quatro poemas de Ruth Salles
desenho de lousa da professora Verônica Calandra Martins
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Santos de Junho
– São João!
Com tua roupa de pele e um pequeno cordeiro,
eu te vejo, ó meu santo padroeiro
passeando nas margens do rio Jordão
e peço: Lava nessas águas meu coração!
Também vejo Santo Antônio, outro santo de junho,
que vem com a tocha do amor em punho!
– Eu peço um amor para mim, Santo Antônio,
e, se possível, um bom matrimônio…
Lá vai São Pedro em sua barca, remando,
pescador incansável as redes lançando.
– São Pedro, pesca minha alma e livra-a do mar revolto
e leva-a em tua barca, porque sei que vais
no rumo alegre e solto
do amor e da paz!
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São João Menino
Aqui,
na noite antiga de garoa e frio fino,
subiam balões de luz
em honra do primo de Jesus,
São João Menino.
E em nosso coração
cada balão,
subindo rápido e em linha reta,
era o próprio João Menino
se transformando em João Profeta.
Era o profeta
que parecia o clarão da madrugada,
antecedendo a chegada
do grande Sol nascente, da maior luz:
o Cristo Jesus.
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São João , meu São João
– São João, meu São João,
acende uma fogueira em meu coração!
Eu quero em mim o calor
do mais paciente e ardente amor,
para me unir em comunhão
a cada irmã, a cada irmão.
Que a batata assada na brasa alimente
quem quer que esteja aqui presente!
Que os doces feitos dos frutos da terra
transmitam a força que ela encerra!
Que as danças todas que vamos dançar
espalhem nossa alegria pelo ar!
Que suba ao céu, nas fagulhas da fogueira,
nosso fogo de amor pela terra inteira!
Êh, jongo africano!
Êh, cateretê tão brasil!
Êh, coco, ensinando
o trabalho febril!
Êh, dança do fandango,
e a cirandinha, sinhá,
e a quadrilha, viajando
de longe até cá!
Com uma coroinha de melão,
de cravo e rosa e manjericão,
e mais um galhinho de arruda para me proteger,
lavo-me no rio puro que vejo correr
no coração de todos os que aqui estão.
E com as crendices do alho e do tição
estará abençoada esta plantação
em que semeio e colho alegria
nesta festa de São João.
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Cantigas de São João
“O céu é tão lindo
e a noite é tão boa…”
Da janela presente onde contemplo
tantas noites belas,
sonho mergulhar nesses quintais que vejo,
de clarões vermelhos.
“Chegou a hora da fogueira,
é noite de São João…”
Tesoura em papel de seda, panela de goma,
cores pelo chão, e a meninada
era só riso e corrida batendo portas…
E a tarde era toda ruídos cálidos
chamando a noite…
“Pula a fogueira, Iaiá!
Pula a fogueira Ioiô!”
Ah, São João n’algum mastro!
Subúrbio! O céu mais perto!
Cantiga assoprando a fogueira bem alto…
Fogueira estalando cantiga em fagulhas…
“Cuidado para não se queimar!
Olha que a fogueira já queimou o meu amor!”
Na manhã seguinte, a meninada
escorregava um cansaço para fora da cama…
E ficava a sonhar com a véspera,
olhando as bandeirolas desbotadas.
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