March 30, 2018

The Sage Tchu-Hi

 

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peça de Detlev Putzar

tradução de Martha Maria Walsberg
revisão e adaptação Maria Barbara Trommer e Ruth Salles

NOTE

Esta peça foi preparada para o 8º ano de Annelvira Gabarra, em 1994. Como estava muito longa, procurei agora concentrá-la um pouco mais. Há duas canções que precisariam de uma melodia oriental.

Na primeira versão, Annelvira e eu deixamos a seguinte observação:

É interessante notar que no livro I Ching, traduzido por Richard Wilhelm e prefaciado por Carl Jung, lemos que essa sabedoria, de no mínimo cinco mil anos, foi compilada há três mil e cem anos pelos sábios Wen e Chou, sendo este um dos fundadores da dinastia Chou. Tal sabedoria chamava-se originalmente I, e só mais tarde recebeu as denominações de Chou I e de I Ching. Somos então levados a indagar, entre maravilhados e surpresos: Teria o termo Chou I (nome do sábio e da sabedoria compilada) algo a ver com o sábio Tchu-hi desta peça, o qual também compilou as regras e os costumes antigos para o povo chinês? Deixamos a resposta para quem a souber dar.

Ruth Salles

 

CHARACTERS

Tchu-hi, um sábio das montanhas
Argun, príncipe foragido (que também é o Máscara)
Cocachin, princesa que ama Argun
Kublai-Khan, imperador de Catai (China)
Siur-Kokteni, imperatriz de Catai
Achmak, ministro de Kublai
Uladai, criado de Achmak
Três lacaios de Achmak (no fim fazem parte do Povo)
Toman Van-co, general
Han-li, filha de Van-co
I-Yin, coronel
Cenco, capitão, que ama Han-li
Chi-lung-chi, prestimosa mulher junto ao portal
Três damas da corte
Dois mendigos
Dois ou mais soldados
Chefe de cerimônias
Três venezianos: Matteo, Nicolo e Marco Polo
Sete Pessoas do Povo
Servos

 

LOCAL: China (Catai), século XIII

NOTA: China é então chamada Catai, ou Império do Meio, porque os chineses achavam que seu império era o centro de toda a terra.

 

SCENE 1
Região montanhosa um tanto fantástica

Ruído de tambores, fanfarras, passos, luta.
Tchu-hi, Povo; I-Yin, Toman Van-co, Cenco; Achmak, Uladai e dois soldados; Cocachin.

TCHU-HI: – Ó montanhas silenciosas, até aqui, num recanto tão tranquilo, chega o som das fanfarras de guerra? (O povo se aproxima.) – Quem o chamou, ó Povo do Meio?

POVO: – Quem nos chamou foi a miséria.

TCHU-HI: – De que miséria posso livrá-los? Quando Achmak, o primeiro ministro e conselheiro do imperador, mandou queimar os rolos que escrevi para todos, contendo as leis, os costumes e as virtudes dos antepassados do Império do Meio, do Império do Centro do Mundo, nenhum de vocês se rebelou.

POVO: – Faltou-nos coragem, ó sábio Tchu-hi! Mas agora sofremos tanto! Realize um sacrifício junto conosco! Torne os deuses misericordiosos!

TCHU-HI: – Pois então vão na frente e armem os altares. Preparem o sacrifício! (O povo se retira.)

TCHU-HI: – Ah… Que posso eu fazer? Nestes tempos, a força de um sábio é diminuta, porque o mal é grande.

(O sábio sai também. Aparece primeiro, I-Yin, que espera um pouco pelos outros.)

I-YIN (vendo chegar Toman Van-co): – Meu general Toman Van-co!

TOMAN VAN-CO: – Ora, é meu bom amigo o coronel I-Yin!

I-YIN: – Oh, general! Cumprimos as ordens de Kublai-Khan e levamos a caçada até os fins do reino, mas não achamos o príncipe Argun.

TOMAN VAN-CO: – Pelo jeito, o fio de nossas espadas não é para ele.

I-YIN: – Seu rastro se perde nas montanhas. Só os deuses saberão se ainda vive.

TOMAN VAN-CO: – Então Argun escapou! O reino de seu pai foi esmagado por Kublai Khan, que não aceitou que o próprio irmão não se ajoelhasse a seus pés. E agora o príncipe está condenado à morte!

I-YIN: – Confesso que não me atraiu a glória de perseguidor.

TOMAN VAN-CO: – Só que você se esqueceu da segunda parte da ordem: Não descansar enquanto o príncipe não estiver algemado. Se você chegar de mãos vazias, receberá o machado do juiz no pescoço.

I-YIN: – Pois eu acho que cumpri as ordens do imperador, e se meu general ordenar regressamos já.

TOMAN VAN-CO: – Hum… As ordens do imperador… Em nome dele, quem manda agora é seu primeiro conselheiro, o sarraceno Achmak. Que você pensa disso, capitão Cenco?

CENCO: – O país foi subjugado. O jovem príncipe está ameaçado pelo cárcere ou pela espada. Ele tem de se manter escondido.

I-YIN: – O senhor está vendo, meu general, que o capitão pensa como eu, embora eu sinta que a sombra de Achmak pode cair sobre mim. Seu poder é quase igual ao do imperador.

TOMAN VAN-CO: – Como amigo, não ouvi o que você disse. Como comandante, devo aconselhá-lo: Tenha cuidado! O sarraceno manda, e acho que só um milagre mudará esta situação.

I-YIN: – A ação decidida de muitos conseguirá o milagre; cada um, sozinho, é apenas um caniço que qualquer vento curva. Mas já se fala por aí de uma irmandade consagrada a essa meta.

CENCO: – Que é acabar com o domínio estrangeiro.

TOMAN VAN-CO: – Vou fingir que não ouvi isso, senão terei de entregar os dois ao juiz e à corda do carrasco.

CENCO: – Ora, general! Uma corda para mim vai acabar estrangulando seus netos.

TOMAN VAN-CO: – Do que é que você está falando?

CENCO: – De sua filha.

TOMAN VAN-CO: – Han-li? Deixe minha filha fora disso. Você fala demais, e há ouvidos atentos. Você vai escrever para Han-li?

CENCO: – Vou, sim, com certeza. Por que?

TOMAN VAN-CO: – Escreva de tal modo que o que for escrito tenha um sentido especial para mim. Han-li não deve perceber nada. E, se você encontrar os sinais combinados na carta que ela lhe mandar em resposta, regresse então para Cambaluc.

CENCO: – Mas estou achando que só meu general sabe onde buscar a tal irmandade que quer livrar o país do domínio estrangeiro.

TOMAN VAN-CO: – Basta, Cenco! Vá logo! (olha ao longe) Ora! A guarda deixou passar alguém livremente. Quem será?

(Achmak vem chegando com seus dois soldados.)

CENCO (à parte): – Falou no diabo, apareceu o rabo. É o sarraceno.

TOMAN VAN-CO (inclina-se diante de Achmak): – Deus no céu, e o Khan na terra. Saudações a seu dignitário.

ACHMAK: – Ah, eis aí Toman Van-co, o general supremo.

I-YIN: – Senhor, o costume desta terra é devolver a saudação recebida.

ACHMAK (com desprezo): – Conheço esses costumes camponeses.

CENCO: – Sim, o Khan respeita quem dá esses exemplos ao povo.

ACHMAK: – Esses exemplos não servem de nada. O povo é ruim e precisa de castigos e proibições.

TOMAN VAN-CO: – Com a bondade unida à justiça, o povo e o país prosperam.

ACHMAK : – Ora, justiça! Fiquei sabendo que vocês leem as antigas escrituras do velho sábio Tchu-hi, que estão agora proibidas e mandei queimar. Mas o Khan os estima e não vai censurá-los por isso. Com certeza vocês conseguiram aprisionar Argun, o príncipe, ou conseguiram tirar-lhe o peso terrestre, o que seria melhor ainda.

I-YIN: – Apesar de uma cavalgada sem descanso, Argun nos escapou.

