peça de William Shakespeare
tradução e adaptação de Ruth Salles
NOTA
William Shakespeare, um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, nasceu no século XVI e morreu no século XVII, tendo deixado, além de dramas históricos, comédias e tragédias, também um volume de sonetos, cujo conteúdo ainda constitui um enigma para os críticos. Com verdadeira genialidade, ele soube elaborar todo tipo de personagens, que vivem no palco desde os sentimentos mais simples até as paixões mais trágicas.
A comédia SONHO DE UMA NOITE DE VERÃO, como se vê pelo título, supõe-se que foi escrita para uma festa de noite de São João. Deve ter sido composta por volta de 1594, mas só em 1600 é que foi publicada pela primeira vez.
Segundo Almeida Cunha e Oscar Mendes, há várias fontes para esta peça. A história de Teseu e Hipólita está em Plutarco e em Chaucer (“Knight’s Tale”). Vários romances medievais falam de Oberon, e a briga dos reis das fadas parece ter sido inspirada também em Chaucer (“Merchant’s Tale”), sendo que Titânia consta das “Metamorfoses” de Ovídio. A idéia do sumo amoroso se encontra em Jorge de Montemayor (“Diana namorada”), e vemos a história de Píramo e Tisbe de novo em Ovídio e Chaucer.
Esta peça foi apresentada pela 1ª vez na Escola em 1975, ligeiramente condensada a pedido da então professora Lucy Pessoa. Em 1997, foi apresentada pela 2ª vez, mais um pouquinho condensada a pedido da professora Ana Lucia Gallo Sacramento. Agora, para 2007, a versão ainda foi condensada mais um pouco, a pedido da professora Cristina Ferreira Manberger. A tradução foi feita a partir do original, e os trechos que no original são em versos foram transpostos para o português também em versos.
Quanto à música, em 1975 escolhemos alguns momentos da obra A RAINHA DAS FADAS, do compositor inglês Henry Purcell, contemporâneo de Shakespeare. Apenas a canção de Novelo, o tecelão, foi criada especialmente para nós pelo compositor brasileiro Luiz Roberto Oliveira, em arranjo para flautas, mas dentro do estilo de Purcell.
Ruth Salles
SINOPSE
Teseu, duque de Atenas, vai casar-se com Hipólita, rainha das Amazonas, e ordena a Filóstrato, seu chefe de cerimônias, que anime os jovens para os festejos que se seguirão às bodas.
Um grupo de modestos artesãos vai representar a história de Píramo e Tisbe. O ensaio da peça será no bosque.
Enquanto isso, o duque recebe o apelo de Egeu, cidadão importante, que quer obrigar sua filha Hérmia a se casar com Demétrio. Se não quiser, deve ser morta ou entrar para a vida solitária do templo de Diana, segundo uma antiga lei ateniense. Hérmia, porém, ama Lisandro, e os dois resolvem fugir; mas antes cometem o erro de revelar seu segredo a Helena, que ama Demétrio. Helena, para tentar agradar Demétrio, conta-lhe sobre a fuga de Hérmia e Lisandro.
O bosque, onde vão-se encontrar os dois namorados e também os artesãos, está povoado de fadas e elfos, que vieram abençoar o casamento do duque Teseu. O rei dos elfos, Oberon, está em luta com a rainha das fadas, Titânia; ele quer ficar com o jovem pajem da rainha, e esta não permite. Resolvendo castigar a rainha, Oberon manda Puck trazer uma flor, cujo sumo, espremido nos olhos de uma pessoa adormecida, fará com que ela se apaixone pelo primeiro ser vivo que encontrar. Antes da volta de Puck, Oberon ouve a briga de Demétrio e Helena, que procuram o par de fugitivos. Demétrio diz que a detesta e abandona Helena no bosque. Oberon ordena a Puck que unte os olhos de Demétrio com o sumo, enquanto ele fará o mesmo com Titânia. Demétrio seria reconhecido pelos seus trajes atenienses. Porém Puck confunde Demétrio com Lisandro, e este, ao acordar, apaixona-se por Helena, o que gera a maior confusão. Mais tarde, Oberon conserta o erro de Puck. Ao mesmo tempo, para se divertir, Puck faz com que um dos artesãos fique com cabeça de burro. Titânia o vê ao acordar e se apaixona por ele, cedendo então o pajem a Oberon. Este, depois disso, desfaz o encanto de Titânia e do pobre artesão. A situação dos dois pares de namorados também se resolve, e Teseu os convida para que se casem na mesma cerimônia de seu próprio casamento.
