Impressão ou PDF

 

Theaterstück von Ruth Salles

Tafelzeichnung von Verônica Calandra Martins.

Esta peça baseia-se principalmente numa colagem de trechos dos poemas “Brasil” e “Europeu”, do poeta brasileiro Ronald de Carvalho¹, e foi feito a partir do estudo de Geografia, ou melhor, para ilustrar essa matéria. Ronald de Carvalho, apesar de estar sempre voltado para a cultura europeia, ao se incorporar ao Movimento Modernista “descobre a América”, “escuta as vozes da terra”. Seus ritmos largos e livres dão a medida do novo continente de dimensões imensas. A sonoridade de suas palavras lembra passos largos e firmes, versos espalhados como os horizontes vastos de um desbravador. Esta peça, por incluir a diferença entre os vaqueiros do sul e os do nordeste, contém também um pequeno trecho de “Correr Eguada”, conto do escritor gaúcho Simões Lopes Neto², e o poema “A Pega do Boi”, do poeta pernambucano Ascenso Ferreira.

Este último narra a pega do boi de saia, isto é, pelo rabo, como é uso no nordeste; o diálogo dos gaúchos em “Correr Eguada”, por sua vez, mostra como é a pega do boi no sul, pelo uso da boleadeira. Para o professor deixo o encargo de escolher uma dança gaúcha e uma nordestina. No fim, encontram-se um vocabulário de palavras regionais e notas a respeito da diferença entre os vaqueiros do sul e do norte, notas que tomei para me orientar e que podem servir para o professor³. Escrevi uma conversa prévia entre um vaqueiro do sul e um do nordeste para que alguns termos se expliquem melhor.

 

ZEICHEN:
Coro de gaúchos e gaúchas de um lado, nordestinos e nordestinas do outro. Um vaqueiro gaúcho e um nordestino se destacam do coro e se encontram.

 

GAÚCHO (dá dois passos para trás, de espanto):
– Eh, tchê! Que fazes aí todo vestido de
couro como se fosses uma bota gigante?

NORDESTINO:
– Ara, se achegue. Tenha medo não!
Isso é para enfrentar a caatinga seca do sertão do meu nordeste.
Lá só dá planta de espinho: facheiro, mandacaru.
Não vê minha montaria? (aponta) Aquele quartau magro ali?
Além de manta de couro de bode, também tem peitoral e joelheira.

GAÚCHO (cabeceia, pensando):
– Hum… hum…

NORDESTINO:
– Ainda mais se meu boi tresmalha e tenho
de correr atrás e fazer a péga de saia!

GAÚCHO:
– Barbaridade! Tu queres dizer que até o boi
veste malha e na hora tu vestes uma saia?

NORDESTINO:
– Ara, seu abençoado… Boi que tresmalha é boi que foge, e saia é o rabo dele.
Corro atrás, agarro o rabo dele com um puxão, ele cai, e eu também.
Mas, e você aí, todo bonitão, de onde é, e de onde vem?

GAÚCHO:
– Sou dos pampas do sul, de vasto horizonte, onde não há espinhos.
E venho da querência, do meu pago onde deixei minha prenda.

NORDESTINO:
– Ai é? Aqui, querendo, também se paga uma prenda na igreja.

GAÚCHO:
– Barbaridade, homem! Pago e querência é o lugar onde eu nasci. Prenda é minha namorada.

NORDESTINO:
– Hum…! E essa corda na sua mão é o quê, seu moço?

GAÚCHO:
– Eh, tchê, é a soga da minha boleadeira.
(sacode a soga com as bolas para mostrar)
Eu sou boleador.

NORDESTINO (coça a cabeça, como quem não entende):
– É?

GAÚCHO:
– Com a boleadeira corro atrás do meu bagual haragano…

NORDESTINO:
– É?

GAÚCHO:
– Aí, jogo a boleadeira, ela se enrola em suas pernas e pronto.

NORDESTINO:
– E que é isso de bagual fulano?

GAÚCHO:
– Haragano é um cavalo novo, arisco, que dispara. O boleador tem de ser torena.

NORDESTINO:
– Torena parece a mulher do touro.

GAÚCHO:
– Ara, tchê, torena é o gaúcho forte que corre atrás da eguada no japonal.

NORDESTINO:
– E que é que o japonês tem a ver com isso?

GAÚCHO:
– Que japonês? Japonal é o terreno onde a eguada corre.

NORDESTINO:
– Égua e cavalo.

GAÚCHO:
– É, é, é. Barbaridade!

NORDESTINO:
– Ah, seu abençoado… (os dois voltam para o coro.)

CORO (R.C.):
“– Nesta hora de sol puro
palmas paradas
pedras polidas
claridades
faíscas
cintilações
Eu ouço o canto enorme do Brasil!”

