha vidinha. Quando precisava de uns cobre, eu dava facada em arguém, como fiz cum ocês e pronto. Agora a coisa virô. Eu que vô leva facada de tudo mundo. De antes, eu só tinha dois o treis parente que num queria me vê nem pintado. Agora, surge parente de todo canto, e tudo desempregado, tudo pronto.
DONA JOANITA: – Mas ninguém o pode forçar a receber esse legado. Basta recusá-lo, não é, coronel?
CORONEL: – Perfeitamente.
GARAPA (adoçando o tom em atenção a dona Joanita): – Isso é fácir de fala. Cadê corage de num querê dinhero, dona? A velhice é dura, e adispois eu vô pará no asilo. E eu num tenho corage de escoiê o asilo. Tenho de garrá essa vida de ricaço. Foi só pra isso que seu fio me serviu!
DONA JOANITA: – Seu Garapa, isso resolve o problema da Elisa. O senhor agora vai poder sustentá-la.
GARAPA (melancolicamente): – Sim, siora. Eu agora tenho mermo de sustentá tudo mundo.
HENRIQUE: – Nada disso. Garapa, você é um homem honesto ou um canalha?
GARAPA: – Um pouco de cada um, como tudo o mundo.
HENRIQUE: – A Elisa não lhe pertence mais. Paguei 500 reais por ela.
DONA JOANITA: – Não diga absurdos, Henrique! Você quer saber onde está Elisa? Pois bem. Está aqui. Ela me contou a brutalidade com que você a tratou.
HENRIQUE (dando um pulo): – Brutalidade?!
CORONEL: – Henrique, você implicou com ela depois que fui dormir?
HENRIQUE: – Eu? Ao contrário! Ela é que me atirou os chinelos na cara e se portou de modo vergonhoso.
DONA JOANITA: – Eu sei de tudo o que se passou. Ela se dedicou ao estudo e, quando chegou o grande dia, em que ela não cometeu o menor erro, vocês ficaram proclamando que estavam muito felizes por tudo ter terminado e quanto fora idiota a aposta que fizeram. Se fosse comigo, eu não tinha jogado os chinelos, mas sim um vaso pesado em sua cabeça. Vocês não foram capazes nem de elogiar ou agradecer seu desempenho.
HENRIQUE: – Isso tudo ela sabia. Claro que não fizemos nenhum discurso de parabéns.
DONA JOANITA: – Ela não quer voltar para a companhia de vocês, mas se comprometeu a revê-los em termos amistosos, pronta para esquecer o passado.
HENRIQUE: – Demônios! Isso é demais!
DONA JOANITA: – Se você promete se comportar direitinho, eu chamo Elisa aqui, senão, podem ir voltando para casa, que já me tomaram muito tempo.
HENRIQUE: – Vamos conversar com boas maneiras com a criatura que tiramos da lama. (joga-se na poltrona, com raiva)
GARAPA: – Ah, professor Henrique, arrespeite as pessoa da nossa posição!
DONA JOANITA: – Seu Garapa, dá para o senhor esperar um pouco na saleta, para Elisa não se espantar com sua figura, e poder conversar com meu filho?
GARAPA: – A siora manda, dona. (sai)
(Elisa é chamada e aparece com uma cestinha de costura, parecendo estar em casa.)
ELISA: – Como vai, professor Henrique, e o senhor, coronel? (cumprimenta os dois, senta-se e começa a bordar.)
HENRIQUE: – Não me venha com esse jogo para cima de mim. Vamos, voltemos para casa e não se faça de idiota!
DONA JOANITA: – Henrique!
HENRIQUE: – Não se intrometa, Mamãe. Fui eu quem criou essa coisa com detritos de esgoto, e ela agora se dá ares de grande dama!
ELISA: – Espero, coronel, que o senhor venha me visitar sempre, agora que a experiência terminou. Devo-lhe gratidão, não quero que me esqueça. Porque deve ser fácil esquecer uma coisa feita de detritos de esgoto.
CORONEL: – Não diga isso, Elisa.
