29 de marzo de 2018

la doncella de orleans

 

Impressão ou PDF

 

peça de Friedrich Von Schiller

adaptação em prosa e verso de Ruth Salles

a partir da tradução literal completa de Julia de Mello e Souza

NOTA

Joana d’Arc, aos 17 anos, guiou o exército de uma nação. Com isso, a França encontrou-se a si própria, o mapa da Europa transformou-se, e a Inglaterra se voltou para sua própria missão no mundo. Sentindo-se instrumento da vontade divina, Joana não vacilou em seu propósito, mostrando como um ser humano, ao ser esmagado pela missão à qual se mantém fiel, ainda assim é um vencedor, capaz de guiar-se a si próprio e realizar a tarefa que lhe coube.

Friedrich von Schiller, grande escritor, poeta trágico e historiador alemão, nasceu em Marbach, em 1759, e morreu em Weimar, em 1805.

Esta peça, “A Donzela de Orléans”, sobre a vida de Joana d’Arc, é uma tragédia romântica. Por se tratar de uma peça muito longa, esta, agora, é uma tentativa de condensá-la, com alguns trechos em versos, procurando, o mais possível respeitar o poeta. No convite para a primeira apresentação, feita em alemão, consta o seguinte comentário:
“Em nossa época atual, a determinação da vontade e a auto-direção do homem se tornam cada vez mais problemáticas. Por isso, a figura da Donzela de Orléans pode constituir, ainda hoje, para os adolescentes, um ideal luminoso e uma ajuda em sua luta contra a falta de postura e de controle, e contra a permissividade diante de situações difíceis na vida. Através de sua própria atividade na peça, os alunos identificam-se com a energia micaélica da personalidade de Joana; sentem que uma individualidade tão nova já pode ser capaz se guiar-se a si própria, sem vacilar e sem se deixar perturbar, realizando a tarefa que lhe coube.”

ruth salles

 

Da Cena 4 do Prólogo da adaptação em versos:

“Adeus, colinas, campos que eu amava!
Adeus, sereno vale! Adeus! Adeus,
pois nunca mais virei pisar teu chão!
Ó plantas que reguei, ó belas árvores!
Eu vos plantei! Alegres verdejai!
Adeus, ó fontes de água fresca e pura!
Ó doce eco – ó voz do fundo vale
que tanto respondeste aos meus cantares –
Joana vai! Não volta nunca mais!”

(Nessa estrofe, procurei dar o exemplo do pé métrico usado em toda a peça por Schiller – o jambo, ou iambo, que consta de uma sílaba curta e outra longa, formando, ao mesmo tempo, versos de dez sílabas. O “jambo” impulsiona a pessoa de dentro para fora: Joana parte para cumprir sua missão.)

 

CARACTERES

CARLOS VII – Rei da França
AGNES SOREL – sua amada
RAINHA ISABEL – mãe de Carlos VII
DUQUE DE BORGONHA, Felipe o Bom
CONDE DUNOIS – o Bastardo de Orléans
LA HIRE e
DUCHÂTEL – oficiais do campo do Rei
ARCEBISPO DE REIMS
CHATILLON – um cavaleiro da Borgonha
RAUL – um cavaleiro da Lorena
TALBOT – general do campo dos ingleses
LIONEL e
FASTOLF – chefes ingleses
CONSELHEIROS DE ORLÉANS
UM ARAUTO INGLÊS

THIBAUT D’ARC – um rico senhor de terras
MARGOT,
LOUISON e
JOANA – suas filhas
ÉTIENNE,
CLAUDE-MARIE e
RAYMOND – seus pretendentes.
BERTRAND – outro senhor de terras
O ESPECTRO DE UM CAVALEIRO NEGRO
UM CARVOEIRO
SUA MULHER
SEU FILHO
Soldados, povo, oficiais da coroa, bispos, magistrados, cortesãos e outros personagens, formando o cortejo da coroação.

 

NOTA:
Conservei em versos apenas as cenas de que Joana participa.