GAÚCHOS E GAÚCHAS (R.C.):
“– Ah!
os tumultos de nosso sangue temperado
em saltos e disparadas sobre pampas…
boiadas tontas…
batuques de cascos, tropel de patas,
torvelinho de chifres!
Alegria virgem das voltas que o laço dá
na coxilha verde…
Alegria de criar o caminho
com a planta do pé!”

(Neste ponto, os gaúchos cantam uma canção como “O Carreteiro” ou “Prenda Minha”; em seguida, três se destacam do coro dizendo trechos de uma conversa gaúcha, de Simões Lopes Neto.)

1º GAÚCHO (S.L.N.):
“– Ah!… Não há nada como tomar mate e
correr eguada! Era sempre um divertimento
macanudo uma volteada de baguais!”

2º GAÚCHO (para o 1º):
“– Nos campos do major Jordão, entrei uma vez numa correria macota.
Havia como dez mil baguais, cavalhada largada, que toda virou haragana, nos japonais.
Um belo dia o major resolveu fazer uma limpa naquele bicharedo alçado.”

3º GAÚCHO (também para o 1º):
“– Amigo! Quando foi aos três dias da luanova a estância estava apinhada de gauchada.
Com uns oitenta e tantos torenas, campeiros destorcidos, domadores e boleadores de fama.”

2º GAÚCHO (cutucando o 3º com o cotovelo):
“– Os campeiros vinham chegando e ia-se tocando a bagualada de cada querência.
Aos poucos ia crescendo o rodeio, que engrossava, e de repente disparava, roncando no ar como uma trovoada.”

3º GAÚCHO (ainda voltado para o 1º):
“– Então é que começava de verdade, o divertimento!
Corria-se sem parar, seis, dez, doze léguas… e no fim estava-se folheiro!”

2º GAÚCHO (fazendo o gesto do boleador):
“– Cada gaúcho ia boleando o bagual que mais lhe agradava;
os tiros de bolas cruzavam-se nos ares… e o bagual logo rodava, no enleio das sogas.”

1º GAÚCHO:
“– Barbaridade! Nem há nada como tomar mate e correr eguada! Ah, tempo…”

(Neste ponto, gaúchos e gaúchas se destacam e dançam. Depois, voltam ao coro, que continua.)

CORO (R.C.):
– Nesta hora de sol puro
eu ouço o canto enorme do Brasil!

NORDESTINOS (R.C.):
“– Eu ouço a terra que estala
no ventre quente do nordeste,
… a terra que se esboroa
e rola em surdas bolas…
e quebra-se em crostas secas,
esturricadas no Crato chato;
Eu ouço o chiar das caatingas
– trilos, pios, trinos, assobios, zumbidos,
bicos que picam, papos que estufam,
asas que zinem, zinem, rezinem,
cricris, cicios, cismas, cismas longas,
langues – caatingas debaixo do céu!”

(Neste ponto, nordestinos e nordestinas cantam o poema de Ascenso Ferreira, “A Pega do Boi”. Depois dançam o baião. Ou então dançam, depois cantam.)

NORDESTINOS (A.F.) (cantam):
“A rês tresmalhada
ouviu na quebrada
soar a toada
de alguém que aboiou:
Hô-hô-hô-hô-hô-hô-hô!

Váá!
Meu boi surubim…
Boi!
Boiato!

E logo espantada
sentindo a laçada
no mato embocou…
Atrás o vaqueiro
montando veleiro
também mergulhou…
Os cascos nas pedras
davam cada risco
que nem o corisco
de noite no céu…
Saltavam valados,
subiram oiteiros,
pisaram facheiros
e mandacarus…

Até que enfim…

No Jatobá do Catolé
bem junto a um pé de oiticoró
já do Exu na direção…
o rabo da bicha reteve na mão!
Poeiriço danado e dois vultos no chão.

Mas, baixa a poeira,
a rês mandigueira
por terra ficou…
E um grito de glória no espaço vibrou:
Hô-hô-hô-hô-hô-hô-hô!
Váá!
Meu boi surubim…
Boi!
Boiato!”

(Depois do canto e da dança, todos formam atrás de novo para terminar o coro.)

CORO (R.C.):
“– Eu ouço o tropel dos cavalos de Iguaçu…
batendo com as patas de água
na manhã de bolhas e pingos verdes;

Eu ouço a tua grave melodia,… Amazonas,
a melodia de tua onda lenta…
que se avoluma e se avoluma,
lambe o barro das barrancas…,
puxa ilhas e empurra o oceano…;

Eu ouço os arroios que riem, pulando na
garupa dos dourados gulosos;…

Eu ouço as moendas espremendo canas…
o tinir das tigelinhas nas seringueiras;
e matilhas… acuando suçuaranas e maçarocas,
e caititus tatalando as queixadas para os jacarés…

Eu ouço todo o Brasil cantando, zumbindo,
gritando, vociferando!
Redes que se balançam,
usinas que rangem… e roncam…
guindastes que giram…
trilhos que trepidam…
repiques de sinos…
tumulto de ruas
que saracoteiam sob arranha-céus,
vozes de todas as raças
que a maresia dos portos joga no sertão!