HENRIQUE: – Demônio amaldiçoado!
ELISA: – O senhor sempre me tratou como uma senhorita, com todo o respeito. Agora sei que a diferença entre uma dama e uma florista de rua não é tanto pela maneira como ela se porta, mas pela maneira como é tratada.
CORONEL: – O jeito dele é esse, Elisa! Ele diz as coisas sem más intenções.
ELISA: – Eu também usava minha linguagem de esgoto sem má intenção.
CORONEL: – Mas foi ele quem lhe ensinou o modo correto de falar.
ELISA: – Ora, é a profissão dele. E, para o Professor Henrique eu serei sempre uma florista de rua, e para o senhor eu posso ser uma dama, porque o senhor me trata como uma.
HENRIQUE: – Víbora diabólica!
DONA JOANITA: – Henrique, que é isso?
CORONEL (rindo): – Por que você não briga com ele usando sua gíria, Elisa? Assim ficariam pagos.
ELISA: – Não posso. Esqueci meu próprio idioma. Talvez, se eu conviver de novo com a ralé…
HENRIQUE (erguendo-se): – Isso! Deixem que ela volte de novo para o esgoto de onde veio!
(Garapa surge da saleta e vai-se aproximando de Elisa, que não o vê porque está de costas para ele. Garapa lhe bate no ombro, e ela se volta, deixa cair a cestinha no chão ao ver o esplendor do pai.)
ELISA: – Orra, meu! Da hora!
HENRIQUE: – Olhem só! Voltou depressa pra lama!
GARAPA (a Henrique): – Ocê num deve debochá ansim da minha fia… (a Elisa): – Elisa, num me óie cum esses óio. A curpa num foi minha. Eu entrei nuns cobre.
ELISA: – Que dizer que a facada, agora, foi em algum milionário?
GARAPA: – Sim, foi. Mas ocê num sabe da pior. Estô ansim todo aperparado pruquê sua madrasta vai casá cumigo hoje. Ela garrô essas ideia de gente de famia… Elisa, vem comigo assisti o enforcamento.
CORONEL: – Vá, Elisa, para dar coragem a seu pai. Eu também vou, Garapa!
DONA JOANITA: – E eu também. Vou chamar dois táxi, para nós todos e vou me arrumar. (dona Joanita sai para se arrumar.)
CORONEL: – Antes de sair, Elisa, quero lhe pedir para fazer as pazes com o Henrique.
GARAPA: – Eles te mioraro, fia. (ao coronel): – Óie, coroné, tá na hora. Chi, tô cum um medão… (Os dois vão saindo.)
HENRIQUE (de costas para a porta para Elisa não passar): – Bem, Elisa, você não acha que já se vingou bastante?
ELISA: – Você quer que eu volte só para aguentar suas cóleras, pegar seus chinelos e cuidar de seus compromissos.
HENRIQUE: – Não! Ninguém me faz falta! Mas também aprendi alguma coisa com você, e me habituei com sua voz, com sua fisionomia.
ELISA: – Você tem minha voz nos discos gravados e minha fisionomia no álbum fotográfico.
HENRIQUE: – Ou quem sabe você se casa com o coronel! (senta-se de novo no canapé)
ELISA: – O coronel é um solteirão tão empedernido quanto você. E eu tenho outro pretendente. O José Rivadavia me escreve cartas todos os dias.
HENRIQUE: – Mas que sujeitinho atrevido! Um idiota dessa espécie?
ELISA: – Ele não é idiota, e eu gosto dele e de ser amada por ele.
HENRIQUE: – E ele será capaz de fazer de você alguma coisa?
ELISA: – Eu não penso nisso e nem em fazer dele alguma coisa. Eu só quero é ser natural, e ele também.
HENRIQUE: – Em resumo: você gostaria que eu me apaixonasse por você.
ELISA: – Para você me tratar do jeito que você me trata? Nem pensar! Eu me casarei com o José, pronto!