 

PRÓLOGO

CENA ÚNICA
Uma região campestre. No primeiro plano, à direita, uma imagem sacra numa capela, à esquerda um alto carvalho.
Thibaut d’Arc, suas três filhas, três jovens pastores; Bertrand.

 

THIBAUT: – É isto, meus caros vizinhos! Por enquanto ainda somos franceses, livres e donos do solo que nossos avós cultivaram; mas amanhã, quem sabe a qual comando estaremos sujeitos? Os ingleses estão vencendo por toda parte, incendeiam vilas e cidades, e as chamas já se aproximam destes vales. Por isso, hoje mesmo, decidi encaminhar as filhas.
(ao primeiro pastor):
– Étienne, aproxima-te. Sei que amas Margot.
(ao segundo pastor):
– E tu, Claude-Marie, amas Louison, não é mesmo?
Pois eu abençoo vossos casamentos! (Os pares se abraçam, com alegria.)
– A cada casal ofereço trinta acres de terra, casa, estábulo, galinheiro e rebanho. Que Deus vos abençoe.

MARGOT (abraça Joana, que fica em silêncio): – Joana, segue nosso exemplo! Se casássemos as três num só dia, já imaginou como o pai ficaria feliz?

THIBAUD: – Preparai-vos, então! Vamos celebrar as bodas amanhã mesmo. Convidai toda a vila! (os dois pares saem de braços dados)

THIBAUT (a Joana, que permanece quieta): – O casamento de tuas irmãs alegra minha velhice. E tu rejeitas o jovem mais honrado de toda a aldeia.

RAYMOND: – Deixa minha Joana, pai Thibaut. Eu sei que existe dentro dela um amor diferente, mais elevado que o nosso.

THIBAUT: – É justamente disso que não gosto. Ela sai sozinha, de madrugada, e vai até a árvore dos druídas, lugar que todos evitam. Pois dizem que lá existem maus espíritos.

RAYMOND (aponta a imagem sagrada na capela): – É aquela imagem que atrai Joana.

THIBAUT: – Não! Joana me aparece em pesadelos angustiantes. Sonhei que ela estava em Reims, num trono real, com uma coroa de sete estrelas e um cetro na mão, um cetro com três lírios brancos. Quem sabe ela tem vergonha da vida simples e se orgulha da beleza que Deus lhe deu.

RAYMOND: – Mas, não… Joana é tão modesta… Faz serviços humildes alegremente… E tem o maior cuidado com os rebanhos e as plantações…

THIBAUT: – Ela tem é sorte, e isso me assusta.

RAYMOND:
– Aí vem Bertrand de volta da cidade.
Que traz com ele?

BERTRAND (aparece): – Estais todos surpresos
por verdes este elmo?

THIBAUT: – Tens razão.
– É mau sinal trazeres isso a um vale
tão pacífico.

(Joana, que durante as cenas precedentes, tinha-se mantido afastada e em silêncio, aproxima-se e começa a prestar atenção.)

BERTRAND: – E eu nem mesmo sei
como veio parar em minhas mãos.

JOANA (com vivacidade, tentando pegar o elmo):
– Dá-me este elmo!

BERTRAND: – Que farás com ele?
Não é enfeite para uma donzela.

JOANA (arrebatando o elmo):
– Pois eu digo que é meu, que me pertence.

THIBAUT:
– Que idéia é essa agora?

RAYMOND: – Deixa, Pai!

THIBAUT:
– Fala, Bertrand! Que ouviste sobre a guerra?

BERTRAND:
– Que Deus tenha piedade, pois perdemos
duas grandes batalhas. O inimigo
agora está no coração da França.
Por toda parte, nuvens de guerreiros
já se uniram ao duque de Borgonha
para tomar Orléans.

 

THIBAUT:
– Que Deus proteja o Rei! Fatal discórdia!
Oh, lamentavelmente se voltaram
armas da França contra a própria França!

BERTRAND:
– Ate mesmo Isabel, Rainha Mãe,
é vista em pleno campo de batalha,
estimulando o ódio dos guerreiros
contra seu filho, contra o próprio filho!

