obra de Ruth Salles
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Esta peça é bem movimentada. As crianças representam a viagem de Martim Afonso, a tempestade no meio da viagem e o encontro com os índios na chegada a São Vicente. Os narradores¹ dizem trechos de manuscritos de 1590, de autoria provável do jesuíta Francisco Soares²; na partida dos navegantes, os portugueses que ficam se despedem cantando letra minha na música do antigo e conhecido Fado “Hilário”; no trecho da tempestade inseri alguns versos do “Lusíadas” de Camões³; esses trechos falados que não são de minha autoria vêm entre aspas na peça. Na chegada em São Vicente, inseri um canto dos índios parecis com letra minha em tupi e português.
O cabrestante, as velas, a gávea são imaginários, mas os movimentos são feitos como se tudo estivesse ali. Apenas, no meio da viagem, surge uma cadeirinha onde o gajeiro sobe para olhar pela luneta (imaginária) e gritar “Terra à vista!”
As cores das camisetas são simbólicas.
Os alunos podem aprender várias coisas novas nessa peça. Por exemplo, que Martim Afonso viajou com três tipos diferentes de barcos: o galeão, as naus e as caravelas; que os navegantes e marinheiros (equipagem) partiram pelo rio Tejo até o mar, e que dependiam de correntes favoráveis.
Aprendem sobre o trabalho com a âncora, o cabrestante, os traquetes das velas. Ficam sabendo o que é bombordo, estibordo e proa; o que é barlavento, com que lidam o gajeiro e o timoneiro, o que é amainar (abaixar) a vela.
Quanto às palavras em tupi: igara = barco; igaraitá = barcos; maham = alguns; aba = homem (“Alguns barcos, alguns homens”); o H é aspirado, o M é pronunciado.
CARACTERES:
Apresentadores – camiseta ou túnica branca (a bênção divina)
Narradores – camiseta azul (o misterioso destino dos povos)
Jesuíta – túnica preta; uma cruz alta na mão direita (ele está em silêncio entre os narradores)
Portugueses – camiseta amarela ou laranja (os que residem no país onde está o rei; o poder real)
Rei Dom João III – meia-calça de malha, camisa e calção bufante, sapatilha, coroa, fita no pescoço com a cruz da Ordem de Cristo, rolo de papel na mão (o rei se encontra entre os portugueses)
Navegantes e Marinheiros – camiseta vermelha (força da ação)
Martim Afonso – meia-calça de malha, camisa e calção bufante, sapatilha, boina, fita no pescoço com a cruz da Ordem de Cristo (Martim Afonso se encontra entre os navegantes)
indios – camiseta marrom (filhos da terra), uma tira na cabeça com uma pena; descalços, arcos na mão, um com tambor para tocar quando for hora.
Os narradores podem ficar no fundo da cena.
Os apresentadores podem ficar à esquerda. O jesuíta fica em silêncio no centro e na frente dos narradores. Os portugueses com o rei ficam do lado direito. Os navegantes e marinheiros podem formar duas fileiras, como um V que se abre a partir dos narradores. A peça se inicia com os navegantes e marinheiros de joelhos. O jesuíta os abençoa.
APRESENTADORES (enquanto o jesuíta abençoa navegantes e marinheiros):
– Abençoados esses valentes
que vão partir pelo imenso mar,
que vão em busca de continentes
com outras terras onde morar.
O grande enigma à sua frente
é o futuro a se revelar.
Sejam louvados por toda gente
e em boa hora possam voltar.
NARRADORES (devagar e solenes; os navegantes e marinheiros se levantam):
– “Pera haver de dar notícia e enformação de alguma cousa,
foi o Brasil povoado per Martim Afonso de Souza. “ (da crônica do século XVI)
(O rei entrega a Martim Afonso o rolo de papel que lhe confere autoridade.)
MARTIM AFONSO (à frente de navegantes e marinheiros, como capitão-mor):
– Eu vou, por ordem do rei,
povoar e cultivar
a terra nova e selvagem.
Defender de todo mal,
cuidar dela muito bem
são missões desta viagem. (junta-se aos navegantes e marinheiros)
MESTRE (ordena em voz alta, com as mãos em concha ao lado da boca):
– Levantar âncoraaaa…! (movimento dos marinheiros puxando a âncora)
Ao cabrestanteeee…! (movimento dos marinheiros girando o cabrestante)
PORTUGUESES (cantam; navegantes e marinheiros balançam no ritmo):
“Mandou-o el rei Dom João
a povoar novas terras.
Lá vai com seu galeão,
com naus e com caravelas.
As águas do rio Tejo
os vão levando pro mar.
Com favoráveis correntes
vão navegar, navegar.
– Adeus a Martim Afonso (agitam lenços coloridos)
com toda a sua equipagem!
Que cheguem logo a bom porto!
Que façam boa viagem!”
MARINHEIROS (balançando no ritmo e apontando os que são citados):
– Gajeiro na gávea,
timoneiro no timão.
O mestre, o contramestre
e o senhor capitão.
MESTRE (falando alto como da outra vez):
– Largar as velas mestraaas…! (movimento dos marinheiros)
MARINHEIROS (balançando no ritmo):
– Vou nas águas, vou no tempo,
navegando a barlavento.
Vou nas águas, vou no tempo,
navegando a barlavento.
MARINHEIRO 1 (grita, ao olhar pela esquerda do barco):
– Tubarões a bombordo!