HENRIQUE: – Que asneira! Você vai se casar é com um embaixador, um ministro! Eu não consentirei que minha obra-prima se vá perder nas mãos de um José Rivadávia!
ELISA: – Você ainda pensa que pode me tratar como se eu fosse um bebezinho? Agora eu resolvo o que faço. Serei independente! Vou ser professora!
HENRIQUE: – Professora de quê, macacos me mordam?
ELISA: – Professora daquilo que você me ensinou: fonética.
HENRIQUE (erguendo-se furioso): – Ensinar meus métodos, minhas descobertas? Experimente fazer isso, e eu lhe torço o pescoço. (agarra-a) Está ouvindo?
ELISA (desafiando-o, sem opor resistência): – Pode estrangular-me. Eu tinha a certeza de que um dia você ia acabar me batendo. (ele larga-a, furioso, e recua tão precipitadamente que cai sentado de novo no canapé) Hahaha, como fui boba! Deveria ter pensado nisso há mais tempo. Agora você não poderá tirar de mim o que me ensinou. E depois, eu sei ser amável com as pessoas, coisa que você não sabe. Vou pôr um anúncio nos jornais dizendo que a famosa dama que você apresentou à alta sociedade não passa de uma florista de rua, e que essa florista ensinará a quem quiser tudo o que aprendeu com você. E dentro de pouco tempo estarei rica e independente! E dizer que durante meses e meses rastejei a seus pés, sendo humilhada e espezinhada. Eu merecia apanhar por ter sido tão burra!
HENRIQUE (olhando admirado para ela): – Sua ordinária! Mas, enfim, antes isso do que choramingar e viver atrás dos meus chinelos e dos meus óculos. Eu disse que faria de você uma dama e fiz mesmo. Gosto muito mais de você assim.
ELISA: – Ah, agora está todo mansinho porque já não tenho mais medo, porque posso passar perfeitamente sem a sua ajuda!
HENRIQUE: – Natural, sua cretina! Você era uma pedra no meu caminho, agora é uma torre sólida. Eu, você e o coronel faremos um formidável trio de solteirões amigos, em vez de sermos apenas dois homens e uma pequena idiota.
DONA JOANITA (aparecendo pronta): – Vamos, Elisa. O táxi nos espera.
ELISA: – Podemos ir. O professor Henrique não vai?
DONA JOANITA: – Não, pelo amor de Deus! Ele começa a criticar o padre em voz alta! (a Henrique): – Até logo, querido!
HENRIQUE (beija a mãe): – Até logo! (para Elisa, mostrando que continua o mesmo): – Ah, Elisa, no caminho você me compre 250 gramas de presunto, e passe no joalheiro para ver se está pronto meu alfinete de gravata!
ELISA (desdenhosamente): – Você mesmo vai ter que fazer tudo isso. (Sai com dona Joanita)
HENRIQUE (consigo mesmo): – Ela logo estará voltando. (ri) E pensa que vai se casar com o idiota do José Rivadávia! Com o José! Ha-ha-ha!
EPÍLOGO
Na introdução da música, Elisa está de vestidinho branco, e José, com um joelho em terra, beija sua mão, pedindo-a em casamento. A turma toda vai entrando, dançando em ritmo de marchinha e cantando alegremente, as meninas sacudindo lenços coloridos: José então pega um véu branco e põe na cabeça da noiva, e aparece ao lado sua banca de flores. A letra que fiz para a canção da dança é esta:
“Elisa, Elisa
já deu seu coração.
José até se ajoelhou
pedindo sua mão.
Dancemos, cantemos,
pois eles vão casar.
E a parentela toda vem
com eles celebrar.
A loja das flores
o coronel lhes deu.
Elisa, muito comovida,
a ele agradeceu.
Estão na corrida
da luta pela vida,
com tanta força e valentia,
amor e alegria.”
FIM
Sobre a escolha e o envio da peça
Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.
Enviamos o texto completo em PDF de uma peça gratuitamente, para escolas Waldorf e escolas públicas, assim como as respectivas partituras musicais, se houver. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça. Para outras instituições condições a combinar.
A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.