THIBAUT:- Que Deus lhe dê o castigo que merece!

BERTRAND:
– O temível Salisbury é quem comanda
o assalto, e Lionel e Talbot juntos
combatem a seu lado.

(Joana escuta com atenção cada vez maior e põe o elmo na cabeça.)

THIBAUT: – E onde estão
os valentes Xantrailles e La Hire?
E Dunois, o Bastardo, nosso herói?
Onde estão eles, para que avance
assim tão triunfante o inimigo?
Que faz o Rei? E a corte?

BERTRAND:-
O rei e a corte aguardam em Chinon.
Disseram que somente um cavaleiro
conseguiu reunir um contingente.

JOANA (calorosamente):-
Como se chama esse homem?

BERTRAND:  – Baudricourt.
É loucura. Está sendo perseguido
por dois grandes exércitos.

JOANA: – E sabes
onde encontrá-lo?

BERTRAND: – Sei que Baudricourt
acampa a meio dia de viagem
de Vaucouleurs.

THIBAUT (a Joana): – Mas que interesse tens
em assunto que não te diz respeito?

BERTRAND:
– Todos em Vaucouleurs já decidiram
se render afinal ao borgonhês.

JOANA (com entusiasmo):
– Isso jamais! Nada de rendições!
Nada de pactos! O libertador
já se aproxima e se arma para a luta.

BERTRAND:
– Hoje milagres não existem mais.

JOANA:
– Oh, sim, existem! O Senhor dos Céus
escolherá, de suas criaturas,
a mais humilde, uma donzela frágil,
para manifestar-se através dela.

THIBAUT:
– Que espírito tomou essa pequena?

RAYMOND:
– É o elmo que a torna assim guerreira.

JOANA:
– Este reino cair? Não! Esta terra
sob o jugo estrangeiro? Ah… Deus não quer!
Daqui Jerusalém foi libertada!

BERTRAND (estupefato):
– Ouviste, Pai Thibaut? Deus certamente
te deu por filha uma predestinada.

THIBAUT:
– Que Deus proteja a França e nosso Rei!
Somos homens pacíficos do campo,
nada sabemos de brandir espadas
e nem de cavalgar corcéis de guerra.
Ao trabalho, meus filhos, ao trabalho!
O solo que lavramos não se altera,
e hão de renascer na primavera
todas as plantas que os cavalos pisam. (Saem, menos a donzela.)

JOANA:
– Adeus, colinas, campos que eu amava!
Adeus, sereno vale! Adeus! Adeus,
pois nunca mais virei pisar teu chão!
Ó plantas que reguei, ó belas árvores!
Eu vos plantei! Alegres, verdejai!
Adeus, ó fontes de água fresca e pura!
Ó doce eco, ó voz do fundo vale,
que tanto respondeste a meus cantares,
Joana vai! Não volta nunca mais!

– Ovelhas, dispersai-vos pelos campos!
São outros os rebanhos da pastora,
sangrentas as pastagens e os perigos.
Chamou-me a voz do Céu, que me ordenou:
“Deves partir, Joana! Deves dar
testemunhos de mim aqui no mundo.
Hás de virar a roda do destino!
Hás de salvar a França nesta guerra
e hás de coroar o Rei em Reims!”

O sinal que me fora prometido
me foi mandado enfim quando este elmo
chegou às minhas mãos. Dele provém
uma força divina que me arrasta
ao tumulto da guerra tão sangrenta.
Ouço o chamado ao longe para a luta.
Empina-se o corcel! Soa a trombeta!

 

PRIMEIRO  ATO

CENA  ÚNICA
A corte do Rei Carlos em Chinon.

Dunois e Duchâtel; o rei Carlos; Pajem, três Conselheiros de Orléans; Agnes Sorel; La Hire; o Arcebispo, Raul; Joana, o Arauto.