ACHMAK: – Em nome de Kublai Khan, eu ordenei: vivo ou morto! Você falhou. (aos dois soldados que estão entrando): – Soldados! Prendam-no! Tirem suas insígnias!

TOMAN VAN-CO (aos dois soldados): – I-Yin, seu superior, cumpriu lealmente sua obrigação. Argun, o príncipe, fugiu para fora de Catai, para fora do território do Império do Meio. Não foi ordenado que se levasse a guerra para além das fronteiras.

ACHMAK: – Que fronteiras? O reino do Grande Khan não tem fronteiras. Sua palavra é lei no universo todo. E eu sou a boca do imperador, com a qual ele lhes fala. E eu ordeno que I-Yin seja preso! (Os soldados amarram as mãos de I-Yin e saem arrastando-o para fora) Quero Argun aqui! O povo continua acreditando que ele voltará como rei! Tragam seu cadáver!

TOMAN VAN-CO: – Sim, e a benevolência de Kublai Khan dará a coroa ao grande Achmak, que vai crescer acima da sombra do trono.

ACHMAK: – Você me adula com uma coroa, Toman Van-co. Mas brilhar aos pés do trono é suficiente para mim. Você já está partindo?

TOMAN VAN-CO: – De volta a Cambaluc, para cumprir as tarefas antigas (sai com Cenco).

ACHMAK (para Uladai, seu servo): – Então, Uladai, que novas você me traz do grande astrólogo, que interpreta o futuro para o Khan?

ULADAI: – Ele disse que Saturno rege o caminho terreno do Filho do Céu…

ACHMAK: – Será que o caminho do imperador é regido por outros poderes? (para si mesmo) “Saturno” será o nome do meu planeta? (para Uladai) – E que mais? Ele não disse quando secará a fonte de vida do imperador?

ULADAI: – Ele disse que na festa da primavera, quando o dia e a noite se equilibram, será revelado o par de regentes.

ACHMAK: – Um par de regentes? Dois novos regentes? E Kublai Khan, ele sobreviverá?

ULADAI: – O estudioso das estrelas disse: “Na festa da primavera, ele renunciará ao trono.” Não disse que o perderá por morte.

ACHMAK: – E como o astrólogo interpretou o par de regentes?

ULADAI: – Ele falou de um par de regentes que vive incógnito na corte.

ACHMAK (para si mesmo): – Eu, incógnito? Vou desmascarar essa farsa, e do par ficará apenas um!

(Barulho em volta. Os soldados trazem um prisioneiro.)

ACHMAK: – Que está havendo? Quem está fazendo tanto barulho?

ULADAI: – Um prisioneiro! Mas é uma jovem!

ACHMAK (vendo que ela se defende): – Que há com esta selvagem?

1º SOLDADO: – Quando penetramos na floresta, ela fugiu ao ouvir nosso chamado. Achamos que era Argun e a perseguimos. Pensamos que prendíamos o príncipe incólume e poupamos sua vida, mas depois vimos que se tratava de uma jovem!

ACHMAK: – Mas quem é ela?

2º SOLDADO: – Ela se feriu e, em sua dor, chamava por Argun, o nome do muito procurado. Mas não revelou seu próprio nome.

ACHMAK (à jovem): – Quem é você, animal selvagem das estepes? Que significam esses trajes masculinos?

COCACHIN: – Fui caçada como uma assassina em minha própria terra, que não está em guerra com a sua. Esta montanha é morada dos deuses do meu povo, onde Tchu-hi faz os sacrifícios nos altares a céu aberto. Quem é o senhor, que ultrapassa as fronteiras de meu país e me persegue?

ACHMAK: – As perguntas faço eu, o conselheiro do Khan! Onde nossos rebanhos pastam, a terra é nossa! Você falou em Tchu-hi! Saiba que os rolos que ele escreveu eu reduzi a pó, a fim de que o povo venere apenas o imperador. Você escondeu Argun. A vida dele está amaldiçoada, assim como a sua, se não revelar onde ele está!

COCACHIN: – É a vida dele que importa, não a minha. Eu sou Cocachin, e de Argun nada direi.

1º SOLDADO: – Senhor, ela perdeu este colar ao cair. Pendurada nele há uma pequena peça de prata imitando a lua, e também um dente de lobo.

ULADAI (à parte a Achmak): – Se ela quer sacrificar-se por Argun, deve ser noiva dele. Devolva-lhe a lua e o dente de lobo, talvez ele use outro igual.

ACHMAK (ao soldado): – Devolva seu colar e pode levá-la para Cambaluc.

(Os soldados saem com Cocachin, por onde saíram com I-Yin.)

ACHMAK (a Uladai): – Vou dá-la de presente ao imperador. A notícia correrá depressa, e logo Argun vai saber e virá cair em nossas mãos a fim de libertá-la.

(Barulho de tambor. Povo surgindo de todos os lados.)

ACHMAK (assustado): – Quem são vocês e o que querem?

POVO: – Somos o povo de Catai e queremos, através do senhor, pedir ao imperador os frutos de nosso trabalho.

ACHMAK: – Os frutos de seu trabalho? (ri) Tudo que a terra dá pertence ao imperador. Com que direito o povo se atreve a julgar como ele distribui seus bens?

POVO: – Com o direito de viver.

ACHMAK: – Morte e vida estão nas mãos do regente, mas os funcionários vão estudar suas queixas. Podem ir.

(O povo, recuando, sai.)

ACHMAK: – Eles ameaçam a mim, Achmak?… Para onde foram?

ULADAI: – Quem, senhor?

ACHMAK: – Quem? Você pergunta quem? Você não viu ninguém?

ULADAI: – Não vi ninguém.

ACHMAK: – Como não viu? Ora essa! (pensa um pouco) Soube que o Imperador vai mandar o veneziano Marco Polo para inspecionar as províncias. Mas é preciso que o povo saiba quem manda aqui. (Os dois saem.)

 

SCENE 2
Mesma região

Argun; Tchu-hi.

ARGUN (olhando para trás como um fugitivo): – Será que minha fuga chegou ao fim? Por que eu, Argun, tenho que vagar sem rumo? E Cocachin não estava no esconderijo. Será que foi aniquilada pelo inimigo ou tragada pelos abismos da montanha? Será que não vou mais vê-la e minha felicidade não se cumprirá? Revelem-me, ó deuses que regem o curso das estrelas!

(Entra o velho Tchu-hi.)

ARGUN: – Ó velho, que espírito seu corpo abriga?

TCHU-HI: – O espírito que, quando deve falar, também usa o silêncio.

ARGUN: – Assim fala a sabedoria.

TCHU-HI: – Assim falam os anos, Argun.

ARGUN: – O senhor sabe quem eu sou?

TCHU-HI: – Eu sei quem você foi.

ARGUN: – É verdade, meu bom velho. O Argun que existiu não existe mais. Ele perdeu seu país e perdeu Cocachin, a flor das montanhas.

TCHU-HI: – Você pode conquistar algo novo. Deve esquecer o que um dia foi.

ARGUN: – Esquecer quem amei? Esquecer que meu pai, por não querer prestar homenagem ao irmão invencível, roubou assim o futuro de seu próprio filho?

TCHU-HI: – O filho não deve acusar o pai. Ele viveu a vida dele. Inicie você mesmo a sua. Você nasceu príncipe e deve conquistar seu reino.

ARGUN: – Ó velho, não caçoe de mim. Estou sendo perseguido e quem quiser me abrigar corre perigo.

TCHU-HI: – Quem tem amor e coragem segue seu caminho sem se assustar com ameaças. Esse é um homem.

ARGUN: – Mas tenho de vagar solitário, pois quem me reconhecer pode me matar e ser recompensado por isso. Preciso fugir dos homens, e isso não é um bom destino.

TCHU-HI: – Quem não quer ser reconhecido se abriga em segurança no palácio do Khan.

ARGUN: – Os anos dão sabedoria, mas também dão extravagância… Devo então ir então para Cambaluc, para o palácio do Khan, que me tomou tudo, que me fez mendigo? Com que disfarce eu estaria seguro?

TCHU-HI: – Eu lhe empresto minhas vestes. Não há disfarce melhor que de um sábio.