A peça de Píramo e Tisbe é representada para o duque com muita graça, e a festa termina com a dança. Depois que todos se retiram, fadas e elfos abençoam o lugar e, por fim, quando eles saem com Oberon e Titânia, Puck apresenta desculpas e pede os aplausos da platéia.
PERSONAGENS
TESEU – duque de Atenas
EGEU – pai de Hérmia
LISANDRO e
DEMÉTRIO – apaixonados por Hérmia
FILÓSTRATO – mestre de cerimônias de Teseu
HIPÓLITA – rainha das Amazonas, noiva de Teseu
HÉRMIA – filha de Egeu, apaixonada por Lisandro.
HELENA – apaixonada por Demétrio (deve ser mais alta que Hérmia)
OBERON – rei dos elfos
TITÂNIA – rainha das fadas
PUCK ou Robim Bom-Camarada – espírito brincalhão (sempre saltando meio agachado)
FLOR-DE-ERVILHA,
TEIA-DE-ARANHA,
MARIPOSA e
GRÃO-DE-MOSTARDA – fadas
PEDRO MARMELO – carpinteiro
JOÃO SERROTE – marceneiro
TONICO NOVELO – tecelão
CHICO FLAUTA – consertador de foles
TIÃO FAMINTO – alfaiate
ZÉ TROMBUDO – funileiro
SÉQUITOS DE ELFOS E FADAS, a serviço do rei e da rainha
SÉQUITOS de Teseu e Hipólita
Personagens da farsa trágica:
PRÓLOGO – Marmelo
PÍRAMO – Novelo
TISBE – Flauta
MURO – Trombudo
LUAR – Faminto
LEÃO – Serrote
A cena se passa em Atenas e num bosque próximo
PRIMEIRO ATO
Cena 1
Atenas, palácio de Teseu. Entram Teseu, Hipólita, Filóstrato e respectivos séquitos. Depois entram Egeu, Hérmia, Lisandro e Demétrio. Por fim, Helena.
TESEU:- Minha Hipólita, faltam quatro dias
para a noite do nosso casamento.
Porém, como demoram a passar…
HIPÓLITA:
– Tem mais paciência, meu Teseu querido,
pois só na lua-nova casaremos.
Ela já está minguando, e logo, logo,
brilhará como um risco prateado,
curvada como um arco de Cupido,
soltando suas setas amorosas
lá do céu, abençoando nossas bodas.
TESEU:- Pois então, preparemos os festejos! (dirige-se a Filóstrato):
– Vai, Filóstrato, anima nossos jovens,
para que assistam as solenidades!
Organiza espetáculos alegres
e pompas triunfais!
FILÓSTRATO: – Sim, senhor duque! (ele sai)
EGEU (entra com Hérmia, Lisandro e Demétrio):
– Salve Teseu, o nosso excelso duque!
TESEU:- Meu bom Egeu, que queres tu de mim?
EGEU:
– Vim queixar-me de minha própria filha. (aponta Hérmia)
Sim, de Hérmia! – Demétrio, aproxima-te!
– Este rapaz tem meu consentimento
para casar com ela, senhor duque.
Mas agora apresento-vos Lisandro,
que enfeitiçou o coração de Hérmia.
E a obediência que ela me devia
Lisandro transformou em teimosia.
Agora, duque, eu peço a Vossa Graça:
se diante de vós Hérmia persiste
em não querer casar-se com Demétrio,
que se recorra à antiga lei de Atenas,
que permite a um pai dispor dos filhos.
Que minha amada filha seja morta!