DUNOIS: – Não agüento mais. Vou abandonar esse Rei covarde, sem fibra. Meu coração sangra, pressentindo o destino da França, enquanto aqui, na maior inércia, desperdiça-se o tempo. Assim que soube que Orléans estava ameaçada, vim da Normandia a toda a pressa, pensando que o Rei já estivesse pronto, à frente do exército. Que nada! Está brincando de decifrar charadas com sua querida Agnes Sorel. O Condestável foi embora, horrorizado. E eu farei o mesmo!

DUCHÂTEL: – O rei vem vindo.

CARLOS (entrando): – O Condestável abandonou o posto, esse rabujento. Queria só mandar em todos.

DUNOIS: – Nos tempos de hoje, um homem vale muito. Não é bom perder nenhum.

CARLOS: – Tens prazer em me contrariar.

DUNOIS: – Ele era um presunçoso, mas desta vez soube agir e partir na hora certa. Sinceramente, não é nada honroso ficar aqui agora.

CARLOS: – Que mau humor, Dunois. – Eh, Duchâtel, o rei René nos enviou cantores que devem ser muito bem tratados. Dá uma corrente de ouro a cada um! – Dunois, de que estás rindo?

DUNOIS: – Dessa generosidade insensata…

DUCHÂTEL: – Senhor, não há mais dinheiro no Tesouro.

CARLOS: – Pois trata de encontrar. Esses cantores não partirão daqui sem homenagens!

DUCHÂTEL: – Senhor, os recursos se acabaram. Os soldados nem recebem soldo e ameaçam desertar.

CARLOS: – Então, penhora meus direitos de Rei!

DUCHÂTEL: – Já foram penhorados por três anos.

DUNOIS: – E em três anos, perdemos o país.

CARLOS: – Temos ainda estados muito ricos…

DUNOIS (interrompendo): – …se Deus quiser e se Talbot permitir com sua espada inglesa. Mas, se Orléans for tomada, já podes fazer companhia ao Rei René e pastorear ovelhas.

CARLOS: – Caçoas dele só porque ele sonha com um mundo puro, sem esta barbárie.

DUNOIS: – Mas hoje é preciso que defendas a França e a coroa que herdaste!

CARLOS (a um pajem que entra): – Que novidades trazes?

PAJEM: – Meu senhor, chegaram Conselheiros de Orléans e pedem audiência.

CARLOS: – Que entrem! (Sai o pajem) – Com certeza vêm pedir amparo, logo a mim, que estou desamparado.

(Os três conselheiros entram.)

CARLOS: – Sede benvindos! Como está Orléans?

CONSELHEIRO 1: – O inimigo avança, e nossas fortificações externas caíram. Já se passa fome e faltam combatentes. Se um exército numeroso não for logo nos socorrer, daqui a doze dias nos rendemos. É o trato que fizemos. Viemos pedir auxílio urgente!

DUNOIS (com um movimento de cólera): – Xaintrailles consentiu em fazer esse trato vergonhoso?

CONSELHEIRO 2: – Não, senhor! Enquanto ele viveu, nem se pensou nisso.

DUNOIS: – Xaintrailles, morto?

CONSELHEIRO 3: – Tombou em nossos muros, esse herói.

CARLOS: – É como se morresse um exército inteiro!

(Entra um cavaleiro e diz alguma coisa ao ouvido de Dunois, que fica confuso)

DUNOIS: – Conde Douglas nos manda uma mensagem: diz que os escoceses vão deixar seus postos se não receberem os soldos atrasados.

CARLOS: – Duchâtel!

DUCHÂTEL (sacudindo os ombros): – Não há o que fazer.

CONSELHEIRO 1: – Ah, Senhor, ajuda-nos!

CARLOS (com desespero): – Posso vos dar meu sangue, mas não posso oferecer soldados nem dinheiro.

(Carlos avista Agnes Sorel, que se aproxima com um estojo nas mãos. Ele se posta diante dela, de braços abertos)

CARLOS: – Ah, minha Agnes! Minha bem-amada! És tudo o que me resta!

SOREL (olhando em volta inquietamente): – Caro Rei!…
– Duchâtel, é verdade que as tropas já desertam por falta de soldo?