ARGUN: – Suas vestes não farão de mim um sábio; mas esse desafio me levanta o ânimo!

TCHU-HI: – Há algo que você precisa saber. Se você usar este áspero envoltório de um eremita, não vai mais se lembrar de Argun. Um sono profundo levará embora seu Passado.

ARGUN (consigo mesmo): – Se perdi Cocachin, que era dona de meu coração, posso perder também o meu Passado. (a Tchu-hi): – Aceito, velho. Empreste-me sua vestimenta. Quando é que o senhor vai pedi-la de volta?

TCHU-HI: – Quando, em Cambaluc, o imperador jejuar e alimentar os pobres, suplicar por chuva para os frutos da terra e, com sua própria mão, arar três sulcos sob a lua da primavera. Que cordão é esse em seu pescoço?

ARGUN: – Nele estão pendurados um dente de fera e a lua de prata da estepe. Há algum tempo, salvei uma jovem que se defendia de uma loba com uma coragem desesperada. Ela dividiu comigo seu colar da lua de prata, e em cada um penduramos também um dente da loba. Era Cocachin essa jovem. Ah, será que ainda está viva?

TCHU-HI: – Ela agora foi adotada como filha pelo imperador. Guardarei comigo seu colar. Com ele, você poderá ser descoberto. (Põe sua veste em Argun e tira seu colar.)

ARGUN (desapontado): – Não sinto diferença, meu bom velho. Mas… sinto-me leve e me expandindo. Que amplidão azul… (ele adormece).

TCHU-HI: – Dormiu. De manhã, você acordará e irá para Cambaluc. Se alguém perguntar por Argun, diga apenas “Ele vive”. Aquele a quem o céu quer salvar, o céu protege. Na festa da primavera tomarei de volta minha roupa. (Tchu-hi sai.)

 

SCENE 3
Na sala da corte no palácio

O trono do imperador e o da imperatriz. Um gongo.
Ao fundo, duas sentinelas, o servo que toca o gongo; outros servos; na frente, a imperatriz Siur-Kokteni, Cocachin, três damas da corte com harpas; Mestre de Cerimônias; Kublai Khan; Argun.

SIUR-KOKTENI: – Cocachin, querida, como você está pensativa. Você agora é uma filha querida da casa imperial. Você se lembra de quando os soldados a trouxeram?

COCACHIN: – Sim, meu coração bate com medo até hoje.

SIUR-KOKTENI: – Sua chegada nos foi anunciada! O imperador viu-a e lhe deu a liberdade, e me deu uma filha para cuidar. Mas você nem sorri para sua boa sorte.

COCACHIN: – É a saudade da estepe onde nasci, mas agradeço a sua benevolência.

SIUR-KOKTENI: – Eu também nasci na estepe, conheço seu chamado. Quando Kublai-Khan venceu o reino de Catai, todas as regiões passaram ao seu domínio. Porém o novo senhor foi conquistado pelo povo subjugado, que tinha escrita, livros e sabedoria. Kublai-Khan não é mais mongol. Ele é imperador de uma nova dinastia.

COCACHIN: – A lua de prata sobre a estepe chama por mim… (canta ao som das harpas):
“Minha tenda era redonda,
tinha paredes de feltro.
Muitas vezes carne crua
me servia de alimento.
Bebia o leite das éguas,
agora estou tão distante…
Se eu fosse a grou amarela,
voava lá num instante.”

SIUR-KOKTENI: – Não há sol que faça com que você esqueça a lua de prata?

COCACHIN: – Em Cambaluc, o sol é o imperador Kublai Khan.

SIUR-KOKTENI: – Existe alguém que está perto do sol e que me pediu para falar com você. É Achmak. Ele quer você como esposa. Apesar de ser sarraceno, nenhum mortal, depois do Khan, é mais poderoso que ele.

COCACHIN: – A senhora fala de alguém que me faz medo.

SIUR-KOKTENI: – Você foi sua presa de guerra, e ele a deu de presente ao Khan como filha. Ele a corteja como princesa, e também porque o casamento o ligará à casa imperial como filho. O imperador apoia esse pedido e o anunciará na festa da primavera.

COCACHIN: – É a ganância pelo poder que faz Achmak querer casar-se comigo. Foi para isso que o Khan me tomou como filha? Para me entregar a Achmak, o tenebroso? Não há nada que afaste de mim essa desgraça?

SIUR-KOKTENI: – Cocachin, não exijo que você dê esperanças a ele. E confesso que um outro seria mais digno do trono e de você.

(O som de um gongo anuncia a aproximação do imperador.)

MESTRE DE CERIMÔNIAS (proclama): – Pelo deus eterno, que o nome do grande Khan seja louvado.

(Os presentes se curvam, e Kublai-Khan vai para o trono.)

KUBLAI-KHAN: – Shang-ti, o mais alto dos deuses, dá e toma! As estrelas anunciam que meu reinado chegará ao fim. Algo novo quer surgir, gerações com outras ideias se preparam para o futuro.

SIUR-KOKTENI: – Embora eu não tenha gerado um filho, ainda me resta a esperança de ver a regência continuar pela antiga linhagem.

KUBLAI-KHAN: – Sua esperança chama-se Argun, e, pelo que Toman Van-co relatou, a perseguição forçou-o para as altas cordilheiras, onde nada existe para comer e para beber. Quando a lua se arredondar, vou dizer ao povo qual o novo regente. Você sabe quem me agrada.

SIUR-KOKTENI: – Toda a corte sabe que o imperador favorece Achmak. Mas, ouça: nas margens do rio, lá onde os carpinteiros fazem barcos para a competição na festa da primavera, há um homem que carrega fardos, e ele diz que Argun está vivo.

KUBLAI-KHAN: – Argun, vivo?

SIUR-KOKTENI: – Sim. Mandei que trouxessem do rio o carregador de fardos até o palácio. Se ele não perder a coragem diante do trono do imperador, deverá dizer: “Ele vive”.

KUBLAI-KHAN: – Pois quero interpelá-lo. E, se ele não assumir o que disse ao povo, serei para ele um juiz severo. Que ele entre!

(Argun é trazido para dentro.)

COCACHIN (para si mesma): – Grande Senhor dos céus! É Argun!

ARGUN (ajoelha-se) – Longa vida ao imperador!

KUBLAI-KHAN: – Aproxime-se e diga quem é você!

ARGUN: – Senhor, sou um carregador, mas antes fui pastor de cavalos.

KUBLAI-KHAN: – Foi nesses afazeres inferiores que você viu Argun, o príncipe?

ARGUN: – Jamais o vi. Seu rosto me é desconhecido.

COCACHIN (consigo mesma): – Ele jamais o viu, e é ele mesmo!

KUBLAI-KHAN: – Se você nunca o viu, como proclama atrevidamente: “Ele vive”?

ARGUN: – O bom velho me disse que respondesse isso a quem perguntasse.

KUBLAI-KHAN: – E quem é esse velho? Onde meus emissários poderão encontrá-lo para trazê-lo aqui, a fim de que a dor da incerteza se transforme em lamento ou alegria?

ARGUN: – Eu o conheci lá onde os altos rochedos seguram a abóbada celeste, mas a clareza da lembrança me foge…

KUBLAI-KHAN: – Cocachin, ó linda filha, você está pálida! (para Argun): – Eu sei quem é esse velho. É Tchu-hi. O altíssimo deus Shang-ti permitiu que ele ditasse regras para a terra. E logo o povo obedeceu a ele e cuidou com devoção dos rolos onde ele escrevia para a melhoria da humanidade. Mas Achmak, meu conselheiro, queimou aqueles rolos. (Aos servos): – Procurem Tchu-hi! Que meus melhores emissários o convidem cordialmente para que venha à minha presença! (a Argun): – Você ficará aqui em penhor. Há muito tempo que o jardineiro me aborrece pedindo um ajudante. Cocachin poderá conduzi-lo até ele. (à Imperatriz): – O latino Marco Polo já foi anunciado?

SIUR-KOKTENI: – Ainda não temos notícias, mas ele está sendo esperado.