…Todas as tuas conversas, pátria morena,
correm pelo ar…
a conversa dos fazendeiros, dos mineiros,
dos operários, dos garimpeiros…

Mas o que ouço, antes de tudo, nesta hora
de sol puro
palmas paradas
pedras polidas
claridades
brilhos
faíscas
cintilações
é o canto dos teus berços, Brasil,
de todos esses teus berços, onde dorme,
com a boca escorrendo leite,
moreno, confiante,
o homem de amanhã!”

DAS ENDE

 

VOCABULÁRIO DE “CORRER EGUADA”
(CONVERSA DOS GAÚCHOS)
Bagual – cavalo novo e arisco.
Macota – grande.
Haragano e alçado – cavalo que, por andar solto, tornou-se arisco.
Japonal – terreno extenso, coberto de erva-brava.
Torena – indivíduo forte.
Boleador – o que atira as bolas ou boleadeiras.
Querência – lugar onde o gado foi criado.
Folheiro – bem disposto.
Soga – corda com que se prende o animal.

ANOTAÇÕES ( SOBRE AS DIFERENÇAS ENTRE VAQUEIROS GAÚCHOS E NORDESTINOS)

GEOGRAFIA :

Nordeste – zona da mata no litoral: terras baixas, rios e matas; dunas, salinas, coqueirais; jangadas, saveiros.
– zona intermediária: às margens dos grandes rios (São Francisco, Parnaíba); canaviais, mandioca, algodão, palmeiras (carnaúba, babaçu, dendezeiro, açaí, buriti); cacau, frutas; madeira nas serras.
– zona do sertão: chapadas e tabuleiros, rios não permanentes; caatinga (vegetação baixa e espinhenta); seca.

Rio Grande do Sul – grandes planícies cobertas de vegetação rasteira; o minuano; junto à
fronteira dos pampas argentinos, há a campanha, levemente ondulada de
coxilhas; são os campos de criação de trigo, arroz, aveia, cevada, erva-mate;
araucárias.

 

O VAQUEIRO:
Nordeste – recurvo, esmolambado, corajoso, resignado, prático.
Rio Grande do Sul – desempenado, bem arrumado, alegre, despreocupado.

A ROUPA:

Nordeste – como uma armadura para vencer o solo pedregoso e a vegetação espinhuda; gibão de couro curtido de bode ou vaqueta; colete de couro de gato pintado; perneiras de couro com joelheiras de sola; luvas e guarda-pés de pele de veado, alpercatas de couro nos pés.

Rio Grande do Sul – bombachas, botas de cano alto com chilenas (esporas grandes) com rosetas; guaiaca (cinto com coldre e garrucha e bainha com faca); camisa de lã, lenço de cor viva; poncho de lã ou de brim; chapéu de abas largas de feltro ou couro; rebenque, laço, boleadeira.

NO CAVALO:
Nordeste – peitorais e joelheiras; na sela uma manta de pele de bode.
Rio Grande do Sul – lombilho com pelego.

 

VOCABULÁRIO DOS VAQUEIROS

Nordeste:
Quartau – cavalo magro.
Vaquejada – mutirão de vaqueiros para juntar o gado para o manejo.
Pegar o boi de saia – de pé nos estribos, com uma das mãos na crina do cavalo, com a outra dá um repelão no rabo do boi, derrubando-o.
Aboiado – canto para conduzir os bois.
Estouro da boiada – corrida desvairada dos bois assustados.

Rio Grande do Sul:
Estância – fazenda.
Pago, rincão, querência – lugar onde se nasceu e viveu.
Boleadeira – três tiras de couro, tendo, nas pontas, bolas duras revestidas de couro que, jogadas às pernas do animal, o embaraçam e ele tomba.
Banhado – brejo.
Disparada – estouro do gado.

*1: CARVALHO, Ronald de. Ronald de Carvalho: Poesia e Prosa. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1977.
*2: NETO, Simões Lopes. Simões Lopes Neto. Rio de Janeiro: Livraria Agir Editora, 1977.
*3: LISBOA, Henriqueta. Antologia Poética: para a Infância e a Juventude. Rio de Janeiro: MEC / Instituto Nacional do Livro, 1961.

 

 

 

***

Teile diesen Beitrag
Facebook
zwitschern
Telegramm
WhatsApp

ABONNIEREN Sie unser Portal mit nur R$ 8,00 pro Monat

und helfen, die Waldorfpädagogik in Brasilien zu säen. Hier unterschreiben.

Höhepunkte
zusammenhängende Posts
Literatura disponível

Der Inhalt dieser Website darf für nichtkommerzielle Zwecke unter gebührender Anerkennung der Autoren und der Website verwendet und gemäß der Lizenz ohne Änderungen weitergegeben werden.
Creative Commons 4.0