DUCHÂTEL: – Infelizmente, sim.

SOREL: – Toma isto, então! (entrega-lhe o estojo). Funde o ouro, as jóias, a baixela e vende meus castelos. Para obter empréstimos, dá como garantia meus domínios na Provença, e paga logo as tropas. Depressa! (Impele-o)

CARLOS: – Dunois, ela não é uma pérola? Tão generosa…

DUNOIS: – E tão louca! Não pode salvar-te e vai perder tudo.

SOREL: – Não creias nele. Arriscou sempre a vida por ti. Vem, joguemos fora as pompas e vamos enfrentar juntos a guerra e as privações, dando exemplo aos soldados!

CARLOS: – Cumpre-se agora a profecia da monja de Clermont: ela predisse que uma mulher me transformaria em vencedor, reconquistando o trono de meus pais. Essa mulher é Agnes!

SOREL: – Tu vencerás pela espada de teus fiéis e valentes amigos.

CARLOS: – Também ponho a esperança nos boatos de uma discórdia entre meus inimigos: os lordes ingleses e meu primo, o duque de Borgonha. Foi por isso que mandei La Hire sondar, para ver se há um meio de trazer meu primo de volta para nós. Aguardo ansioso por sua chegada.

DUCHÂTEL (à janela): – Um cavaleiro parou no pátio do castelo!

CARLOS: – Agora, vamos saber em que pé estamos!

CARLOS (indo encontro de La Hire, que entra): – La Hire, benvindo sejas! Há esperanças?

LA HIRE: – Não! E o duque exige Duchâtel, que ele chama de assassino de seu pai.

CARLOS: – E em meu Parlamento não se ouviu um clamor de justiça?

LA HIRE: – Não, senhor. Estás destituído do trono, por decreto desse mesmo Parlamento.

DUNOIS: – Covardia arrogante de um burguês que se torna senhor!

CARLOS: – E minha mãe não te ouviu?

LA HIRE: – Não. Cheguei a Saint-Denis no momento em que o novo Rei era coroado. Vi seu cortejo e o povo, ébrio de alegria!

SOREL: – Ébrios por terem esmagado o coração do mais clemente dos Reis!

LA HIRE: – E vi Harry Lancaster, um menino, posto no trono; e o duque de Borgonha jurou fidelidade a ele, em nome de seus Estados.

CARLOS: – Par traidor, indigno!

LA HIRE: – Foi tua mãe quem pôs esse menino no trono de teu pai.

(O Rei esconde o rosto nas mãos. Agnes o abraça. Todos estão indignados.)

DUNOIS: – A vil megera!

CARLOS (aos conselheiros, após algum silêncio): – Vós ouvistes. Voltai a Orléans e dizei à cidade que, por segurança, submeta-se ao borgonhês.

DUNOIS: – Mas, senhor, abandonas Orléans?

CONSELHEIRO 1: – Oh, não nos deixes sob o jugo do inglês!

DUNOIS: – Então, desertas?

CARLOS: – O sangue já correu bastante e em vão. Só nos resta fugir para o outro lado do rio Loire.

SOREL: – Não! Tua desnaturada mãe quebrou teu coração; mas tu, meu Rei, hás de enfrentar os golpes do destino e defender o reino.

CARLOS (perdido em sombrios pensamentos): – Há uma fatalidade sobre nossa estirpe. São tempos que exigem um Rei enérgico. Talvez eu servisse para um país pacífico. Mas não para estes furores!

SOREL: – O povo está cego, mas seus olhos se abrirão de novo. Não desistas. Luta palmo a palmo por Orléans, como por tua própria vida!

CARLOS: – E ver o povo dilacerado pela espada inimiga? Eu renuncio.

DUNOIS: – Mas, senhor, estás virando as costas ao reino de teus pais. E, se o abandonas, eu também te abandono. Antigamente, os reis da França eram heróis, mas tu pareces não ter nas veias nem uma gota de sangue valoroso. (Aos Conselheiros): – Vosso Rei vos dispensa. Vou convosco para Orléans. É a terra de meus pais, e devo sepultar-me em seus escombros. (Vai sair. Agnes o detém.)