KUBLAI-KHAN: – Investiguem seu paradeiro. Quero sacrificar no altar do seu deus, que você chama de Cristo.

COCACHIN (ergue-se para acompanhar Argun e fala consigo mesma): – Ele olha para mim como se nunca me tivesse visto e, no entanto, é Argun!

ARGUN: – Linda filha do Imperador, eu devo ir servir o jardineiro. Leve-me até ele. (Os dois vão saindo)

COCACHIN: – Cocachin é como me chamam. Esse nome não lhe diz nada?

ARGUN: – Sim. Em todos os mercados se ouve dizer que o Imperador a tomou como filha. Agora vejo que é verdade… E você é bonita.

COCACHIN: – E seu nome, qual é?

ARGUN: – Chamam-me de “Olá!” ou “Você aí!”, e ocasionalmente de “Imbecil” ou coisa pior.

COCACHIN: – E sempre foi assim?

ARGUN: – Desde que consigo me lembrar.

COCACHIN: – E seu pai? Ele nunca o chamava de Argun?

ARGUN: – A mim? Meu pai? Nenhum pai me chamava.

COCACHIN (consigo mesma): – Seu coração ardente se apagou. É ele e, no entanto, não é ele.

ARGUN: – Linda filha do Imperador, não desperdice seu esforço com um nome. Se eu me chamasse Wang ou Li, que se ganharia com isso? Você ama as flores porque lhes foram dados nomes?

COCACHIN (consigo mesma): – A cada palavra eu o reconheço. (a Argun): – Vamos, então, “você aí”! (Saem os dois.)

SIUR-KOKTENI (a seus servos): – Mandem vir minha liteira e levem-me até o mar. Quero que minha filha seja disfarçadamente vigiada. E, se possível, impeçam que Achmak fale com ela. Os lacaios dele também, pois pior que o próprio diabo são os diabos ensinados.

(Saem os servos levando a Imperatriz na liteira. Todos saem.)

 

SCENE 4

No interior do país, no campo.

O povo implora indignado por arroz.
O povo; os soldados e Uladai. Mais tarde, Marco Polo.

PESSOAS DO POVO (para Uladai):
1 – Arroz!… Arroz!…
2 – Senhor!… Senhor!…
3 – Senhor, o povo faminto espera pelo arroz!

ULADAI: – Calem-se! É ordem de Achmak dar arroz só em troca de ouro!

PESSOAS DO POVO:
4 – Ouro? Ouro nós não temos.
5 – Demos nosso trabalho em troca do arroz!
6 – Então Achmak é o Grande Khan?
7 – Há de chegar o castigo para vocês e para Achmak!
TODOS (avançam com instrumentos de lavoura): – Castigo para Achmak!

ULADAI (assustado recua): – Em nome do Khan! Aceito papel moeda como garantia e lhes dou um pouco de arroz em troca.

(O poço aceita e paga, recebendo muito pouco arroz. Murmúrio e zum-zum. Saem Uladai e soldados. Marco Polo vem chegando.)

PESSOAS DO POVO:
1 – Ah… é muito pouco… Que o céu nos proteja de Achmak!
2 – Olhem! O veneziano vem chegando!
3 – O veneziano é nossa esperança!
4 – Marco Polo, venha socorrer nossas bocas famintas!
5 – A cobiça de Achmak nos mata de fome!

MARCO POLO: – Vocês terão seu arroz. Kublai Khan não quer ver o povo passando necessidade. Aproximem-se! (abre os sacos e distribui) Aqui está o arroz, e também lhes dou feijão e painço.

PESSOAS DO POVO:
6 – Que os céus protejam o veneziano!
7 – Generoso Marco Polo!

(Saem. O povo por um lado, Marco Polo pelo outro.)

 

SCENE 5
Jardim perto do palácio

Uladai, Achmak; 3 lacaios; Povo; Cocachin e 3 damas da corte; Argun.

 

ACHMAK (para Uladai): – Você fez o que ordenei? Coletou ouro? Ameaçou de morte todo aquele que se recusar a pagá-lo? Bem sei que o povo ainda guarda em esconderijos algumas moedas antigas. A fome será, para mim, o cão de caça que irá até seus últimos tesouros. Em nome de Kublai, vai passar fome aquele que não der ouro em troca de arroz. E, de cada três peças de ouro, uma vou tomar para mim. Onde estão elas? Ande com isso, Uladai!

ULADAI (tirando da cesta de um lacaio grossos maços de notas):
– Senhor, isto é tudo o que eu consegui trazer.

ACHMAK (recua espantado): – Dinheiro em notas de papel? Patife! Onde está o ouro? Vou mandar chicoteá-lo até que a verdade me seja revelada!

ULADAI: – A verdade não precisa de chicote. Nas províncias, o povo reclama e passa fome. E ninguém pode pagar o preço que o senhor exigiu, muito menos em ouro.

ACHMAK: – Mas eu disse que a vontade de Kublai é que dita o preço.
E é tarefa sua executar a vontade do imperador!

ULADAI: – Eu tentei. Mas só ouvia a exclamação: Então Achmak é o Grande Khan? Quem castigará o muçulmano pelo sofrimento que nos está causando?

1º LACAIO: – Foi isso mesmo, senhor.

2º LACAIO: – Nós fomos testemunhas,

ACHMAK: – Quem lhes deu ordem de falar?… (consigo mesmo): – O povo, em vez de citar o nome do imperador, cita meu nome… Estão antecipando o que um futuro bem próximo trará. (a Uladai): – Mesmo que o povo ferva de raiva, que me importa?

ULADAI: – O veneziano, que anota tudo o que ouve a pedido do Khan, espanta-se de ver o povo passando fome. Ele aconselha aos comandantes que distribuam painço e arroz aos famintos para que o castigo não recaia sobre eles. Kublai Khan não quer ver o povo passando necessidade.

ACHMAK:- Será que estou ouvindo bem? Você está dizendo que ele dá de presente painço, arroz, e não os troca nem por papel-moeda? Despreza o que eu ordenei em nome do imperador? Há quem seja testemunha disso?

3º LACAIO: – Vimos com nossos próprios olhos.

ACHMAK: – Faz tempo que eu desejo ver na forca esse privilegiado do Ocidente. Ele será logo esquecido. O Khan está velho. Sua estrela desce e a minha sobe. Dê-me de beber, que estou com sede. (Uladai pega a jarra e enche uma caneca. Achmak bebe, depõe a caneca e olha desconfiado para Uladai.) Já chegou à corte o sábio Tchu-hi, aquele que Kublai Khan chamou ao palácio?

ULADAI: – Pelo que se sabe, ainda não.

ACHMAK: – Meus espias o viram; ele vai até o mercado, conversa com homens cultos, entra no pagode de Confúcio, mistura-se com o povo, como se ninguém o esperasse.

ULADAI: – E o que o senhor ordena?

ACHMAK: – Assim que ele se mostrar nos portões do palácio, quero que seja trazido a mim.

ULADAI: – No entanto, senhor, eu aconselho…

ACHMAK: – Cale-se! Você fala demais!

(Entra o Povo, com batidas ritmadas de tímbales. Uladai não o ouve nem vê.)

POVO: – Nós…

ACHMAK: – Atrevidos! Quem são vocês?

POVO: – O povo!…

ACHMAK: – Fora daqui, idiotas! Aqui não é o seu mundo!

POVO: – Em nosso mundo existe fome… Sua mão pesada roubou o que nosso trabalho tirou da terra. Exigimos nossa parte de volta! (O povo recua para o fundo.)

ACHMAK: – Miseráveis! Exigindo de mim, que sou o senhor! Essa massa me repugna. (a Uladai): – Uladai, enxote-os daqui!

ULADAI: – Imediatamente, senhor! Mas a quem devo enxotar?

ACHMAK: – A todos. (vira-se) Para onde eles sumiram?

ULADAI: – Quem, senhor?

ACHMAK: – Quem? (ameaçador) Então você, um xamã, não viu nada? (sai, aturdido)

ULADAI: – Tenho bons olhos e bons ouvidos, e se a situação agora é essa, é tempo de mudar de senhor.