TESEU:
– Que dizes, Hérmia? O pai não deveria
ser um deus para a filha… ser o deus
que te plasmou com tanta formosura?
Vejo em Demétrio um cavalheiro digno.
HÉRMIA (seca):
– Lisandro também é.
TESEU: – Porém lhe falta
permissão de teu pai. Portanto, deves
considerar Demétrio o melhor noivo.
HÉRMIA:
– Senhor duque, eu rogo a Vossa Graça:
Dizei o que me pode acontecer
se recuso casar-me com Demétrio!
TESEU:
– Ou perdes tua vida, minha jovem,
ou entras para o templo de Diana,
onde estarás em pleno isolamento.
Crescer, viver, morrer tão solitária…
HÉRMIA:
– Prefiro assim crescer, viver, morrer,
que entregar minha vida a quem não amo!
TESEU:
– Pensa com mais vagar. Na lua nova,
no dia em que me caso com Hipólita,
decidirás se casas com Demétrio,
se morres, ou se vais viver no templo.
DEMÉTRIO:
– Ó doce Hérmia, casa-te comigo!
– E tu, Lisandro, afasta-te de Hérmia!
LISANDRO (zangado):
– Demétrio, se tu és o preferido
do pai de Hérmia, casa-te com ele,
porém deixa que Hérmia seja minha!
EGEU:
– Insolente Lisandro! É bem verdade
que, para mim, Demétrio é bom e digno.
Tudo o que me pertence será dele.
LISANDRO:
– Eu sou tão bem nascido quanto ele.
Nossas posses se igualam. Meu amor
é maior. E o que vale mais que tudo:
eu sou amado pela jovem Hérmia.
Quanto a Demétrio, digo diante dele,
fez corte à bela Helena e conquistou-a.
E ela está loucamente apaixonada
pelo inconstante e desleal Demétrio.
TESEU:
– Tal notícia chegou aos meus ouvidos…
– Mas, vem, Demétrio, e tu também, Egeu!
– Minha Hipólita, vamos! Que tens tu? (ela está entristecida com o caso)
Saiamos e deixemos esta jovem
pensando e decidindo resignar-se
à vontade do pai, para livrar-se
da dura lei de Atenas. (Saem todos, menos Lisandro e Hérmia.)
LISANDRO: – Nosso amor
te fez ficar tão pálida, querida.
As rosas do teu rosto até murcharam…
HÉRMIA:
– Talvez elas precisem ser regadas
pelas lágrimas tristes dos meus olhos…
LISANDRO:
– Por tudo quanto tenho ouvido e lido,
o caminho do amor nem sempre é fácil.
HÉRMIA:
– É o destino. Devemos ter paciência.
LISANDRO:
– Sábio conselho. Entretanto, ouve-me.
Tenho uma tia que reside longe.
Ela é como se fosse minha mãe.
E lá, a lei de Atenas não te atinge.
Poderemos casar, querida Hérmia.
Se me amas, na noite de amanhã
foge, abandona a casa de teu pai.
Eu estarei no bosque à tua espera.
HÉRMIA:
-Eu juro pelo arco de Cupido
e por sua melhor flecha de ouro
que amanhã correrei ao teu encontro.
LISANDRO:
– Cumpre tua promessa, meu amor!
Olha, aí vem Helena. (Helena entra)
HÉRMIA: – Deus te guarde,
bela Helena, mas para onde vais?
HELENA:
– Tu dizes que sou bela? Não devias.
Pois Demétrio só vê tua beleza.
E eu queria saber como enfeitiças
o duro coração do meu Demétrio.
HÉRMIA:
– Eu lhe faço caretas, e ele ama-me.
HELENA:
– Tivessem meus sorrisos tal encanto…
HÉRMIA:
– Eu o amaldiçoo, e ele me ama.
HELENA:
– Tivessem minhas súplicas tal força…
HÉRMIA:
– Quanto mais o odeio, mais me ama.
HELENA:
– Eu, quanto mais o amo, mais me odeia.
HÉRMIA:
– Não tenho culpa, Helena, mas consola-te.
