A música e o canto são indispensáveis numa escola Waldorf.
por Rubens Salles
A importância da música na educação já é reconhecida desde tempos imemoriais. A educação centrada na música foi objeto de profunda reflexão por parte de Platão, que considerava que a harmonia e a predisposição da alma são determinadas por sentimentos estéticos, como vemos neste trecho de seu diálogo com Glauco.
“Será, Glauco, que a educação pela música é muito eficiente principalmente porque o ritmo e a harmonia penetram no íntimo da alma e com muita força a tocam e, trazendo-lhes elegância, também lhe emprestam uma postura elegante, se é bem educado? E, se não for, dar-se-á o contrário? Por outro lado, não seria também porque a pessoa, educada na música como convém, perceberia com mais acuidade os defeitos que há nas obras de arte não bem trabalhadas e nos seres da natureza e, com razão, descontente com isso, louvaria o que é belo e, acolhendo-o com alegria em sua alma, dele se nutriria e viria a ser um homem nobre e bom? Desde a infância, porém, censuraria e odiaria os vícios, mesmo antes de ser capaz de entender porquê, e, quando a razão chegasse, geralmente seria o que foi educado na música quem lhe daria boas vindas, porque reconheceria a afinidade que há entre eles?”(1)
No Jardim de Infância das escolas Waldorf os alunos têm a vivência de cantigas e do kântele, primeiro ouvindo-o durante histórias e cantigas e depois tocando-o. O kântele é um instrumento de cordas típico da região da Lituânia e da Finlândia e é tocado em escala pentatônica maior (Dó Ré Mi Sol La), que é tida como a primeira escala conhecida pelo homem, a escala primordial. Quando a criança nasce, e nos primeiros sete anos de sua vida, ela se encontra ligada a essa escala também.
“Mais delicado que o vento quando roça os ramos das árvores! Tão suave quanto uma brisa que acaricia as águas de um lago tranquilo. Um som tão macio, tão doce, que faz você se sentir envolvido, aconchegado, protegido, aninhado nos braços de uma mãe carinhosa. Você pode se aproximar da sensação dele se puder sentir em seu rosto um afago delicado e muito, muito amoroso. Um afago de alguém que não tem pressa ou compromisso. Alguém que está ali, inteiro, presente. Que tem como único desejo envolver você num ninho de amor! Se você pode imaginar essas coisas, então pode começar a ter uma ideia de como soa o kântele.” Flávia Betti
Quando passam para o 1° ano, as crianças continuam a cantar e começam a tocar flauta doce, que os acompanha durante todo o Ensino Fundamental.
No 3° ano o violino, instrumento cujas características alimentam as necessidades anímicas da criança de 9 anos, faz parte do currículo. Nos anos seguintes, aqueles que quiserem seguem com o violino em aulas optativas.
A partir do 5° ano, muitas escolas têm uma pequena orquestra, onde os alunos podem ingressar tocando o instrumento com o qual tenham mais afinidade. Essa atividade geralmente é optativa. O canto, assim como a poesia, é uma atividade quase quotidiana na parte rítmica da aula, no ensino fundamental.
A música já faz parte da alma da Pedagogia Waldorf desde a criação da sua primeira escola, e curiosamente, hoje, a importância da música para a educação está sendo comprovada cientificamente. Recentemente os neurocientistas fizeram grandes avanços na compreensão de como nossos cérebros funcionam monitorando-os em tempo real com instrumentos como o escaneamento FMRI (Ressonância Magnética Funcional) e PET (Tomografia por Emissão Positônica). Uma das mais surpreendentes descobertas foi a de que tocar um instrumento musical envolve praticamente todas as áreas do cérebro ao mesmo tempo, processando simultaneamente diferentes informações em sequências intrincadas, inter-relacionadas e surpreendentemente rápidas, principalmente nos córtices visual, auditivo e motor, aumentando a atividade no corpo caloso, que é a ponte entre os dois hemisférios cerebrais. Constataram, inclusive, que o corpo caloso é mais desenvolvido nos músicos profissionais.
Estudos também mostraram que as crianças pequenas que fizeram 14 meses de treinamento musical exibiram mudanças estruturais(2) e funcionais(3) em comparação com aqueles que não fizeram. Juntos, esses estudos comprovaram que aprender a tocar um instrumento musical não só aumenta o volume de matéria cinzenta em várias regiões do cérebro, mas também pode fortalecer as conexões de longo alcance entre elas. Outras pesquisas mostraram que a prática de um instrumento musical também melhora a memória, o raciocínio e as habilidades linguísticas relacionadas à alfabetização.(4)
Não se sabe, até o momento, de nenhuma outra atividade humana que exija do nosso cérebro a atuação de tantas áreas simultaneamente. Inclusive, constatou-se que o treinamento musical facilita a reabilitação de pacientes que se recuperam de acidentes vasculares cerebrais e outras formas de dano cerebral, e alguns pesquisadores também argumentam que pode aumentar o processamento e aprendizado da fala em crianças com dislexia e outras deficiências de linguagem.
O treinamento musical inclui trabalhar os sentidos de visão, audição e toque, bem como movimentos finos, e tudo envolvido por uma conexão emocional. Seus benefícios parecem persistir por muitos anos, ou décadas, o que mostra que aprender a tocar um instrumento musical na infância é extremamente benéfico, e que a educação não pode prescindir da música como elemento de apoio ao desenvolvimento integral da criança.
Bibliografia
- PLATÃO. A República de Platão. 2005, p. 109.
- HYDE Krista L, LERCH Jason, NORTON Andrea, FORGEARD Marie, WINNER Ellen, EVANS Alan C., SCHLAUGC Gottfried. The Effects of Musical Training on Structural Brain Development: McGill University, Montreal – Canada e outros 2009
- SCHLAUG Gottfried, NORTON Andrea, OVERY Katie, WINNER Ellen. Effects of Music Training on the Child’s Brain and Cognitive Development: Department of Neurology, Music and Neuroimaging Laboratory, Beth Israel Deaconess Medical Center/Harvard Medical School, e Department of Psychology, Boston College, Boston, Massachusetts USA 2005
- GORDON Reyna L., FEHD Hilda M., MCCANDLISS Bruce D. Does Music Training Enhance Literacy Skills? A Meta-Analysis: National Center for Biotechnology Information, U.S. National Library of Medicine – Rockville Pike, Bethesda USA 2015
- BETTI Flávia, Cantarolã – Ed. Cântaro, 2013.
***