(Uladai se esconde. Entram as três damas da corte com Cocachin.)

1ª DAMA DA CORTE: – Ah, princesa, ele parecia um deus dos elementos. Aposto que será o campeão da festa da primavera.

2ª DAMA DA CORTE: – Ele parecia fazer parte da própria barca do dragão. Foi uma bela competição. A imperatriz estava satisfeita, e o imperador não poupou elogios a ele.

COCACHIN: – Quando ele estava de pé na proa da barca, assemelhava-se ao herói dos meus sonhos. No dia da festa da primavera, ele terá de tirar a máscara. São as regras.

3ª DAMA DA CORTE (à parte para as outras): – A imperatriz recomendou que não deixássemos Achmak falar com Cocachin.

COCACHIN: – Agora, que passatempo vocês sugerem?

1ª DAMA DA CORTE: – Princesa, você ainda não plantou a árvore, tal como os deuses o exigem. Quem planta árvores é recompensado com uma vida longa.

COCACHIN: – É verdade. Não podemos adiar mais isso.

2ª DAMA DA CORTE: – Vou chamar o jovem jardineiro, para saber qual o dia melhor para o plantio. (ela sai)

COCACHIN (canta, dedilhando uma espécie de lira):
“Nas estepes muito além,
há um arbusto que contém,
que contém bagas vermelhas
e espinhosa e densa rama.
E o furão lá vem caçando,
vem buscando um passarinho,
mas nem vê ali seu ninho.”

(Ela fala): – Estou nas mãos do tirano. Não haverá nada que me possa salvar? Argun vem vindo. Que foi que aconteceu para que ele não me reconheça mais?

ARGUN (entrando com a 2ª dama da corte): – Que os deuses abençoem seu caminho, bela filha do imperador. (dá-lhe uma flor)

COCACHIN (prende a flor no cabelo): – Muito obrigada. Meu nome é Cocachin, Argun.

ARGUN: – Argun? Você me dá de novo esse nome estranho. É alguém com quem pareço?

COCACHIN: – É alguém que me salvou de uma loba só com sua coragem. Você não viveu algo semelhante?

ARGUN: – Acho que não.

COCACHIN: – Meu salvador foi ferido pela loba. Eu reconheceria a cicatriz de sua ferida. (segura o braço de Argun)

ARGUN: – Bela filha do imperador, tenho uma cicatriz no braço além de muitas outras. Nem sei mais a razão de todas elas.

COCACHIN: – Recorde sua linhagem, seu valor. Você é Argun, sobrinho do imperador, procurado pelo país inteiro. Ninguém o reconhece porque você renega a si mesmo e também a mim.

ARGUN: – Renego a nós dois? Não! A senhora se engana! (para si mesmo): – Terei feito algum juramento sagrado? Impossível. Nenhum coração pode esquecer que já pertenceu a ela.

COCACHIN: – Ah, como respirávamos felizes sob o céu das estepes. Agora só respiro o sofrimento de amar e de sentir que meu chamado não é ouvido.

ARGUN: – Perdão, senhora, minhas obrigações me chamam. Já demorei demais (sai).

COCACHIN: – Se não posso escolher este, não vou querer nenhum outro.

ACHMAK (espiando à direita): – Ali está a filha da estepe. É uma dura prova para meu orgulho eu ter de lhe fazer a corte. Mas só assim ela vai me ajudar em meu propósito de manejar o leme do navio do poder, como filho do Khan, como imperador.

1ª DAMA DA CORTE: – Há alguém nos espreitando… Quem vem vindo?

2ª DAMA DA CORTE: – É o sarraceno!

ACHMAK (a Cocachin): – Ó beleza inacessível! É um sinal do destino os nossos caminhos se cruzarem novamente!

3ª DAMA DA CORTE: – Oh, senhora, corra para o parque!

ACHMAK: – Cale-se, criatura! Você não é filha daquela mulher que mora diante do portal, numa ignóbil cabana de bambu, cuidando das feridas da corja de ladrões? Quem está unida à ralé faz parte dela. Afaste-se!

COCACHIN: – Ela fica. Ninguém fala dessa maneira com minhas servas sem provocar minha ira.

ACHMAK: – A ira a embeleza, estrela vespertina. Meu nome é Achmak. Aqueles que me chamam pelo nome pronunciam as sílabas tremendo de medo. Para demonstrar minha benevolência, pode ficar aí essa que está demais.

COCACHIN: – Dê sua benevolência a quem a pedir.

ACHMAK: – Você sabe quais são os meus anseios: que você me seja dada como esposa.

COCACHIN: – Os sábios de meu povo me instruíram para que eu obedeça aos sinais dados pelos deuses. Assim farei, e respeitarei esse sinal quando ele se tornar visível. (para as damas): – Sigam-me! (elas saem).

ACHMAK (para si mesmo): – Se forem necessários sinais, tratarei de arranjá-los! Ainda faltam três dias para a festa da primavera. O novo par de regentes continua oculto. Quem será o segundo junto comigo? (sai, pensativo).

ULADAI (sai do esconderijo e fala consigo mesmo): – Sim, sim, quem será? Porque Achmak não é. E desta vez, mesmo sem pagamento, vou servir à boa causa.

 

SCENE 6
Portal em frente ao palácio

Portal com lampiões redondos. À direita uma cabana de bambu.
Han-li, Chi-lung-chi; Toman Van-co; Uladai.

HAN-LI (olhando uma carta): – Conheço este selo. É de Cenco, o dono do meu coração. Ele foi enviado para guardar as fronteiras nas montanhas, meu pai lhe deu o comando. Meu pai, Toman Van-co, general de muitos guerreiros, fez isso para me separar dele. “Lótus dourada” – ele disse – “você é muito jovem para enfeitar uma cabana como noiva.” E eu já vi dezesseis primaveras.

CHI-LUNG-CHI: – Dezesseis? Isso não é verdade, Han-li.

HAN-LI: – Fale baixo, vizinha. Meu pai não sabe muito bem quantas primaveras eu tenho…

CHI-LUNG-CHI: – E o que é que Cenco escreve? Ele volta logo?

HAN-LI: – Ele me escreveu um poema. Ouça:
“Inóspita se torna a terra,
quando é outono junto à grande muralha.
O ganso selvagem vai-se embora de Heng-Yan
e não demonstra vontade de ficar.
De todos os lados,
ribomba sem cessar o som das fanfarras de guerra.
Nas serras milenares, ao pôr do sol,
fecham-se os portais.”
– Não é maravilhoso o poema, senhora vizinha?

CHI-LUNG-CHI: – É lindo! Mostre a seu pai, que ele já vem vindo.

HAN-LI: – Meu pai?! Onde posso esconder a carta? (segura-a com as mãos nas costas. Toman Van-co saúda Chi-lung-chi.)

CHI-LUNG-CHI: – Que o dia lhe traga sorte, general Toman Van-co. Mas por que está tão sério?

TOMAN VAN-CO: – Ah, Chi-lung-chi, o pássaro da preocupação faz ninhos em minha cabeça. Reina a miséria nas províncias. O veneziano me contou.

CHI-LUNG-CHI: – Marco Polo está de volta?

TOMAN VAN-CO: – Ele tem ido longe para saber notícias do príncipe, e nada consegue.

CHI-LUNG-CHI: – Pois meu coração diz que o príncipe está vivo. Olhe, lá vem Tchu-hi descansar na sombra do palácio. Vou encher as taças.

TOMAN VAN-CO (dando uma bolsa a Chi): – Quem está sempre servindo os outros merece uma ajuda.

CHI-LUNG-CHI: – Deus lhe pague, senhor! (entra em sua casa à direita)

TOMAN VAN-CO (toma de Han-li o rolo da carta e lê): – Hum, hum… Certo. Ele regressa.

HAN-LI: – Mas essa carta era para mim.

TOMAN VAN-CO: (para si mesmo): – Minha filha acredita que as notícias eram para ela… E nós queríamos é despistar Achmak. Pobre menina apaixonada. Vou ofertar ao deus do amor umas varetas de incenso.

