Peça de Ruth Salles para fantoches
Esta peça é baseada num conto de Guilherme Hauff, do livro “Contos Orientais”. Foi criada para ser encenada com fantoches por alunos das classes maiores, de 13 anos e acima, para as crianças das classes menores.
CARACTERES
Califa/ Califa-cegonha/ Vizir/ Vizir-cegonha/ Dançarino/ Sábio Selim/
Mercador (feiticeiro Raschur)/ Duas cegonhas/ Coruja/ Princesa-coruja/
Aprendizes do feiticeiro
Escena 1
O califa no trono. Dançarino, vizir, mercador.
DANÇARINO (declama e dança):
“Ah, quem não desejaria
ser califa algum dia?
Quem, quem, quem?
É o bem maior do mundo.
O califa tem de tudo,
tem, tem, tem!”
VIZIR (entrando com um mercador):
– Grande e poderoso califa!
Trago aqui um mercador.
Ele tem um segredo para negociar,
mas não há dinheiro que o possa pagar!
CALIFA (interessado, faz parar o dançarino):
– Um segredo?
MERCADOR (inclinando-se):
– Grande e poderoso califa! Longa vida!
CALIFA:
– qual é o segredo que não tem preço.
MERCADOR:
– Sim, meu senhor, eu escuto e obedeço.
E este vidro com um pó mágico e este pedaço de papel.
CALIFA (rindo, com pouco caso):
– Pedaço de papel?
MERCADOR:
– Escrito numa língua desconhecida.
VIZIR:
– Vou buscar o sábio Selim.
Ele com certeza conhece.
(ele sai e volta com o sábio)
CALIFA:
– Selim! Decifra esta língua para mim.
SÁBIO SELIM:
– Aqui está escrito: “Quem aspirar este pó
e pronunciar a palavra mágica
pode transformar-se num animal”.
DANÇARINO (fala):
– Esse mercador deve ser algum mago.
Eu, se fosse o califa, teria cuidado.
Miau… Muuu… Cri-cri… Au-au…
De que adianta virar animal?
CALIFA:
– Quieto, dançarino! (ao vizir):
– Vizir, vou ficar com o papel
e com o pó mágico por qualquer preço.
MERCADOR:
– Não, não! Isso é um presente.
(entrega tudo, recua e sai)
DANÇARINO:
– De presente? De presente?
É magia da pior!
Que será que estão tramando?
Quem será o impostor?
CALIFA:
– Saia, dançarino! (o dançarino some, e o califa diz ao sábio):
– Selim, revele todo o segredo para mim!
SÁBIO SELIM:
– Pois escute, senhor. Aqui ainda está escrito: “Aspire o pó, incline-se três vezes na direção do oriente e diga MUTABOR. Mas depois você não pode rir, senão sua forma de homem vai sumir e não volta jamais.”
CALIFA (ao vizir):
– Meu vizir, isso é fácil demais.
Amanhã bem cedo vamos experimentar.
escena 2
CALIFA (com o vizir no campo):
– Este lugar servirá. Trouxe o papel?
VIZIR:
– O papel e o pó.
CALIFA:
– Vamos aspirar. (os dois aspiram) Agora…
inclinar-se 3 vezes na direção do oriente…
e dizer MUTABOR. Mutabor!
VIZIR:
– Mas quem rir depois,
não volta mais à forma humana.
CALIFA:
– Ora! Quem já ouviu um animal rir?
Olhe! Vêm vindo duas cegonhas!
Vamos nos transformar em cegonhas
e ouvir o que elas dizem na língua delas.
VIZIR:
– Boa idéia.
AMBOS (inclinam-se 3 vezes para o oriente):
– Mutabor! Mutabor! Mutabor!
(transformam-se em cegonhas)
CALIFA:
– Vizir, esse seu bico é muito engraçado.
VIZIR:
– E suas pernas compridas também.
CALIFA:
– Fique quieto! As cegonhas vêm vindo.
(os dois se escondem)
PRIMEIRA CEGONHA:
– Bom-dia, dona Bicuda!
Já tão cedo no prado?
SEGUNDA CEGONHA:
– Bom-dia, dona Pernalta! Vim procurar uma rã
para meu café da manhã. E você?
PRIMEIRA CEGONHA:
– Não estou aqui para caçar rãs.
Tenho de mostrar minha arte da dança
para as visitas de meu pai. Veja… (ela dança)
CALIFA (ri, vendo a cegonha dançar):
– Ha-ha-ha! Que elegância!
