21 de maio de 2020

Teatro para crianças de 6 a 7 anos – orientações pedagógicas

 

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A criança de 7 anos

Por Cristina Maria Brigagão Abalos, Dora Regina Zorzetto Garcia e Vilma Lúcia Furtado Paschoa.

Em seu faz-de-conta, a criança de 7 anos consegue ser o vento ao se movimentar, crescer como a plantinha, ser o sapo que pula ou o pássaro que voa. Nesta idade, a criança ainda se sente una com o mundo ao seu redor e, em especial, integrada na Natureza. Assim, falar sobre plantas e animais é como que falar sobre ela mesma. Ela ainda não desenvolveu a percepção de ser um indivíduo, de sentir e agir diferenciadamente daquilo que a cerca.

A criança vive ainda mergulhada no mundo da fantasia, revelado em suas brincadeiras, mas o brincar da criança é seu trabalho, é coisa muito séria que não está separada de qualquer outra atividade. É no brincar que a criança percebe suas possibilidades corpóreas, explora o mundo ao seu redor e estabelece relações com ele. Ela não está pronta para receber explicações teóricas: tudo nela é atividade. Uma característica marcante de seu comportamento é a capacidade de imitação: gestos, postura, maneira de falar, vocabulário, enfim, ela tende a imitar com facilidade tudo o que percebe no adulto que convive com ela. Quanto à fantasia, cabe aos educadores cuidarem para que se desenvolva de forma saudável, mantendo uma relação estreita com a realidade, para que fantasia não se transforme em fantasmagoria. A imaginação e a fantasia despertam o interesse da criança pelo mundo que, mais tarde, ela entenderá pelo raciocínio lógico.

Onde a fantasia surge com maior intensidade? A fantasia criativa surge mais intensamente nos momentos de pausa, nos pequenos silêncios que criamos no transcorrer de qualquer atividade, no escutar, ainda que seja o escutar apenas do próprio interior. Os educadores precisam estar atentos e não só deixar que estas pausas aconteçam, mas criar oportunidades para que elas surjam, pois fazem parte indispensável de um ritmo, de uma respiração: é nestes momentos, quando a atenção não é solicitada para o exterior, que a fantasia atua internamente. Por outro lado, a fantasia também surge na ação ruidosa, na espontaneidade que a criança traz em sua natureza lúdica — e, muitas vezes, cômica — e que nos surpreende com soluções inesperadas e criativas.

Após estas considerações, pode-se dizer que o mundo da criança de 7 anos é um teatro constante, um contínuo faz-de-conta. O papel do educador é, em sua essência, organizar este mundo e configurá-lo de forma a explorar saudavelmente todas as suas possibilidades. Como? Uma das maneiras é através do teatro, tal como o entendemos neste contexto.

O TEATRO PARA CRIANÇAS DE 6 a 7 ANOS

Com crianças dessa idade, sugerimos trabalhar com contos de fadas. Durante todo o ano, eles podem ser narrados diariamente, integralmente ou em partes, dependendo da extensão. As imagens destes contos de fadas formam como que um pano de fundo, sobre o qual se desenrolam todos os assuntos, de que queremos tratar nesta idade, como extensões dos contos. Muitos deles estão aqui em forma de peça teatral.

O PROCESSO DE MONTAGEM

Após a escolha da peça, primeiro a história é contada às crianças duas ou até três vezes em dias diferentes. As histórias não são lidas para as crianças, pois quando se lê, o livro constitui uma barreira entre o professor e os alunos, além de possuir uma linguagem que não é usada no dia-a-dia das aulas. Contar uma história olhando para as crianças permite observar suas expressões faciais, que revelam de que forma a história está atingindo cada uma e, assim, estabelecer uma comunicação direta com cada aluno, usando as expressões que são próprias do professor. Neste momento, este contato pessoal é mais importante que a linguagem literária, cujas qualidades estarão presentes no desenrolar dos ensaios e na memorização do texto. Ainda não é preciso dizer à classe que a história será dramatizada, mas apenas deixar que as crianças vivenciem as imagens.

Depois, em outro dia, os alunos fazem a retrospectiva da história (agora eles contam) e, por exemplo, desenham partes dela .Os desenhos podem ser colocados nas paredes da sala de aula e observados por todos (não criticados): o professor ressalta os aspectos positivos e, se for o caso, orienta o que pode ser melhorado. Podem também pintar, reproduzindo através das qualidades das cores os sentimentos que surgiram.

Agora os alunos já estão mais envolvidos com as imagens, e o professor seleciona alguns trechos e algumas músicas e os insere na parte rítmica da aula.

Que é a parte rítmica?