Demétrio nunca mais verá meu rosto.
Amanhã, eu e Lisandro fugiremos.
LISANDRO:
– O plano que te estamos revelando
é abandonar Atenas amanhã,
durante a noite.
HÉRMIA: – E, naquele bosque,
onde juntas trocamos confidências,
pois é lá que marcamos nosso encontro.
Então, adeus, amiga! E que a sorte
te devolva Demétrio! – Adeus, Lisandro.
Convém agora que nos separemos.
LISANDRO:
– Adeus! – Adeus, Helena. Que Demétrio
te ame um dia tanto quanto o amas.
(Saem Hérmia e Lisandro, cada um para um lado, ou um depois do outro.)
HELENA:
– Há seres mais felizes, e outros, menos…
Antes, o meu Demétrio me afirmou
que todo o seu amor era só meu.
Mas, ao ver Hérmia, tudo ele esqueceu.
Pensando bem, vou revelar a ele
o plano de Hérmia. Assim, poderei vê-lo.
Ele até vai sorrir, agradecido,
e eu me sentirei recompensada. (Helena sai.)
Cena 2
Casa de Marmelo. Entram Marmelo, Serrote, Novelo, Flauta, Trombudo e Faminto.
MARMELO: – Está aqui toda a nossa Companhia? Pois eu lhes trago o papel com os nomes de todos os que foram considerados capazes de representar este interlúdio em Atenas, no dia do casamento do duque e da duquesa.
NOVELO: – Então, Pedro Marmelo, resolve logo o assunto explicando que interlúdio é esse.
MARMELO: – Muito bem. É uma peça que se intitula “A mais lamentável comédia, a mais cruel morte de Píramo e Tisbe”.
NOVELO: – Bela peça! Deve ser divertida! E agora, meu bom Pedro Marmelo, lê os nomes dos atores, pela lista. Mestres, espalhai-vos!
MARMELO: – Respondei à medida que eu for chamando. – Tonico Novelo, tecelão!
NOVELO: – Presente!
MARMELO: – Tonico Novelo, foste escalado para o papel de Píramo.
NOVELO: – Quem é Píramo? Amante ou tirano?
MARMELO: – Amante, que se mata galantemente por questões de amor.
NOVELO: – Então será preciso derramar algumas lágrimas. Se me toca esse papel, a platéia que tome conta dos olhos; provocarei tempestades. Mas acho que eu ficaria melhor no papel de tirano; daria um Hércules de mão cheia, um rompe-e-rasga de partir um gato em dois.
MARMELO: – Nada disso! Ficas melhor no papel de amante. – Chico Flauta, consertador de foles!
FLAUTA: – Presente, Pedro Marmelo!
MARMELO: – Terás de ficar com Tisbe.
FLAUTA: – Quem é Tisbe? Cavaleiro andante?
MARMELO: – Nãão! É a mulher que Píramo deve amar!
FLAUTA: – Ah, não me dês papel de mulher; minha barba já está começando a brotar!
MARMELO: – Pouco importa; é só falar com voz bem fina.
FLAUTA (treinando): – “Ai, Píramo, meu amor, sou tua pequenina Tisbe…”
MARMELO: – Continuemos! – Tião Faminto, alfaiate!
FAMINTO: – Presente, Pedro Marmelo!
MARMELO: – Serás a mãe de Tisbe. – Zé Trombudo, funileiro!
TROMBUDO: – Presente, Pedro Marmelo!
MARMELO: – Serás o pai de Píramo, e eu o pai de Tisbe. Para encerrar, caberá a João Serrote, o marceneiro, o papel de leão.
SERROTE: – Já está escrita a parte do leão? Se está, passa logo para mim, que sou um pouco lerdo para decorar.
MARMELO: – Não está escrita porque teu papel consiste apenas em rugir.
NOVELO: – Ah, dá para mim o papel de leão! Eu hei de rugir terrivelmente; hei de rugir de tal maneira que o duque exclamará: “Que ruja outra vez! Que ruja outra vez!”