(As cegonhas somem)
VIZIR:
– Ha-ha-ha! Que engraçada! Ih! Nós rimos!
E agora, que será de nós?
CALIFA:
– Não faça essa cara apavorada. É só nos inclinarmos na direção do oriente e dizer três vezes: Mu… Mu… Com mil trovões! Esqueci a palavra.
VIZIR:
– A palavra é Mu… Mu… Esqueci também.
E agora? Ainda somos cegonhas.
CALIFA (pensando):
– Hum… Lembra-se do mercador que nos deu de presente o papel e o pó? Ele não era parecido com o feiticeiro Raschur, meu inimigo?
VIZIR:
– É mesmo! Ele nos enganou. O califa se transformou em cegonha, e talvez o filho do feiticeiro tome o lugar do califa.
CALIFA:
– Cale-se! Está escurecendo. Vamos descansar ali.
CORUJA (aparece, chorando):
– Boa-noite, senhores!
CALIFA:
– Boa-noite, graciosa corujinha. Por que você está chorando?
BÚHO:
– Porque sou uma bela princesa que foi transformada em coruja. Sei que os dois também estão enfeitiçados. Raschur é um malvado. Só porque eu não quis casar com o filho dele, virei coruja. Uhu, uhu…
VIZIR:
– E você não sabe como quebrarmos este feitiço?
Pois sou califa e preciso voltar para meu califado.
BÚHO:
– Acho que posso ajudá-los… Mas há uma condição.
Um dos dois deverá casar-se comigo,
só assim ficaremos todos três livres do feitiço.
CALIFA (ao vizir):
– Temos de arriscar, vizir. Você se casa com ela.
VIZIR (ao califa):
– Eu? Já tenho mulher. Vai ter que ser o senhor.
CALIFA:
– Que seja! Linda coruja, eu me caso com você. Promessa de califa.
BÚHO:
– Pois então, ouçam. Hoje, quando a lua brilhar no céu, Raschur vai reunir-se aqui com seus aprendizes. Vamos nos esconder. Quem sabe ouvimos a palavra mágica esquecida. (os três se escondem)
FEITICEIRO (chega com os aprendizes, que o rodeiam):
– Raschur sempre vence!
APRENDIZES (começam a dançar na roda):
– Urlarum, hurlorum,
Nosso mestre é Raschur!
Vence todos de um em um. (param de dançar)
FEITICEIRO:
– Estamos reunidos aqui pela última vez.
De hoje em diante nos reuniremos no califado.
APRENDIZES:
– Lá mora o califa nosso inimigo!
FEITICEIRO:
– Califa ele não é mais. Eu o transformei numa cegonha junto com seu vizir. Agora o califado pertence ao meu filho.
APRENDIZES:
– Urlarum, urlorum!
Nosso mestre é Rachur.
Vence todos de um em um.
UM APRENDIZ:
– E agora esse califa virou califa de vez?
FEITICEIRO:
– Sim! Ele esqueceu a palavra mágica.
Mutabor!
CALIFA e VIZIR:
– Viva! Viva! A palavra!
FEITICEIRO (grita):
– Traição! Salve-se quem puder! (foge)
APRENDIZES:
– Huiii, huiii, huiii! (fogem todos)
CALIFA:
– O sol está nascendo. Inclinar três vezes e…
AMBOS (inclinam-se e dizem):
– Mutabor! Mutabor! Mutabor!
CALIFA e VIZIR:
– Ah, agora somos homens de novo!
CALIFA:
– Vamos depressa voltar para o califado,
antes que o impostor seja coroado!
PRINCESA:
– Vocês me levam junto?
CALIFA:
– De onde você veio, linda princesa?
PRINCESA:
– Sou a coruja. Quer casar comigo?
CALIFA:
– Não poderia haver nada mais belo.
PRINCESA:
– Estou ouvindo alguém chamando…
VIZIR:
– É Selim, o sábio, procurando por nós.
SÁBIO SELIM:
– Oh, meu senhor, oh, vizir! Até que enfim os encontrei! Há um estrangeiro na cidade, e ele declarou que os dois tinham morrido. E ele disse que é nosso novo califa. E quem não lhe obedecer será enforcado.
CALIFA:
– Ele vai se arrepender.
Eu só estava à procura de uma esposa.
SÁBIO SELIM:
– Oh, que princesa linda!
CALIFA:
– Vamos todos depressa para o meu califado.
Vai haver casamento, e todos estão convidados. (vão saindo)
DANÇARINO (entra dançando e declamando o poema do início):
“Ah, quem não desejaria… etc.”
***