uma fábula de Luis Henrique Sant’Anna*
professor na Escola Waldorf Flor do Ipê, em Três Corações MG
Era uma vez uma árvore, que nasceu no alto de um morro. E foi crescendo depressa, bem depressa e abriu uma grande copa. Por crescer assim tão rápido, com uma grande copa, nenhuma outra árvore conseguiu crescer perto dela. Ficou sozinha no alto do morro.
Era uma árvore muito grande que vivia sozinha, bem sozinha no alto do morro.
Um dia passou por ali um macaquinho. Um macaco pequeno, não desses miquinhos que vivem em bandos. Era um pouco maior: um Macaco Prego, que também estava sozinho. Veio andando meio assim, cabisbaixo, com um ar de perdido na vida… na verdade, ele estava triste.
O Macaquinho resolveu se separar do bando porque vivia brigando com todo mundo.
Quando ele viu a árvore pensou:
Mas que árvore bonita! Que árvore grande…e parece que não tem ninguém morando aqui. Eu bem podia morar nessa árvore… Nossa! Que boa ideia! Ela parece uma mansão. Ele subiu na árvore para examinar melhor: “Olha só, quantos quartos, quantos galhos. A vista é uma beleza. E ainda tem fruto. Vamos ver se é bom… Hummm! Que delícia”.
O fruto da árvore era doce e tinha um caroço duro. Na hora em que o macaquinho estava quase acabando de comer escutou um barulho no mato. Escondeu-se depressa e viu outro animal se aproximando. Era uma anta.
— O que! – pensou o macaquinho -, então essa anta acha que pode morar na minha casa? Mas de jeito nenhum.
Pegou o caroço do fruto, fez pontaria e acertou com força no focinho da anta. Continuou escondido e começou a gritar com uma voz forte e ameaçadora:
— Sai daqui sua anta feiosa…sai daqui senão eu te pego.
A anta procurou quem estava gritando com ela, não viu ninguém, ficou com medo e saiu correndo. O macaquinho deu risada e gostou da ideia. Começou a juntar pedaços de pau, pedras e os caroços da fruta da árvore. Guardava tudo num oco do tronco.
Sempre que aparecia alguém o macaquinho se escondia, começava a gritar e jogar coisas. Não deixava ninguém chegar perto da árvore.
E o lugar acabou ficando com fama de mal-assombrado pelas redondezas.
O macaco estava cada vez mais sozinho e rabugento. Não tinha amigos, não brincava com ninguém. Só se divertia quando assustava os outros e isso era cada vez mais difícil de acontecer. Ninguém mais passava por lá.
Até que um dia ele viu uma coisa muito estranha:
— Uai, mas que troço esquisito é aquele?… Parece uma pedra.
Reparou bem e viu que a pedra estava andando na direção da árvore.
— Mais que diacho…pedra não anda!
Desceu até o galho mais baixo para ver melhor. Adivinha o que era?… Isso mesmo, uma tartaruga.
O macaco ficou com uma raiva danada! Primeiro, porque alguém estava debaixo da sua árvore, segundo, porque ele tinha sido enganado.
— Ah, mas ela vai ver só. Ele pegou pedaços de pau, sementes, pedras, jogou tudo que tinha na tartaruga… xingou, fez barulho, gritou até não poder mais. Sabe o que a tartaruga fez?
Nada.
Enfiou a cabeça dentro da carapaça e ficou quietinha até o macaco se cansar. Quando ele parou, ela botou a cabeça pra fora e olhou em volta. O macaco estava tão cansado que caiu no sono e roncava de boca aberta. A Tartaruga sorriu e gostou do lugar. Achou a sombra da árvore boa, o fruto gostoso, tinha água perto… ela resolveu morar ali também.
O macaquinho acabou se acostumando com a tartaruga sempre por perto. Viu que ela era inofensiva, não conseguia subir na árvore, e quase não fazia barulho. Mesmo assim, sempre que não tinha o que fazer, ele jogava coisas tentando acertar a cabeça dela.
A tartaruga também se acostumou com o macaco.
O tempo passou, e veio uma estação de muita seca, que naquele ano foi terrível. Um, dois, três, quatro meses sem cair uma única gota d’água. Os animais passaram por sérios apuros, todos passaram fome e era difícil encontrar água para beber, até que o tempo mudou. Mas antes da primeira chuva um terrível vendaval assolou a floresta. O vento uivava pela mata. O macaquinho ficou morrendo de medo, agarrou na árvore com toda a força e fechou os olhos.
A tartaruga se enfiou na carapaça e ficou bem quietinha.
A árvore, como estava sozinha lá no alto do morro, recebeu em cheio os golpes do vento, que conseguiu arrancá-la com raiz e tudo. O macaco desesperado caiu junto com a árvore, bateu a cabeça e desmaiou. Então começou a chover, uma tempestade de verão. O macaquinho ficou desmaiado até a chuva passar. Acordou com a tartaruga falando:
— Acorda, macaco! Acorda depressa! Daqui a pouco escurece e chegam as feras: a onça, o lobo, a jaguatirica. Se te pegam assim, elas te comem vivo.
O macaco levantou apavorado, saiu correndo e foi se esconder lá na floresta. Encontrou um cantinho seguro justo na hora em que começava a anoitecer. Antes de dormir, ele pensou:
“Aquela tartaruga foi gente boa comigo. Salvou a minha vida. Podia ter ido embora e me deixado ali desmaiado. Se fosse eu, era bem capaz de sair correndo e não avisar ninguém”.
No outro dia, ele foi procurar a tartaruga, pediu desculpa meio sem jeito e agradeceu. Eles começaram a conversar e se divertiram muito.
Por fim o macaco pensou: hoje eu encontrei um amigo e foi muito legal, mas e se eu arrumar mais amigos ainda?
E aí ele começou a fazer um monte de amizades na floresta: ficou amigo dos outros macacos, dos quatis e até com o porco espinho se enturmou, apesar de nunca poder dar um abraço nele.
Sua vida ficou mais feliz. Ele estava sempre alegre porque podia brincar com um monte de gente e não era mais aquele macaco sozinho, rabugento e mal-humorado. A tartaruga também ficou contente e continuou morando perto dele.
E árvore? A árvore, quando caiu, derrubou todas as sementes que o macaco tinha guardado. E delas nasceram muitas arvorezinhas que cresceram no alto do morro. E a vida se renovou pela floresta.
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