MARMELO: – Se rugisses assim, a duquesa e as outras senhoras iam soltar gritos de pavor, o que seria mais que suficiente para nos enforcarem a todos.
TODOS OS OUTROS: – Para nos enforcarem??!!
NOVELO: – E se eu rugir como uma pombinha? E se eu rugir docemente como um canarinho?
MARMELO: – Não. Para ti o papel de Píramo é ideal, por ser ele um cavalheiro encantador, um belo tipo de homem.
NOVELO (convencido de sua beleza): – Está bem. Serei Píramo.
MARMELO: – Senhores, aqui estão os papéis. Decorai-os logo. Assim que a lua sair, procurai-me no bosque perto da cidade. Ali ensaiaremos às escondidas, e ninguém descobrirá nosso plano. O encontro será junto do carvalho. Adeus!
NOVELO: – Lá estaremos. Adeus!
(Saem todos)
SEGUNDO ATO
Cena 1
Bosque perto de Atenas. Entram, por lados opostos, uma fada e Puck; depois, Titânia e Oberon; por fim, Demétrio e Helena.
PUCK:- Olá, Espírito, por onde vagueias?
FADA:- Pelos vales, pelos montes;
pelas águas, pelo fogo;
vagueio mais do que a lua
que pelos ares flutua.
Sirvo à rainha das fadas
e deixo gotas de orvalho
nas relvas onde ela passa.
– Adeus, ó mais pesado dos Espíritos!
Logo, aqui neste bosque vai surgir
a rainha Titânia. Vou partir.
PUCK:
– Toma cuidado para que a rainha
não seja vista pelo rei das fadas.
Titânia agora tem um belo pajem.
E Oberon quer o pajem de presente;
quer fazer dele um cavaleiro seu.
Mas Titânia, teimosa, não cedeu.
Quando se encontram, ficam discutindo,
tão zangados, que os elfos vão fugindo.
FADA:
– Tu és, se não estou muito enganada,
aquele Espírito irrequieto, esperto,
chamado Robim, o Bom-Camarada:
o travesso, que assusta as aldeãs…
azeda o leite… Sei que bem te agrada
desandar o moinho e extraviar
viajantes noturnos pela estrada.
Para quem te chamar de doce Puck,
a este darás sorte, farás tudo.
PUCK:
– Sou o Espírito alegre de que falas.
E falas bem! Divirto nosso rei.
Eu me escondo no fundo da tigela
de alguma mulherzinha tagarela.
Se ela vira a tigela eu me desfaço
e derramo cerveja em seu regaço.
Uma mulher que conta looonga história
pensa que sou o banco onde se escora.
Eu me desfaço, lá vem ela ao chão,
grita, engasga, reclama o trambolhão,
enquanto as outras soltam gargalhadas.
Eis Oberon! Abre caminho, ó fada!
FADA:
– Eis Titânia também! Antes não fosse! (os dois se escondem)
(Entram Titânia e Oberon, cada um por um lado, com seus séquitos de elfos e fadas)
OBERON:
– Mau encontro ao luar, rainha altiva.
TITÂNIA:
– Também acho! – Vamos embora, fadas!
OBERON:
– Presunçosa! Um momento! Então não ouves
o que tem a dizer o teu senhor?
TITÂNIA:
– Meu senhor?! Por que pensas que sou tua,
se falaste de amor à bela Fílida?
E vieste abençoar o casamento
da guerreira amazona a quem amaste?
OBERON:
– Não te envergonhas de falar de Hipólita,
quando sei muito bem que amas Teseu?
TITÂNIA:
– Nosso ciúme prejudica tudo…
Nunca mais nós, as fadas, conseguimos
dançar a nossa ronda ao som dos ventos,
sem que teus gritos nos atrapalhassem.
Por isso, os ventos, como em represália,
recolheram do mar nuvens malignas,
derramando-as nos campos e fazendo
transbordar nossos rios e riachos.
O trigo apodreceu, surgem doenças,
só por causa de nossas divergências.
OBERON:
– A solução depende só de ti.
Só peço que me dês teu novo pajem.
TITÂNIA:
– Meu pajem eu não dou. Desiste dele.