HAN-LI: – E como meu pai sabe que ele regressa?

TOMAN VAN-CO: – Eu lhe dei essa ordem. Han-li, vá para casa e cuide da ceia.

HAN-LI (saindo): – Oh, que bom, ele está de volta!

TOMAN VAN-CO (andando de lá pra cá): – Dará certo o plano? Cenco é fiel. A fome que Achmak lançou sobre o povo trouxe a revolta e o sentido de justiça. Um estrangeiro regendo Catai! Isso tem que acabar! (vê Uladai no portal) Por que se esgueira por aqui a orelha do mal, o lacaio de Achmak? (para Uladai): – Por que você está aqui? Achmak, o seu senhor, fica aborrecido quando dá por sua falta.

ULADAI: – É por ordem de meu senhor que aqui venho. Procuro por um sábio.

TOMAN VAN-CO: – Que Achmak, o sarraceno, queira servir-se de um sábio mostra como ele é esperto.

ULADAI: – Não é para Achmak que eu o procuro. O imperador em pessoa vai recebê-lo. Meu senhor só irá escoltá-lo. Esse Tchu-hi, o sábio, já deve ter estado várias vezes aí no portal, junto daqueles mendigos (aponta os mendigos e não percebe Tchu-hi entre eles).

TOMAN VAN-CO: – Tchu-hi? Assim que ele aparecer eu o aviso. (vê que Uladai não vai embora) Você ainda está aí? Você recolheu lealmente os impostos, e todos louvam Achmak, o seu senhor… quase se esquecendo do Imperador.

ULADAI: – Poupe as caçoadas para ocasião melhor. Guarde consigo o seguinte: não é bem assim como o general Toman Van-co está pensando. A terra, muito atormentada, geme. E, nos lugares onde ela estremece e racha, brota um elemento que vai romper com a ordem reinante.

TOMAN VAN-CO: – Você está é brincando, amigo.

ULADAI: – Não estou brincando, não, general. O povo pagou, recebeu pouquíssimo grão e passa fome. Achmak mandou carrear para seus celeiros tudo o que a terra amarela deu de presente, e ainda pretende coroar sua cabeça rodeando a filha das estepes.

TOMAN VAN-CO: – Ele pretende casar-se com a filha do Imperador?

ULADAI: – Sim, para sua própria vantagem. Na festa da primavera, daqui a dois dias, o Khan o louvará como príncipe, e o antigo costume fará dele um filho imperial.

TOMAN VAN-CO: – Ele se torna príncipe e filho imperial?

ULADAI: – Sim. Mas pode acontecer uma outra coisa.

TOMAN VAN-CO: – Que você está querendo dizer, Uladai?

(Uladai cochicha nos ouvidos do general.)

TOMAN VAN-CO: – A irmandade?… Você está sabendo disso?…

(Uladai sai.)

TOMAN VAN-CO: – E só nos resta uma noite para agirmos. O plano estará perdido com Achmak ligado à casa reinante. (ele sai.)

 

SCENE 7
Mesmo local

Chi-lung-chi, Han-li; Tchu-hi; dois Mendigos; o Máscara (Argun); Tchu-hi; 3ª Dama da Corte; Cenco; Nicolo, Matteo e Marco Polo; I-Yin disfarçado de mendigo; Achmak; Povo; duas sentinelas que são Toman Van-co e Cenco.

CHI-LUNG-CHI (saindo de sua cabana, vai até Tchu-hi, no portal):
– Tchu-hi, dizem que você sabe ler as imagens do futuro.

TCHU-HI: – Mulher, a mim basta suportar o futuro quando ele se torna o presente. Como vê, não vale a pena conhecê-lo.

CHI-LUNG-CHI: – O futuro permite que o povo tenha esperanças.

TCHU-HI: – Fui até o rio e assisti aos jogos. Dizem que o rapaz que subiu à cabeça do dragão para conquistar a flâmula vive há tempos à procura de si próprio.

CHI-LUNG-CHI: – Ninguém o chamou pelo nome?

TCHU-HI: – Fica difícil chamá-lo por um nome, enquanto ele usa a máscara obrigatória nos jogos.

(Confusão de vozes, vivas, o povo simples com um jovem coroado.)

1º MENDIGO: – A você, que foi coroado pela vitória, nós saudamos com todo o respeito.

2º MENDIGO: – Salve o vencedor do barco do dragão!

MÁSCARA: – Agradeço a saudação!

1º MENDIGO: – É a primeira vez que vemos você por aqui!

2º MENDIGO: – Será que o inverno já está tão próximo que nos traz uma ave migratória?

MÁSCARA: – Eu venho de fora e vou para fora. Entre ontem e amanhã está o meu caminho.

(Ele se afasta dos mendigos e se aproxima de Tchu-hi.)

TCHU-HI: – A máscara o esconde, mas eu o reconheço pelo manto. Vejo em seus olhos o brilho da sabedoria, que se adquire nas longas estradas.

MÁSCARA: – O brilho em meus olhos não foi provocado pela sabedoria, mas sim pelo vento. O portal da sabedoria está trancado para mim. Quanto mais eu bato, mais ele permanece fechado.

TCHU-HI: – Desde a Antiguidade vigora a seguinte máxima: Saber que nada se sabe é o que há de mais elevado.

MÁSCARA: – E de que adianta a sabedoria de saber que nada se sabe?

TCHU-HI: – Lá isso é verdade, mas deixe que eu adivinhe porque você veio a Cambaluc. Não é por estar procurando uma pista sobre seu Passado?

MÁSCARA: – Não sei de pista alguma que me leve ao Passado. E o senhor? Que foi que o trouxe para diante deste portal?

TCHU-HI: – Estou procurando meu manto, que emprestei e que se parece com o seu. Estou há dias na cidade, fico meditando à beira do rio e durmo onde qualquer pessoa me abriga em troca da recompensa de Deus. Casualmente, falei com aquela mulher, que mora ali na cabana com sua filha, e ela me deu de comer. Como agradecimento, ela espera que eu lhe dê notícias de Argun, o príncipe desaparecido. Você não ouviu nada a respeito dele?

MÁSCARA: – O velho disse-me que ele está vivo.

TCHU-HI: – Ah, foi o velho quem disse?

(Ouvem-se três pancadas de gongo. Aparece a 3ª dama da corte.)

3ª DAMA DA CORTE (para Tchu-hi): – O gongo roga aos convidados do Khan que entrem no saguão, ó muito experiente Tchu-hi!
(para o Máscara): – Nós o saudamos e saudamos sua coroa, ó viajado senhor!

TCHU-HI: – Entre primeiro, ó vencedor coroado!

MÁSCARA: – O nascido mais tarde não deve entrar antes do justo.

TCHU-HI: – Não, não. O deus do elemento úmido não deve ficar para trás. E ainda me resta uma missão a cumprir aqui fora. Entre primeiro, que eu entrarei mais tarde.

(O Máscara o cumprimenta e segue, passando o portal. Tchu-hi se esconde atrás do portal. Han-li chega alvoroçada na cabana de Chi-lung-chi.)

HAN-LI: – Ele já vem de volta, senhora vizinha!

CHI-LUNG-CHI: – Eu sei, minha filha, ele já está aí.

HAN-LI: – Já está aí? Quem já está aí?

CHI-LUNG-CHI: – O deus das águas por um dia. Um forasteiro. Talvez um mendigo.

HAN-LI: – Cenco, um mendigo, vizinha? Ah, já sei. Não é desse que estou falando.

CHI-LUNG-CHI (movimento de estar à escuta): – Han-li, entre em casa. Ouço passos pesados, duros. Não faça nem um barulhinho! O primeiro que reconheço é seu pai, Toman Van-co. Os outros não vejo bem, mas… sim, Cenco está entre eles.

HAN-LI: – Cenco? Ah, vizinha deixe que eu saia e apareça. Ele deve me saudar como a uma dama.

CHI-LUNG-CHI: – Fique quieta! Só vejo rostos zangados, onde não transparece nenhuma saudação.

HAN-LI: – Aquele ao lado de meu pai é Cenco? Ai, que olhar feroz ele tem!