A cada dia, quando as crianças chegam na sala de aula, vêm de ambientes diferentes e se apresentam num estado de ânimo especial: algumas chegam esbaforidas porque estavam atrasadas, outras cansadas, pois pegaram muito trânsito, outras assistiram uma briga entre os pais ou coisas ainda piores. Elas não estão prontas para a aprendizagem. A função principal da parte rítmica é harmonizar estas crianças e dispô-las para a aprendizagem. Um poema, por menor e mais simples que seja, dito em coro no início do dia escolar, por exemplo, ajuda a aliviar a dispersão dos alunos e levá-los a sentir que fazem parte de um todo. De forma lúdica e alegre, ensinam-se exercícios de ritmo, com poesias e canções – que até podem fazer parte de uma futura peça – executados por todos, com palmas, gestos, movimento, “afinando” a turma. Assim se trabalham o esquema corporal, espacialidade, dicção, atenção, integração social, e muitos outros aspectos. Esse início de aula, que chamamos de parte rítmica, é repetida, dessa forma, por três ou quatro semanas, quando então alguma coisa é mudada, não tudo de uma vez, isto é, substitui-se uma poesia por outra nova, depois uma música e assim por diante, acompanhando os temas trabalhados em classe, a matéria. A longo prazo, o trabalho rítmico desenvolve qualidades e cria disposições e habilidades para o trabalho teatral.

Nos três primeiros anos escolares é importante que a parte rítmica seja realizada em roda, com as crianças em pé e livres para se movimentarem. O círculo é a forma perfeita que integra a todos, e onde cada um enxerga o todo.

Pois bem: o professor então insere trechos da peça escolhida nesta parte rítmica, sempre com gestos simples, amplos, expressivos, e os repete diariamente. Aos poucos, a criança vai assimilando e dando seu caráter pessoal, criando novas formas de expressar o texto. Assim a peça já está sendo montada, e as crianças já a estão memorizando, com muito entusiasmo e animação. De maneira lúdica, trabalha-se orientando gestos, postura e expressão corporal, além de linguagem e articulação, memória, entonação e ritmo da fala. Para tanto, é necessário que, antes, o professor tenha decorado os versos e canções que ensina aos alunos e treinado os gestos. Tudo deve ser bem pensado e preparado, assim haverá segurança na orientação.

A LINGUAGEM

A linguagem também é fundamental quando se fala de teatro e de educação. Ao escolher uma peça ou uma poesia, o professor precisa cuidar para apresentar uma linguagem rica, bonita, correta e rítmica, além de preferencialmente rimada, em especial para o 1º ano. As rimas facilitam a memorização e dão musicalidade à fala.

O professor não deve evitar termos mais difíceis e nem ficar preocupado em explicá-los. As crianças ampliarão seu vocabulário e entenderão o significado através do contexto e da vivência das imagens. Ao longo do tempo, o professor verifica se as palavras foram compreendidas e, se necessário, dá a explicação. Muitas explicações intelectuais destroem a vivência das imagens.

No 1º ano, todas as crianças decoram tudo, a peça inteira. Nenhuma fala deve ser individual, pois, como foi exposto antes, as crianças ainda vivem no todo e talvez fossem precocemente expostas como indivíduos diante de uma plateia. O professor deve julgar o que é melhor para seus alunos, mas aconselhamos que cada personagem seja interpretado em coro, ou seja, por um grupo de crianças caracterizadas com as mesmas vestes e cores.

MÚSICAS

As músicas utilizadas nas peças de 1º ano devem ter melodias simples e curtas. Às vezes apenas pequenos e puros sons produzidos por instrumentos bem simples (sininho, coquinhos, metalofones etc.) já produzem um efeito sonoro no momento certo e ajudam a criar uma atmosfera, um momento de pausa, ou a sinalizar algo que vai acontecer. O próprio professor pode realizar estes sons ou aquele aluno mais tímido, que ainda não está seguro para aparecer em cena. A sonorização de cena também pode ser feita com elementos da natureza, como folhas secas, pedrinhas etc, ou por objetos do cotidiano, como latões, papel celofane etc. Claro que é muito importante que as crianças cantem, e até cirandas e cantigas de roda podem ser introduzidas numa peça. Depende da escolha do momento certo. Sugerimos que a maior parte dos comandos dados pelo professor nas primeiras séries, sejam transmitidos cantando melodias bem simples. A música é fundamental para harmonizar o ambiente e desenvolver o ritmo nas atividades. *

* O som dos aparelhos eletrônicos sempre apresenta distorções, o que não é muito adequado numa idade em que a criança está refinando sua capacidade auditiva. Além disso, as músicas estão prontas, poupando qualquer esforço da criança para se desenvolver neste sentido. Acrescente-se a isto o fato de que, por mais cuidados que se tenha, é difícil encontrar algo pronto que se encaixe perfeitamente na peça que está sendo montada, o que acaba criando uma situação artificial.

PAPÉIS

A peça, portanto, vai sendo montada em partes, todos os dias, na parte rítmica da aula. Todos se exercitam, interpretam e memorizam tudo. A escolha dos papéis fica para o fim, e é importante que o professor a faça. Esta é uma atividade pedagógica, e as escolhas de papéis não podem ser aleatórias. Pode-se escolher um aluno para fazer um determinado papel porque se parece com aquele personagem, ou porque será um desafio para ele. Deve-se sempre ter em mente: – De quê este aluno precisa? – Quais as suas aptidões?

