7 de outubro de 2017

6 – Pensar, Sentir, Agir

 

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As capacidades anímicas do ser humano

Capítulo do livro Pedagogia Waldorf 100 anos +

Foto de Cornélio A. de Araújo Jr. – Escola Waldorf João Guimarães Rosa – Ribeirão Preto SP

 

Um dos piores erros consiste em acreditar que a pedagogia é a ciência da criança, e não do ser humano.
Janusz Korczak

Todas as atitudes que tomamos em nosso cotidiano, durante a vida inteira, passam por três estágios: Pensar, Sentir e Agir. A cada decisão que a vida nos impõe, das mais simples, como ir ou não ao cinema, até as mais graves, como cometer ou não um delito, nós pensamos logicamente sobre o fato, avaliamos as sensações que ele nos causa, como: entusiasmo, desânimo, desconforto, determinação, medo, raiva, carinho, vergonha etc. Após este filtro emocional, nós decidimos que atitude tomar sobre o fato. A arte de educar deve proporcionar ao ser humano um desenvolvimento completo e equilibrado, incluindo o Pensar, o Sentir e o Agir, para que ele possa ter um pensamento claro, um sentimento capaz de estabelecer relações de forma saudável, e para que consiga realizar coisas boas no mundo. Segundo Marta Veiga, “estas três capacidades devem estar interligadas, integradas, e sempre conversando e harmoniosamente se estabelecendo.” (1)

Cada uma destas capacidades, olhada separadamente, tem características que lhe são preponderantes:

O Pensar (cognição, intelecto) se relaciona principalmente com o sistema neurossensorial, e se realiza num estado de consciência que podemos chamar de vigília plena. Do ponto de vista temporal, relaciona-se mais com o passado, onde reside o que já existe como conhecimento.

O Sentir (sensações, emoções, vida sensível) situa-se entre o Pensar e o Agir. Relaciona-se com os sistemas rítmicos respiratório e circulatório, e se realiza num estado de semiconsciência. Sabemos que nossas emoções têm efeito direto sobre nosso ritmo respiratório, nossa frequência cardíaca e até sobre nossa pressão sanguínea. Do ponto de vista temporal relaciona-se mais com o presente, representando o reflexo emocional do que acontece a cada momento vivido.

O Agir (fazer, realizar, atuar) se relaciona com os sistemas metabólico e motor, e se realiza num estado de inconsciência. Isso porque não temos consciência alguma sobre o funcionamento de nosso metabolismo e de nossos movimentos, necessários para realizar nossas ações. Do ponto de vista temporal, relaciona-se com o futuro, o que queremos vir a realizar.

 

Quadro 2 – As capacidades anímicas do ser humano

 Capacidades anímicas do ser humano Pensar / cognição / intelecto / memória Sentir / sensações / vida sensível Agir / vontade / ação volitiva

Características preponderantes

Sistema relacionado e
ponto de concentração
neuro sensorial – cabeça rítmico respiratório e
circulatório – tórax
metabólico e motor
abdome e membros
Em que estado de
consciência se realiza
vigília plena / consciência vigília onírica /
semiconsciência
vigília dormente /
inconsciência
 Relação temporal  mais forte com o passado  mais forte com o presente mais forte com o futuro

Fonte: Lanz (1990, pg. 28) – Organização nossa

Estas três capacidades se desenvolvem e se relacionam de forma diferente a cada período da vida. Uma criança pequena, por exemplo, tem o Agir muito forte e intimamente ligado ao Sentir. Quando ela se agita pedindo alguma coisa é porque cada movimento dela está ligado à sua vontade. Já com o idoso acontece o contrário, o Agir tornou-se independente do Sentir, que passou a se ligar mais ao Pensar.

“É pertinente à vida humana o fato de se percorrer um caminho das capacidades anímicas humanas à medida que o querer cheio de sentimentos da criança evolui para o pensar cheio de sentimentos do ancião. Entre ambos se situa a vida humana, e só educaremos bem para essa vida humana se pudermos enfocar psicologicamente tal fato[…] É justamente com isso que temos que lidar de várias formas na educação: com o desligamento do sentir em relação ao querer e com sua posterior ligação com o pensar cognitivo. Isso concerne então à idade madura. Só prepararemos corretamente a criança para a idade posterior fazendo com que o sentir possa desprender-se tranquilamente do querer; então mais tarde, como homem ou mulher, ela poderá ligar o sentir liberto ao pensar cognitivo, tornando-se adulta para a vida”.(2) Rudolf Steiner

Esclareço que, dos textos originais de Rudolf Steiner em alemão, os verbos denken, fühlen e wollen foram traduzidos para o português como Pensar, Sentir e Querer em várias obras. Ocorre que o verbo Wollen em alemão significa a intenção, o desejo, a vontade de fazer algo específico, a vontade de realizar uma ação. Já o verbo Querer não significa a intenção de realizar uma ação, mas o desejo que alguma coisa aconteça. Assim, adotamos neste livro o verbo Agir em vez de Querer, que, em nossa opinião, representa em português o sentido correto que Steiner atribuiu ao termo.