(Uma tropa de soldados espera, já reunida.)

TOMAN VAN-CO (a Cenco): – Pelo que vejo, a notícia de sua chegada galopou à sua frente. Como esses soldados não foram vistos pelos olhos espertos de Achmak?

CENCO: – São pequenas tropas, meio escondidas, que distribuí ao redor da cidade. Estão de prontidão à espera de um sinal. Muito povo está a caminho de Cambaluc, e todos creem que o sacrifício da primavera banirá a penúria da fome.

TOMAN VAN-CO: – Amanhã o sacrifício se inicia com o jejum do imperador. Ele renunciará ao reino. Se ele não cumpre com as regras do jejum, a chuva não vem na época certa. (reflete) Mas… e aquilo que pretendemos fazer?

CENCO: – A sentença é curta: Morte ao domínio de Achmak!

TOMAN VAN-CO: – Pois o que eu vejo, Cenco, é que Achmak já está tecendo a seda nupcial e polindo enfeites para o cabelo da noiva.

CENCO: – Isso não muda o plano. Achmak tem de morrer.

HAN-LI (espiando de dentro da cabana): – Esse não é o meu Cenco, vizinha. Tenho medo de suas palavras.

CHI-LUNG-CHI (de dentro da cabana): – Quieta, menina!

TOMAN VAN-CO: – Só que a noiva é da casa regente. Se ele se une a ela por laços de parentesco… isso muda tudo.

CENCO: – Já anunciaram o noivado? Quem é a pobre coitada que vai ter de amar esse dragão? Não é a de olhos amendoados, não é Cocachin, é?

TOMAN VAN-CO: – O Khan vai anunciar o noivado na festa da primavera, diante do povo, quando a lua surgir.

CENCO: – Não! Não pode ser! (vendo que aparece Uladai) Traição!

TOMAN VAN-CO: – Calma! O lacaio de Achmak é agora homem nosso. (a Uladai): – Que aconteceu, Uladai?

ULADAI: – Achmak ficou possesso de raiva, porque não levei Tchu-hi até ele. Por pouco escapei de uma surra. Vocês podem usar meus serviços, general.

TOMAN VAN-CO (acercando-se dos outros): – O sábio não se mostrou no portal. Agora, ouçam-me: O plano tem de ser mudado depressa. Mas o que não muda é: morte para Achmak, para que o povo viva. Aproximem-se todos e jurem sobre esta espada combater os inimigos do imperador sem nada revelar.

TODOS: – Juramos todos!

TOMAN VAN-CO: – Agradeço a vocês, amigos. Vamos combinar tudo agora.

(Todos saem. Chi-lung-chi sai da cabana com Han-li.)

HAN-LI: – Mãe vizinha, só ouvi palavras de ódio. Isso não é bom. Estou com medo.

CHI-LUNG-CHI: – É a fome do povo que faz com que seu pai e seu namorado entrem em ação. Satisfazer a fome do povo é o sacrifício que os regentes devem fazer aos deuses. Se o imperador não faz isso, o povo vira tigre. Não se preocupe, Han-li, esses que você ama vão cuidar de tudo. Agora, vá para casa que já é tarde.

HAN-LI: – Ah, não, hoje fico aqui, vizinha. Meu pai está muito enraivecido, e isso me faz medo. Se ele precisar de mim de manhã, sabe em que cabana me encontrar.

(Entram na cabana. Aparecem os três Polo.)

MARCO POLO: – Quanto mais longe se vai na direção das províncias, mais fraca é a vontade de Kublai Khan. Onde a miséria era maior, dei arroz de presente, mas mesmo assim o povo se revolta.

NICOLO POLO: – A situação está tão ruim assim?

MATTEO POLO: – E a fome atiça o ódio pelos estrangeiros. Desta vez o Khan nos pagou regiamente, como se quisesse que ficássemos para sempre. Mas sonho com a volta para nossa linda Veneza. Meu querido Marco, você é jovem. Temos a esperança de que uma palavra sua nos abra a porta, a fim de que possamos partir.

MARCO POLO: – Algo me diz que a oportunidade de voltar à pátria logo surgirá. Vamos esperar só mais um pouco.

(Os três saem. Surge Uladai, gemendo, carregando uma caixa pesada.)

I-YIN (que fugiu e está disfarçado de mendigo): – Você se curva até o chão sob o peso do prêmio que ganhou… Seu senhor realmente lhe queria bem.

ULADAI (para si mesmo, pondo a caixa no chão): – Já ouvi essa voz antes. Não será do coronel I-Yin, preso por Achmak? (a I-Yin): – Já que você se atreve a povoar as ruelas após o crepúsculo, ajude um homem fraco a carregar seu fardo, vamos!

I-YIN (ajudando-o): – Pelos céus! Que peso! Estarei sendo ajudante de um roubo?

ULADAI (consigo mesmo, enquanto I-Yin leva a carga sozinho): – Só pode ser I-Yin disfarçado! (a I-Yin): – Só mais um pouco até a casa do guarda do portal. Firma os músculos. Adiante! Adiante!

I-YIN (consigo mesmo): – Mal sabe ele que está me ajudando a chegar à casa do guarda. É só disso que preciso.

(Eles saem. É noite. Dois lampiões acesos no portal. Duas sentinelas andam de um lado para o outro. Chi-lung-chi sai de sua casa. Bate a luz numa figura no escuro.)

CHI-LUNG-CHI (assustada): – Quem ainda está aí na ruela?

ACHMAK (com uma capa escura): – Aquele que fiscaliza a lei e a ordem! Vá para dentro! E ponha a tranca na porta e não abra para ninguém! (consigo mesmo): – Uladai disse que Cocachin quer encontrar-se comigo neste portal.

(Ao fundo se ajunta o povo. Um vulto no portal acena.)

ACHMAK: – Estou vendo um vulto me acenando…

ULADAI (disfarçado de Cocachin, embuçado num véu): – Achmak!…

ACHMAK: – Alguém me chama com acenos. Será Cocachin?

ULADAI (disfarçado): – Para dentro do parque, conselheiro do Khan!

ACHMAK: – É ela! Fique aí, linda estrela noturna!
(consigo mesmo): – Este lugar está escuro como breu…

ULADAI (disfarçado): – Venha para o parque, ó confidente do imperador. Minha palavra não é para ser ouvida por sentinelas.

ACHMAK: – Ela parece um pouco diferente… mais alta. A noite certamente me engana. (Sons ritmados de tambor. Achmak fica confuso) Que tremor é esse? Quem está aí? Quem vem lá?

POVO (avançando lentamente ao ritmo do tambor): – Nós, o povo.

ACHMAK: – Eu conheço seu canto lamuriento, ratos noturnos. Para trás! Vão para seus buracos! Vão embora, eu já disse! Onde estão os guardas?

SENTINELAS (falam sem se mover do portal): – Aqui.

ACHMAK: – Que estão esperando? Usem as armas que o imperador lhes deu e dispersem essa ralé que se amotinou! (a Uladai-Cocachin):
– Cocachin, linda noiva, aproxime-se. Estes malfeitores não se atreverão a tocá-la. (O povo se aproxima e se aglomera mais com as batidas do tambor) (ao Povo): – Que é que vocês querem?

POVO: – Queremos você, Achmak!

ACHMAK: – Isto é um levante, uma rebelião? Ninguém se atreverá a assassinar o conselheiro do imperador! Soldados, venham e acabem com isto! (As duas sentinelas se aproximam e tiram os capuzes) Oh, mas são Toman Van-co e Cenco! Vocês aí no portal, protejam-me! Quem me protege, protege o imperador! Cocachin, você ainda está aí? Tire esse véu e mostre quem você é, a filha do imperador! (O vulto retira o véu) Que horror! É Uladai! Fui traído! (Corre até a casa de Chi-lung-chi e grita): – Abra a porta! Ajude-me! (O povo o circunda, e ele cai ao chão. O povo ergue os braços, como em triunfo, e recua calado para o fundo, junto com Uladai, Toman Vanco e Cenco) Ainda estou vivo! E o povo sumiu, tragado pela noite…

TCHU-HI (aparecendo): – Quem sumiu?