CENÁRIO E FIGURINOS

Agora, pode-se também pensar nos cenários e figurinos. Isto não deve ser uma grande preocupação, pois, principalmente no 1º ano, quanto maior a simplicidade e menor o número de detalhes, melhor. Deve-se lembrar que as forças da fantasia numa criança de 7 anos estão muito presentes. O ideal é aproveitar estas forças e deixar que as crianças vivenciem interiormente as imagens trazidas pela peça. Se muitos detalhes forem utilizados – como adereços e objetos cênicos que, certamente, não corresponderão ao que a criança havia imaginado – poderemos estar matando sua fantasia.

Para compor um cenário, apenas alguns panos de cores escolhidas de acordo com o ambiente que se quer criar. As crianças vestem túnicas iguais, com cores diferentes, de acordo com seus personagens, e elas mesmas compõem e representam o cenário: árvore, rio, pedras, animais etc. Se há um rei, ele pode usar uma capa e uma coroa de papel dourado; se há uma vovó, um xale sobre a túnica e mais nada. Também não são necessárias pinturas no rosto e nem máscaras: estas surgirão na hora certa, alguns anos mais tarde. Enfim, o mais importante acontece na imaginação das crianças.

EXEMPLO PRÁTICO

Para exemplificar a montagem de uma peça de teatro num 1º ano, foi escolhida a peça “Rosa Branca e Rosa Vermelha”. Os passos a serem seguidos seriam os seguintes:

1º. Contar a história: como foi dito antes, o professor prepara a história e a conta sem ler, nem interpretar, nem questionar: também as adaptações devem ser evitadas, já que os contos de fadas refletem uma sabedoria antiga, que fala diretamente aos corações das crianças;

2º. Recontar a história, o que é feito pelas crianças, no dia seguinte;

3º. Desenhos ou pinturas de partes da história;

4º. Introduzir, na parte rítmica, a música e a primeira fala do coro; no caso desta peça, o professor pode ressaltar na fala os sons das consoantes M/N/R/L;

5º. Ampliar o trabalho com o texto na parte rítmica, fazendo com que as crianças memorizem, articulando bem os sons, ao mesmo tempo em que vivenciam as situações através dos gestos;

6º. Depois de todos terem aprendido o texto, pode-se, por exemplo, separar a classe em falas masculinas e femininas: os meninos dizem as partes do gnomo e do urso-príncipe, e as meninas dizem as partes das Rosinhas e da mãe. No decorrer do tempo, as crianças vão-se revelando: algumas identificam-se com o urso, outras com o gnomo, outras ainda com a mãe e assim por diante;

7º. Como são poucos os personagens para uma classe inteira, um mesmo papel pode ser feito por várias crianças em momentos diferentes, por exemplo, cada vez que o gnomo aparece, pode ser representado por outro aluno, ou um grupo de alunos, embora a fala seja sempre acompanhada pelo coro dos meninos; ou seja, sua fala é representada pelo coro dos meninos, mas um deles (ou um pequeno grupo) se destaca na interpretação se colocando mais à frente e interagindo com os outros personagens.

8º. Algumas crianças podem-se ocupar dos efeitos sonoros, que são fundamentais para marcar as cenas, entradas e saídas, e para caracterizar os personagens. Cada entrada das Rosinhas pode ser sinalizada por um toque de triângulo; a raiva e o mau-humor do gnomo seriam bem caracterizados pelo som áspero do reco-reco. Tudo isto vai sendo inserido paulatinamente;

9º. Tendo em vista que o ideal é que os alunos estejam em cena o tempo todo (posicionados em semicírculo ou em grupos, atrás daqueles que estão atuando), o cenário e os elementos cênicos serão bem simples e sugestivos: uma cadeira para a mãe, pano verde no chão como relva, outro azul para o rio, duas vassourinhas; a lareira será sugerida por uma cadeira ou banco deitado coberto por um pano, dois pequenos vasos, um com rosas vermelhas e outro com rosas brancas (que podem ser de papel), um saco com pedacinhos de papel dourado e prateado amassados para o gnomo. Pronto! Não é necessário mais nada!

10º. Acompanhando a simplicidade do cenário, para o figurino pode-se usar: um xale para a mãe, vestidos rodados para as Rosinhas e coroinhas de flores na cabeça (branca e vermelha; também de papel), uma capa marrom com capuz para o urso, que usará por baixo uma roupa de príncipe (um colete aberto de cetim dourado e uma coroa de papel também dourado); um gorrinho vermelho para o gnomo, com colete curto e calças compridas dentro de botas verdes (um pedaço de feltro ou papel camurça adaptado com jeito para as botas).Também barbas feitas com fios de lã podem ser usadas pelos gnomos, se isto não for sobrecarregá-los.

Para que as crianças vivenciem com profundidade todos estes passos, não se deve ter pressa. Pela nossa experiência, o tempo de montagem de uma peça como esta é de pelo menos um mês, trabalhando todos os dias e tendo em vista que não se faz somente esta atividade em um dia de aulas. Às vezes uma montagem pode levar mais tempo, dependendo do ritmo da turma e das possibilidades do currículo.

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