OBERON:
– Por quanto tempo vais ficar no bosque?
TITÂNIA:
– Até as bodas de Teseu e Hipólita.
Se quiseres dançar em nossas rondas,
vem conosco, senão evitarei
os lugares que assombras com teu vulto.
OBERON:
– Dá-me teu pajem, e eu irei contigo.
TITÂNIA:
– Nem por todo este reino. – Vamos, fadas!
(Sai Titânia com seu séquito)
OBERON:
– Vai, que logo terás o teu castigo.
– Vem cá, meu gentil Puck. Certa vez,
vi soltar-se do arco de Cupido
uma flecha de amor endereçada
a cem mil corações! Porém caiu
numa flor que se chama Amor-Perfeito.
Ao derramar-se o sumo dessa flor
sobre os olhos de alguém que está dormindo,
esse alguém, quando acorda se apaixona
pelo primeiro ser que lhe aparece.
Vai buscar essa flor, Puck! Depressa!
PUCK (saindo):
– Vou dar a volta ao mundo
e volto num segundo!
OBERON:
– Vou derramar o sumo dessa flor
nos olhos de Titânia adormecida.
E ela acordará apaixonada
por qualquer um, mesmo que seja um lobo,
um leão, um macaco, um urso, um touro.
E, antes que eu mesmo a desencante,
será fácil forçá-la a dar-me o pajem.
Mas, quem vem vindo aí? Não podem ver-me.
Vou ouvir o que dizem esses seres.
(Entra Demétrio, seguido por Helena)
DEMÉTRIO:
– Eu não te amo, Helena, não insistas!
Onde estarão Lisandro e a bela Hérmia?
Disseste que estariam neste bosque.
Mas, deixa de seguir-me! Vai-te! Vai-te!
HELENA:
– Se deixas de atrair-me, eu não te sigo.
Mas és um ímã duro, empedernido.
DEMÉTRIO:
– Não tens medo de estar num bosque escuro
junto de mim, que não te tenho amor?
HELENA:
– Teu bom caráter será meu escudo.
E o meu amor clareia a escuridão.
DEMÉTRIO (saindo):
– Eu fujo e deixo-te à mercê das feras!
HELENA (saindo):
– Nenhuma fera tem alma tão dura…
OBERON (à parte):
– Helena, antes que saias deste bosque,
ele vai procurar o teu amor.
PUCK (voltando):
– Pronto! Olha a flor! (entrega-a)
OBERON: – Titânia adormeceu.
Vou espremer o sumo nos seus olhos.
Pega também um pouco. Neste bosque,
há uma bela dama apaixonada
por um ateniense que a detesta.
Quando ele adormecer, unta seus olhos;
cuida para que seja a bela dama
a primeira pessoa que ele veja
ao acordar. Conhecerás o jovem
pelos trajes de Atenas que ele veste.
Realiza a tarefa com cuidado
e volta antes do cantar do galo.
PUCK:
– Não tenhas medo. Cumpro o que disseste. (Saem os dois)
Cena 2
No bosque. Oberon está escondido; entram Titânia e séqüito; Lisandro e Hérmia: Puck; Demétrio e Helena.
TITÂNIA:
– Vinde à ronda! Cantai, fadas, cantai!
Depois, ide cumprir vossas tarefas:
matai as pragas dos botões de rosa;
ide afastar o barulhento mocho
que assusta nosso vaporoso espírito.
Cantai para que eu durma! Depois, ide! (ela se deita atrás da cerca de rosas)
FADAS (cantam):
“Nana, nana, meu bem.
Boa-noite. Tudo bem.
Vento vem, vem cantar.
Canta para te ninar.
Cobra, caracol e lacrau
não te causarão nenhum mal,
nem te poderá encantar
quem perto de ti chegar.” (termina com a repetição da primeira estrofe)
UMA FADA:
– Pssiiu…
A rainha já dormiu…
Vamos cumprir as tarefas!
(Saem as fadas. Titânia dorme. Entra Oberon e espreme a flor em suas pálpebras.)
