14 de março de 2018

Akhenáton (Da Dinastia Egípcia)

 

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peça de Ruth Salles

Esta é uma adaptação da peça “Da Dinastia Egípcia”, de Wilma Schuvadener, traduzida pela professora Gisela Bremberger. Ela trata de um período inédito na história do Egito, em que um faraó dissidente tenta cultuar o deus Áton (o “disco solar”), em lugar de Amon e de outros deuses, e acaba sendo morto por isso. Esse faraó chamava-se antes Amenófis (“Amon está satisfeito”) e mudou seu nome para Akhenáton (“Espírito atuante de Áton”). Foi casado com a bela rainha Nefertiti, e ambos tiveram várias filhas, uma das quais se casou com o futuro faraó, Tutancâmon. Figura estranha e única na dinastia egípcia, Akhenáton nos deixou um belíssimo hino ao sol. Ele foi considerado um monoteísta antes de Moisés, um cristão antes de Cristo. Por isso mesmo, a autora faz surgir subitamente na peça o espírito de José do Egito, interpretando um sonho do Faraó. Ver se algum instrumento de percussão pode indicar a saída de Sakerê, a entrada dos outros grupos e a saída de José do Egito.

PERSONAGENS:
(“DA DINASTIA EGÍPCIA”)
Sakerê, escultor
Esfinge
Coro da Voz da Esfinge
1º e 2º Núbios
1º e 2º Sacerdotes
1º e 2º Escribas
Horemheb, general
1º e 2º guerreiros de Horemheb
Akhenáton, o Faraó
Meryt, sua filha
Tutancâmon, seu genro e seu sucessor
1ª e 2ª Mulheres
Demônios
José do Egito

 

De um lado da cena está a Esfinge. A seus pés Tutancâmon dorme. Do outro lado está o trono do Faraó.

SAKERÊ (com instrumentos de escultor, dirige-se à Esfinge):
– Eu trabalhei na pedra tantas noites
e enfim te terminei, ó grande Esfinge.
Tu resplandeces ao olhar do mundo.
Com patas de leão, corpo de touro,
asas de águia e face de anjo ou homem,
transmite teu ensinamento a todos! (ele se inclina e se retira de costas)

TODOS (formam um coro, do qual os grupos se destacam ao chegar sua hora):
– Oh, Esfinge, mistério milenar!
Desenterraram-te todos os ventos
do Egito arcaico. Nem havia ainda
o grande Delta, e aí já te encontravas.
Onde hoje a areia do deserto insiste
em te cercar, rumorejava o mar.
Propões eternamente ao caminhante
o enigma dele mesmo em quatro faces.

CORO DA VOZ DA ESFINGE:
– Todos vós, decifrai o meu enigma!

1º NÚBIO (aproximando-se com o outro núbio):
– É de Akhenáton essa voz?
É a voz do nosso Faraó?
Que ordena ele a seu servo?

CORO DA VOZ DA ESFINGE:
– Deves trazer frutas e mel para o Faraó oferecer ao povo.

2º NÚBIO:
– O Faraó é generoso.
Por isso mesmo é venerado.
As minhas mãos, acorrentadas,
empunhavam pesado leme.
Em nome de Áton, deus solar,
Akhenáton me libertou.

(Destacam-se os sacerdotes e os guerreiros, com o general Horemheb.)

1º SACERDOTE:
– Hoje o Faraó precisa atender nosso pedido.
Ele nos deve dar seu genro Tutancâmon para ser nosso futuro regente.
Tutancâmon empossará de novo o deus Amon e todos os outros deuses!

2º SACERDOTE:
– O Faraó não ama nossos deuses!
Só se submete às suas próprias leis.
Nem sequer imagens de deuses enfeitam nossas paredes; só imagens de camponeses, flores e aves.

1º SACERDOTE:
– Akhenáton ficou doente e fraco depois da morte da rainha Nefertiti.
Seu deus não consegue mais protegê-lo.

HOREMHEB (agressivo):
– Ele não lidera mais o país! E se não quer servir a Amon deve morrer!

1º GUERREIRO:
– Quem vejo ali dormindo junto à esfinge? É Tutancâmon, deitado na pedra como um camponês!

2º GUERREIRO:
– Os povos se corrompem quando dormem os reis. Acorda,Tutancâmon! (Tutancâmon se ergue, vacilante.)

1º NÚBIO:
– Vós não podeis ficar aqui!
Saí! Saí até que chegue
nosso bendito Faraó!

1º GUERREIRO:
– Ora, deixa-nos! Ele há de olhar com prazer seus guerreiros e os sacerdotes.
Que frutos são esses que as mulheres trazem?

1ª MULHER (destacando-se com a outra, trazendo frutas):
– Frutas e flores nós trazemos
para Áton, o deus do amor.
Graças a uma colheita farta,
os campos brilham como ouro.