MARINHEIRO 2 (grita, ao olhar pela direita do barco):
– Vejo a estibordo um peixe que voa!
MARINHEIRO 3 (grita ao olhar pela frente do barco):
– Golfinhos pela proa!
MARINHEIROS (espantados, vendo o mestre olhar o céu, preocupado [Camões]):
– Eis o mestre que olhando os ares anda…
Os traquetes das velas tomar manda…
(movimentam-se)
CONTRAMESTRE (alto [ainda Camões]):
– Uma nuvem que os ares escurece
sobre nossas cabeças aparece!
Alerta, que o vento cresce…!
MARINHEIROS (movimentam-se, assustados [ainda Camões]):
– Grande e súbita procela!…
MESTRE (alto [ainda Camões]):
– Amaina! Amaina a grande velaaaa…!
(movimento dos marinheiros)
CONTRAMESTRE (alto [ainda Camões]):
– Grão soma de água pelo bordoooo…!
MESTRE (alto [ainda Camões]):
– Alijaaa…! Alija tudo ao mar! (os marinheiros tiram a água de dentro com baldes imaginários)
– Vão outros dar à bombaaaa…!
À bomba, que nos imos alagandoooo…!”(os marinheiros começam a tirar água bombeando numa bomba imaginária)
PORTUGUESES (em sua terra, pensam nos navegantes e rezam cantando):
“Celestial potestade,
livrai-os da tempestade!
Senhor, Senhor, amparai-os!
Da tempestade livrai-os!” (enquanto isso, navegantes e marinheiros balançam fortemente, depois vão abrandando o balanço.)
APRESENTADORES ([Camões]):
– “Depois de procelosa tempestade,
noturna sombra e sibilante vento,
traz a manhã serena claridade,
esperança de porto e salvamento.”
CONTRAMESTRE (em voz alta, ao gajeiro que está de pé num banquinho)
– Gajeiro!!!
GAJEIRO:
– Sim, senhor contramestre?
CONTRAMESTRE:
– Alerta!
GAJEIRO (olhando pela luneta imaginária):
– Terra à vista!!!
CONTRAMESTRE (dirigindo-se a Martim Afonso):
– Alvíssaras, senhor capitão-mor! Terra à vista!
TODOS (animados, atirando os gorros para o ar):
– Terra à vistaaa…!!!
NAVEGANTES E MARINHEIROS (cantam, alegres):
“Chegou Martim Afonso
com sua caravela!
Que terra nova e bela!
Que terra nova e bela!
Chegou Martim Afonso
com sua caravela!”
NAVEGANTES E MARINHEIROS (falam recuando, no ritmo do tambor dos índios, que avançam):
– Mas eis que nas praias,
nas matas, nos rios,
cobertos de penas,
os índios espiam…
Com arcos e flechas,
vêm mudos de assombro.
De nós desconfiam,
não sabem quem somos…
NAVEGANTES E MARINHEIROS (cantam com a melodia anterior):
“Eu trago muita gente,
eu trago muita gente,
sementes pra quem queira,
sementes pra quem queira
e muito boa cana
da ilha da Madeira.”
NARRADORES (falam):
– “Está este sertão
povoado de diversos gentios.
Estes não furtam, são leais,
não têm mexericos nem ódios,
não são cobiçosos
e dão o que têm facilmente.
Têm notícia do dilúvio
e dizem que todo o mundo se alagou.
Só ficou um irmão e uma irmã.
Sabem que o homem tem alma,
e que depois vão suas almas
a uns campos muito fermosos.”
ÍNDIOS (cantam):
“Igaraitámahan, Abamaham! Igaraitámaham,
Abamahan!
Hê, hê, quem é você? Hê, hê, quem é você?
Não sei se você vai ser bom pra mim.
Por isso é que pareço bravo assim.
Mas se é mesmo em paz que você vem,
a terra toda eu lhe mostrarei!
Até a serra além! Hê, hê, quem é você?”
NAVEGANTES E MARINHEIROS (cantam):
“Viemos em paz,
bom vento nos traz.
É o rei que nos envia.
Bom-dia, bom-dia!
Engenho d’assucre
iremos construir,
e para toda a gente
vai ele servir!”
ÍNDIOS (cantam a mesma melodia):
“Engenho d’assucre
é para toda a gente.
Tupã oreré sape! (Deus nos alumia)
Qui, aracatu!” (Oh, bom dia)
ÍNDIOS, NAVEGANTES E MARINHEIROS
(cantam, bem alegres):
“Qui, aracatu!
Tupã oreré sape.
O Pai nos alumia.
Bom-dia, bom-dia!”
(Navegantes e marinheiros, misturados aos índios, ajoelham-se, ao verem que o jesuíta, até então imóvel, dá alguns passos à frente e implanta a cruz na terra.)
NARRADORES (solenemente [da crônica]):
– “Em baía mui fermosa,
em sete graus da banda do sul,
está,
na ilha de Guaípe,
São Vicente,
pera haver de dar notícia e enformação”.
*1: ROQUETE-PINTO, Edgard. Rondônia: Anthropologia-Etnographia. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 2005.
*2: SOARES, Padre Francisco. De Algumas Coisas Mais Notáveis do Brasil: manuscritos de Coimbra e de Madri de 1591-6. Instituto Nacional do Livro, 1966.
*3: CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo: Edições Melhoramentos, 13ª edição, data n/d.
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