ACHMAK: – O povo! O povo! Mas… quem é você, espectro noturno?

TCHU-HI: – Eu sou Tchu-hi.

ACHMAK (ajoelha-se): – Você me reconhece? Sou Achmak, sou o primeiro conselheiro do imperador.

TCHU-HI: – Você foi isso um dia. (Vai conduzindo-o para fora.)

 

SCENE 8
No palácio

Trono mais alto ao centro; à direita e à esquerda, tronos mais baixos. Um soldado de cada lado, como sentinela. O povo está diante deles. Gongo, tocado por um servo, avisa que o imperador se aproxima.
Mestre de Cerimônias; Kublai Khan, Siur-Kokteni, Cocachin, três damas da corte; Tchu-hi, o Máscara; Toman Van-co, Cenco, I-Yin, Uladai; Han-li, Chi-lung-chi; Marco, Matteo e Nicolo Polo;

MESTRE DE CERIMÔNIAS: – Curvem-se diante do imperador!

POVO (inclinando-se): – Que Deus guarde o Khan! Deus no céu e o Khan na terra! Assim seja!

(O Khan, Siur-Kokteni sentam-se nos tronos dos lados. No centro senta-se o Máscara, como deus das águas. Servas trazem peixes. Tchu-hi segura um peixe ao ouvido do Máscara.)

KUBLAI (a Tchu-hi): – Velho da montanha, que serventia tem um peixe para os ouvidos e não para a boca?

TCHU-HI: – O herói dos lagos e dos rios perguntou ao peixe se ele sabe algo a respeito de seu pai, e agora escuta a resposta.

KUBLAI: – Ora, isso é bem esquisito. E que foi que o peixe disse?

TCHU-HI: – Disse que é pequeno demais para saber do irmão do Khan.

KUBLAI: – Do pai dele ou do meu irmão?

TCHU-HI: – Ele disse o que disse, e eu digo que peixes maiores certamente sabem do pai dele.

KUBLAI (ri): – Pois tragam mais um peixe para o velho brincalhão! Então meu irmão é o mesmo que o pai deste que foi coroado por um dia?

SIUR-KOKTENI (a Tchu-hi): – Honrado velho, onde você vive?

TCHU-HI: – Vivo bem para lá, nas montanhas cobertas de gelo.

SIUR-KOKTENI: – E, em sua longa caminhada até Cambaluc, que foi que seus olhos viram?

TCHU-HI: – Vi a miséria dos homens, quando funcionários da corte negavam alimento ao povo.

KUBLAI: – Em minhas terras? Impossível, honrado velho!

TCHU-HI: – Em seus estábulos há cavalos bem nutridos, mas o povo morre de fome, e morre de fome em terras de Catai sim, honrado Khan!

KUBLAI: – Essa nunca foi a minha vontade. Foi para me dizer isso que você veio?

TCHU-HI: – Eu vim porque você me chamou. E pensei: Que será que o grande Khan viu em alguém tão sem importância como eu?

KUBLAI: – Eu mandei chamá-lo? Quem é você?

TCHU-HI: – As pessoas me chamam Tchu-hi.

KUBLAI: – Ah! O sábio dos antigos ensinamentos! Sim, eu o chamei porque um jovem me revelou o que você lhe disse: que o príncipe Argun ainda vive. (aos servos): – Procurem o jovem que ajuda o jardineiro! (a Tchu-hi): – Ah, Tchu-hi, estou triste, porque meu primeiro Conselheiro, Achmak, desapareceu. Ele era o adorno da razão humana, e eu ia dar a ele minha filha como esposa! Assim ele se tornava o príncipe meu filho. Será que a inveja ergueu contra ele um punhal?

TCHU-HI: – Ele foi justiçado não como príncipe, mas sim como ladrão, pois tirou alimento do povo. Contudo, está vivo. Apenas vagueia por aí, com os sentidos embaralhados.

SIUR-KOKTENI (percebendo uma agitação): – Quem está chegando?

MESTRE DE CERIMÔNIAS: – O general Toman Van-co acompanhado de outros. (Kublai acena para que entrem)

TCHU-HI (aponta a caixa que estão trazendo): – Eles trazem a herança de Achmak, o ouro que ele extorquiu do povo em troca de grãos, e tudo em nome do imperador. O “adorno da razão humana” mandou que o guardassem em sua própria arca.

SIUR-KOKTENI: – Mas o Khan, com sua idade, não podia viajar pelas províncias!

KUBLAI (reflete e diz): – De qualquer modo, não ter visto isso me torna culpado. (aos que trazem a caixa): – O trono está em dívida para com vocês. Em minha gratidão, não serei mesquinho.

MESTRE DE CERIMÔNIAS: – Os Polo, senhor. (Kublai acena para que entrem.)

KUBLAI: – Marco Polo, meu povo estava passando necessidade, e eu não sabia…

MARCO POLO: – Nos lugares onde cheguei a tempo e onde a miséria estava insuportável, dei ao povo, gratuitamente, o que havia nos celeiros.

KUBLAI: – Pois então expressa um desejo, e eu o satisfarei. (Marco fala ao seu ouvido. Kublai pega a taça e bebe) Bebo este vinho em agradecimento pelo seu trabalho. Mas quem será meu herdeiro para suportar esta carga pesada? Onde está o jovem ajudante do jardineiro, que me repetiu as palavras do velho?

TCHU-HI: – Está aí ao seu lado. Sua máscara o esconde. É o deus das águas por um dia. (tira a máscara de Argun)

KUBLAI (com espanto): – É você o vencedor, é você o ajudante do jardineiro? Então diga sem receio se reconhece em Tchu-hi o velho da montanha que lhe disse que Argun está vivo!

TCHU-HI (para Argun): – Mas antes de responder, diga se você reconhece esta joia (mostra-lhe o colar com a lua e o dente de loba).

ARGUN: – Sim, a jovem Cocachin a estava usando.

COCACHIN: – Oh! Alguém roubou minha joia? Mas, não! Ela está comigo! Esse colar aí é o de Argun! Quem lhe deu o colar de Argun, velho da montanha?

TCHU-HI: – Tirei-o de um jovem…

COCACHIN: – Então esse jovem só pode ser Argun!

TCHU-HI: – Sim, Argun, ele está vivo. É este aqui. (retira o manto de Argun e desfaz assim o encantamento).

ARGUN: – Que milagre é este, velho da montanha? Parece que desperto para uma nova vida! E você, linda filha do imperador, eu a reconheço. É Cocachin.

COCACHIN: – Ah… e eu que acreditava que toda a felicidade estava perdida para mim…

KUBLAI: – Bem, escurece, que se acendam lanternas! A verdade se revelou! Ó jovem conquistador da coroa, eis aí a noiva que sofreu tão grande espera. Vocês serão o novo par de regentes (todos se inclinam). Haverá ainda aqui algum coração à espera de consolo?

CHI-LUNG-CHI: – Acho que o dela, senhor: Han-li.

KUBLAI: – E por causa de quem?

CENCO: – Por minha causa, não é, Han-li? E eu também quero seu consolo.

HAN-LI: – Sim! Sim!

KUBLAI: – Aproxime-se, Cenco, aqui está sua noiva. E após o casamento, ambos farão uma viagem de reconhecimento até as fronteiras da Pérsia. Matteo, Nicolo e Marco Polo lhes servirão de escolta.

SIUR-KOKTENI: – E agora, imperador, para saudar a primavera, formemos o cortejo: nós, Argun e Cocachin, Cenco e Han-li. E, no fim, com passos comedidos seguirão os velhos.

TCHU-HI: – Seguirá o sábio, seguirá Tchu-hi. (forma-se o cortejo e saem)

(Vagarosamente, o cortejo se forma, e todos saem.)

 

END

 

Sobre a escolha da peça

Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.

Enviamos o texto completo em PDF de uma peça gratuitamente, para escolas Waldorf e escolas públicas, assim como as respectivas partituras musicais, se houver. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça. Para outras instituições condições a combinar.

A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

 

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