 

Quadro 3 – Os polos opostos na natureza do ser humano

 Natureza Corporal Anímica Mental sensível
Criança Irrequieta e
inconscientemente ativa
Estreita conexão entre
o Sentir e o Agir
Caráter volitivo
Idoso Tranquila e contemplativa Estreita conexão entre
o Sentir e o Pensar
Caráter mais racional
e intelectual

Fonte: Steiner (2007a, pg. 88) – Organização nossa

Desenvolvendo as capacidades anímicas – exemplos

O Pensar educa-se, basicamente, exercitando-se o raciocínio lógico. É o que as crianças fazem quando começam a planejar suas brincadeiras, e que, futuramente, farão com as ciências exatas (matemática, álgebra, geometria etc), com as ciências naturais (biologia, astrologia, botânica etc), e as ciências humanas (línguas, história, geografia etc). Estudos recentes, como veremos adiante, comprovam também que tocar um instrumento musical tem um forte impacto sobre o desenvolvimento cognitivo.

O Sentir desenvolve-se através das experiências emocionais. Estas podem ser proporcionadas pela vivência das relações humanas, pelo contar histórias (contos de fadas, lendas, fábulas, mitos, biografias etc.), e pela interpretação de músicas, canções, poemas, pela dança, pelo teatro etc. No teatro, interpretando personagens, heróis, vilões, sábios, aventureiros, idealistas, mesquinhos, nobres, plebeus, deuses etc, a criança e o adolescente vivenciam coragem e medo, solidariedade e avareza, alegria e tristeza, humor e amargura, lealdade e traição, amor e ódio etc, e essa vivência lúdica ensina a apreciar o que é bom e repugnar o que é ruim, ajudando assim a fortalecer o seu caráter.

O Agir, a capacidade de atuar no mundo, desenvolve- se através de atividades que exigem criar ou realizar algo absolutamente individual, e que permita exercitar a perseverança. Para isso, são indicadas as atividades que exigem uma ação manual transformadora, como criar um texto, um desenho, uma modelagem em argila, um trabalho em madeira, tecelagem, trabalhar na terra etc. Para desenvolver a vontade, para exercer uma influência positiva sobre a natureza volitiva da criança, várias atividades demandam a repetição das ações, dia após dia. O estabelecimento de um ritmo saudável para a criança, tanto em casa como na escola, tem um papel fundamental para o fortalecimento desta capacidade. O ritmo, na vida, na escola e na sala de aula é objeto de um capítulo próprio.

Consideramos que ajudar cada criança a desenvolver sua capacidade de atuar no mundo deve ser o principal objetivo da educação. Assim, a Pedagogia Waldorf se caracteriza por ser uma pedagogia do FAZER. Desde o jardim de infância as crianças atuam em atividades práticas da vida real, quando ajudam a preparar seu próprio lanche, a lavar a louça, ajudam a arrumar a mesa, a fazer pão, e outras atividades conduzidas pelas educadoras. O próprio brincar livre, que é essencial nessa fase, é puro fazer. No ensino fundamental também é intenso o fazer manual. Além de escreverem os cadernos das matérias, sempre desenhados, todos os alunos aprendem a pintar e a tocar um instrumento musical. No primeiro ano aprendem a fazer tricô e no segundo ano crochê, atividades que ajudam a desenvolver a motricidade fina. No terceiro ano constroem maquetes de casas e conhecem as profissões primordiais, no quarto ano aprendem a bordar e a fazer ponto cruz, e assim sucessivamente. Vão ter lições de marcenaria, aprender a construir um forno de barro e a fazer pão neste forno, fazem bonecos, modelagem em argila, praticam jardinagem, horticultura, costura, culinária, agrimensura e outras atividades, de acordo com a idade e a região. Assim, as crianças têm muitas oportunidades de desenvolver suas habilidades naturais e sua criatividade, não se limitando à pobreza de estímulos práticos a que se limitam aquelas estimuladas apenas a manusear celulares e computadores, e a ficar horas prostradas em frente à televisão.

Temos que repensar completamente nosso conceito de ‘escola’! Precisamos de escolas onde as crianças possam viver, brincar e trabalhar para que seu dom natural de imaginação possa ser gradualmente transformado em criatividade adulta; onde as crianças possam viver sem pressão ou medo e possam ser felizes e saudáveis enquanto aprendem. (3) Peter Guttenhöfer

Do ponto de vista da Pedagogia Waldorf, as atividades artísticas e os trabalhos manuais são essenciais para a formação equilibrada do ser humano, e precisam acontecer durante toda a educação básica. O educador precisa conhecer como se desenvolvem, no decorrer da vida, as capacidades humanas de pensar, sentir e agir, e saber quando e como estimular seu desenvolvimento em cada criança.

 

Bibliografia

  1. VEIGA, Marta A. Aula do projeto Dom da Palavra (gravada em vídeo). 2008.
  2. STEINER, Rudolf. A Arte da Educação I. 2007, p. 88.
  3. GUTTENHÖFER, P. Salvando a infância – um memorando para a pedagogia do fazer, Tradução: Ute Craemer, São Paulo, Sociedade Antroposófica, Boletim – Época de Micael – Ano XVIII, pag. 14 a 17, 2012

 

 

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