4 de maio de 2017

A bola de cristal

 

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Conto dos irmãos Grimm, traduzido por Ruth Salles e Renate Kaufmann.

Era uma vez uma feiticeira que tinha três filhos que se amavam fraternalmente; a velha, porém, não confiava neles, pensando que quisessem roubar-lhe o poder. Transformou, então, o mais velho numa águia, que teve de ir morar no alto de uma montanha rochosa; e, de vez em quando, podia-se vê-lo descrever grandes círculos no ar, para cima e para baixo.

O segundo ela transformou numa baleia, que vivia nas profundezas do mar; e só se podia vê-lo quando ele, por vezes, esguichava um forte jato de água para cima. Ambos assumiam sua forma humana apenas duas vezes por dia.

O terceiro filho, temendo que ela também o transformasse num animal feroz, saiu de casa às escondidas. Ora, ele ouvira contar que no Castelo do Sol Dourado havia uma princesa encantada aguardando sua libertação. Todo aquele, porém, que tentasse libertá-la era obrigado a arriscar a vida, e já vinte e três jovens tinham morrido de morte horrível; só mais um poderia tentar, e depois a mais ninguém seria permitido.

Como seu coração nada temesse, tomou o mancebo a resolução de procurar aquele castelo. Vagava ele pelos arredores, já há bastante tempo, sem conseguir encontrá-lo, quando se viu numa grande floresta e não sabia onde era a saída. De súbito, avistou ao longe dois gigantes que lhe acenaram com a mão e, assim que ele se aproximou, disseram-lhe:

– Estamos lutando por causa de um chapéu, para saber a quem deve pertencer; como temos a mesma força, nenhum pode subjugar o outro; os homens pequenos são mais inteligentes que nós, por isso queremos deixar para ti a decisão.

– Como podeis brigar por causa de um chapéu velho? – perguntou o mancebo.

– Tu não sabes as virtudes que ele tem; é um chapéu mágico, e quem o puser na cabeça pode desejar ir aonde quiser e, no mesmo instante, estará lá.

Disse então o mancebo:

– Dai-me o chapéu! Andarei um pedaço do caminho e, quando eu vos chamar, começai a correr; e o chapéu será daquele que me alcançar primeiro.

Pondo o chapéu na cabeça, ele saiu andando, mas, com o pensamento na princesa, esqueceu os gigantes e continuou a andar. Ora, aconteceu que suspirando do fundo do coração, ele exclamou:

– Ah, se eu estivesse no Castelo do Sol Dourado!

Nem bem falara, encontrou-se no cimo de um alto monte, diante dos portões do castelo.
Ele atravessou todos os aposentos, até que no último encontrou a princesa. Mas que susto levou ao olhar para ela: tinha um rosto cor de cinza, cheio de rugas, olhos baços e cabelos vermelhos.

– Sois vós a princesa cuja beleza todo mundo enaltece? – exclamou.

– Ah! – respondeu ela – esta não é minha aparência, os olhos humanos só me podem ver neste feio aspecto; mas, para que saibas como sou, olha neste espelho; ele não se deixa enganar e mostra minha verdadeira imagem.

Ela pôs em sua mão o espelho, onde o mancebo viu refletido o retrato da mais linda donzela do mundo, e viu como, de tanta tristeza, as lágrimas lhe rolavam pelas faces. Então, ele disse:

– Como podeis ser salva? Eu não tenho medo de perigo algum.

Respondeu ela:

– Quem conseguir a bola de cristal e apresentá-la ao feiticeiro quebrará seu poder, e eu retorno à minha forma verdadeira. Ah! – continuou – por causa disso, vários já foram ao encontro da morte, e tu, tão jovem, tenho pena que te exponhas a tão grandes perigos.

– Nada me pode deter – disse ele – mas dizei-me o que devo fazer.

– Saberás de tudo – ela respondeu. – Descendo do monte onde está o castelo, encontrarás embaixo, junto a uma fonte, um touro selvagem, e com ele deves lutar. Se tiveres a sorte de matá-lo, de dentro dele se erguerá um pássaro de fogo, que leva em seu corpo um ovo incandescente, e esse ovo tem como gema a bola de cristal. O pássaro, porém, não solta o ovo senão quando é forçado a isso; e, se porventura o ovo cai no chão, incendeia-se, e queima tudo ao seu redor, e se derrete e, com ele, a bola de cristal; e todo seu esforço terá sido em vão.

Desceu o mancebo à fonte, onde o boi bufava e bramava para ele. Depois de demorada luta, ele o derrubou. Num piscar de olhos, ergueu-se de dentro o pássaro de fogo e quis alçar vôo; mas a águia, que era o irmão do mancebo e que estava voando por entre as nuvens, precipitou-se sobre ele, perseguindo-o até o mar, e bicou-o até que ele deixou que se soltasse o ovo. Este, porém, não caiu no mar e sim sobre uma cabana de pescador situada na margem, a qual logo começou a fumegar, prestes a ser consumida pelas chamas. Ergueram-se então do mar ondas enormes que, inundando a cabana, dominaram o fogo. O outro irmão, que era a baleia, viera nadando e impulsionara para cima a água. Tendo o fogo sido apagado, o mancebo procurou pelo ovo e, por felicidade, encontrou-o. Ele não se havia derretido, mas a casca, devido ao súbito choque com a água fria, rachara-se, e a bola de cristal pôde ser retirada intacta.

Indo o mancebo apresentá-la ao feiticeiro, este lhe disse:

– Meu poder está desfeito e, de hoje em diante, és o rei do Castelo do Sol Dourado. Com isso, também poderás devolver a teus irmãos a forma humana.

Correu então o mancebo ao encontro da princesa e, ao entrar em seus aposentos, ela lá estava em todo o esplendor de sua beleza. E ambos, cheios de alegria, trocaram seus anéis.

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