2ª MULHER (com flores):
– Todo o plantio amadurece.
O rio Nilo transbordou
e, transbordando, distribui
prosperidade e vida a todos.

2º NÚBIO:
– Akhenáton, o Faraó,
hoje presenteará seu povo.

HOREMHEB:
– Vós ouvistes? O Faraó está dando de presente a colheita do Egito!

1º NÚBIO:
– Akhenáton é homem bom,
pois livrou-me do cativeiro.
Eu era um remador, escravo
de Horemheb, o general.

HOREMHEB:
– Mas Horemheb sou eu! Não me reconheces?

1º NÚBIO:
– Sim, agora eu te reconheço.

HOREMHEB:
– Pois então ajoelha-te a meus pés!

1º NÚBIO:
– O Faraó nos ensinou
os mandamentos do deus Áton:
todos os homens são iguais.

1º GUERREIRO:
– Isso não é justo.

HOREMHEB:
– Aqui reinamos nós! Anda! Obedece!

1º NÚBIO:
– Não tenho medo de morrer.
Se Horemheb quiser matar-me,
Áton me ensina a perdoá-lo.

2º GUERREIRO:
– Não sabemos perdoar. O forte domina, vence e mata.

2º NÚBIO:
– Deveis guardar vossas espadas
e ouvir Áton, o deus do sol.

HOREMHEB:
– Isso nos enche de fúria!

AKHENÁTON (destaca-se com sua filha Meryt e com os escribas e senta-se no trono; Meryt fica de pé a seu lado):
– Vinde comigo até o trono.
Quem quer falar com o Faraó?

1º ESCRIBA:
– Em primeiro lugar, os babilônios pedem dinheiro.

AKHENÁTON:
– Dá-lhes tudo de que precisam.

2º ESCRIBA:
– Os hititas, ao norte, não querem mais pagar impostos.

AKHENÁTON:
– Para quê cobrarmos impostos?
Também os animais e as plantas
vivem da bondade de Áton.

1º SACERDOTE (inclinando-se):
– Faraó! Viemos buscar Tutancâmon, teu genro e sucessor, a fim de levá-lo a servir nosso deus Amon.

AKHENÁTON:
– Isso é verdade,Tutancâmon?
Queres servir aos falsos deuses?

TUTANCÂMON (inclinando-se):
– Perdão, Faraó, quero servir ao Egito. Os sacerdotes sempre foram meus irmãos.

AKHENÁTON:
– Deves servir ao Faraó,
que o Faraó serve ao Egito.
(Ele tonteia. José do Egito se destaca do coro e aparece diante dele.)
– Mas, que é isto que vejo agora?
Parece até que estou sonhando…
Vejo os escombros da cidade.
Feras rondam o nosso templo.
Não reina mais nosso deus Áton?

JOSÉ DO EGITO:
– Posso interpretar para ti tudo o que estás vendo, Faraó!

AKHENÁTON:
– Quem és, espírito estrangeiro?

JOSÉ DO EGITO:
– José do Egito foi meu nome na terra.

AKHENÁTON:
– Pois interpreta-me este sonho.

JOSÉ DO EGITO:
– Levará muito tempo ainda até que os homens encontrem o caminho que leva ao verdadeiro deus do sol… (José se afasta de costas e some.)

DEMÔNIOS (aparecem e puxam Tutancâmon):
– Vem conosco! Vem conosco! Nós te daremos poder e te livraremos de todos os motins.
O Egito se porá a teus pés. Em todos os campos serás vitorioso!

TUTANCÂMON:
– Irei com os sacerdotes! (ele vai sendo puxado e sai com os sacerdotes)

AKHENÁTON (erguendo-se):
– Oh, volta, volta,Tutancâmon!

HOREMHEB:
– Quem impede Tutancâmon terá de morrer!

(Akhenáton e os dois núbios são apunhalados por Horemheb e seus guerreiros. Os três caem mortos no chão. Meryt corre e se debruça sobre Akhenáton.)

MERYT:
– Ah, meu pai, não nos abandones!

1º GUERREIRO:
– Agora nosso poder subjugará o Egito!

2º GUERREIRO:
– Ajuda-nos, Esfinge!
(A Esfinge, com as patas, esmaga os dois guerreiros.)

1º GUERREIRO:
– A Esfinge nos esmaga!

2º GUERREIRO:
– Os deuses nos abandonaram!
(Horemheb foge dali)

CORO DA VOZ DA ESFINGE:
– Decifra meu enigma, ó pequeno ser humano.
Por quatro caminhos eu te conduzo.
Empunha o facho luminoso do meu mistério e, na noite da terra, descobrirás tua alma celeste.
Só então sentirás o calor do grande Sol.

 

 

 

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