OBERON:
– Quem vires ao acordar
há de ser teu bem-amado,
seja urso ou leopardo
ou javali eriçado.
Quando algum ser bem abjeto
for passar aqui por perto,
então acorda, Rainha! (Oberon sai. Entram Lisandro e Hérmia.)
LISANDRO:
– Tu desmaias, amor, de tão cansada.
Perdi a direção. Vamos parar
e dormir até o dia clarear.
HÉRMIA:
– Eu me deito na relva. Aqui está bem.
LISANDRO:
– E eu ali perto vou deitar também.
HÉRMIA:
– E boa-noite, meu amor querido.
Que dure o teu amor por toda a vida.
LISANDRO:
– Há de durar! Tu sabes, bela Hérmia,
que eu prefiro até perder a vida
que te ser infiel, minha querida! (Adormecem. Entra Puck)
PUCK:
– Percorri todo este bosque
e não vi o ateniense,
para pingar em seus olhos
o sumo do Amor-Perfeito.
Olha ele aqui! Estas roupas
são mesmo trajes de Atenas.
E ali dorme a donzela
que ama quem a despreza.
Eia, pois! Que os olhos dele
fiquem agora encantados! (pinga o sumo da flor)
Vou em busca de Oberon
antes do canto do galo! (Puck sai)
(Demétrio entra sem ver os dois que dormem; Helena vem correndo atrás.)
HELENA:
– Bem-amado Demétrio, pára, espera!
DEMÉTRIO:
– Vai-te! Não me persigas mais, Helena!
HELENA:
– Ah, por mais que eu suplique, não adianta.
Feliz é Hérmia com seus belos olhos…
Será que sou tão feia quanto um urso?
Ou será que o espelho ilude tanto?
Mas, quem vejo deitado aqui! Lisandro?
Estará morto ou dorme? Mas, não vejo
sangue ou ferida. – Acorda, se estás vivo!
LISANDRO (acordando e se erguendo):
– Sim!!… E me atiro ao fogo por Helena!
Ó diáfana Helena, o amor me vence!
O vil Demétrio onde andará agora?
Pois merece morrer em minha espada!
HELENA:
– Não, Lisandro, não digas nada disso.
Que importa que Demétrio ame Hérmia?
Hérmia sente somente amor por ti.
Deves estar feliz.
LISANDRO: – Feliz? Com Hérmia?
Lamento as horas que passei com ela.
Não é Hérmia, é Helena a minha amada.
Em tempo certo tudo amadurece.
Minha razão amadurece agora
e diz que és a mais digna donzela!
HELENA:
– Nasci eu para ouvir tamanha afronta?
Tu caçoas de mim! Pensei que fosses
mais gentil e educado com uma dama.
Oh! Se um me rejeita, o outro insulta-me! (Sai Helena.)
LISANDRO:
– Helena nem viu Hérmia. – Dorme, Hérmia!
Continua a dormir, e que não possas
nunca mais chegar perto de Lisandro!
Porque, assim como o estômago padece
por ter comido doces em excesso,
e assim como um homem cria horror
à heresia que ele abandonou,
assim tu, heresia e excesso meu,
que o mundo te deteste e também eu!
Meu amor eu consagro à Helena bela.
Que minhas forças honrem só a ela! (Sai Lisandro.)
HÉRMIA (acordando):
– Ai, socorro, socorro! Uma serpente!
Lisandro, que terrível pesadelo!
Sonhei que uma serpente devorava
meu coração, e tu, Lisandro, rias,
apreciando meu cruel suplício.
Mas… Lisandro! Lisandro, onde é que estás?
– Ele se foi. Por que? E para onde?
Sem dizer nada… – Meu amor, responde!
– Oh, que pavor! Eu tenho de encontrá-lo.
Antes morrer do que não mais achá-lo! (Sai Hérmia.)
FIM DO SEGUNDO ATO
(continua)
Sobre a escolha da peça
Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.
Enviamos o texto completo em PDF de até 3 peças gratuitamente, assim como as partituras musicais da peça escolhida. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça.
A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.