SOREL (ao Rei): – Não o deixes partir. Com palavras duras ele disfarça um coração de ouro.
(a Dunois): – Dunois, foste longe demais em tua cólera!
(ao Rei) – Rei, perdoa este teu fiel amigo!

(Dunois fixa o olhar no Rei, aguardando uma resposta.)

CARLOS (a Duchâtel): – Cruzaremos o Loire. Dá as ordens para o embarque.

DUNOIS (a Sorel, em tom breve): – Adeus!

(Dunois se vira e sai. Os Conselheiros o acompanham.)

SOREL (juntando as mãos, com desespero): – Não! Se ele parte, estamos perdidos! (a La Hire) – La Hire, vai atrás dele e vê se o acalma! (La Hire sai.)

CARLOS (a Duchâtel, que parece hesitar): – Vai! Cumpre minhas ordens!

DUCHÂTEL (atirando-se a seus pés): – Mas, meu Rei… Entra em paz com o duque de Borgonha.

CARLOS: – Paz que será selada com teu sangue?

DUCHÂTEL: – Deixa que meu sangue se derrame e aplaque o velho ódio…

CARLOS (olha-o emocionado e depois diz): – Nunca me salvaria pelo preço do sangue de um amigo. Cumpre as ordens!

DUCHÂTEL: – Elas serão cumpridas, meu senhor. (Sai. Agnes explode em soluços)

CARLOS (tomando a mão de Agnes): – Minha Agnes, não chores. Há ainda uma França além do Loire.

SOREL: – Oh, boa terra, nunca mais pisaremos teu chão!
(a La Hire, que volta): – Voltas sozinho? Não trouxeste Dunois de volta? (examina-o melhor) Vens com novidades? Mais desgraças?

LA HIRE: – A quota de desgraças se esgotou. Temos o sol brilhando de novo para nós. (ao Rei): – Chama de volta os enviados de Orléans!

CARLOS: – Por que?

LA HIRE: – A sorte mudou. Foi feito um pacto, pelo qual és vencedor.

CARLOS: – Vencedor? Alguma falsa notícia te confundiu. Já não creio na vitória.

LA HIRE: – Mas em outros milagres hás de crer. O arcebispo vem vindo com Dunois.

(Entra o Arcebispo de Reims, Dunois, e Duchâtel com Raul, um cavaleiro com armadura completa.)

ARCEBISPO (leva o Bastardo Dunois até o Rei e une suas mãos): – Fazei as pazes, pois o céu nos favorece.

CARLOS (depois de abraçado por Dunois): – Mas, que prodígio causou essa mudança?

ARCEBISPO (conduz Raul para diante do Rei e lhe diz): – Fala!

RAUL: – Nós, da Lorena, escolhemos por chefe o cavaleiro Baudricourt e viemos depressa em teu socorro. Subitamente, surgem dois exércitos que nos cortam a frente e a retaguarda. Os mais valentes vacilavam, quando, das matas, surge uma donzela com um elmo à cabeça. Parecia uma deusa da guerra! E ela disse: “Bravos franceses, por que tremeis? Embora o inimigo seja mais numeroso que nós, atacai-o! Por Deus e pela Virgem sois guiados!” E, de estandarte nas mãos, marchou à nossa frente sem medo. Os inimigos, mudos de terror e espanto, nem ouviram as ordens dos chefes. Largaram as armas, lançaram-se no rio! Sem contar os que as águas carregaram, dez mil soldados foram mortos, e dos nossos nenhum saiu ferido.

CARLOS: – É estranho! Por Deus! Miraculoso!

SOREL: – Mas, quem é ela?

RAUL: – Isso ela dirá somente ao Rei, mas prometeu salvar Orléans antes que mude a lua. Vem com o exército… Acho que chegou! (Ouvem-se o toque dos sinos e o tinir das armas) Ouvis os sinos e o tumulto? É o povo aclamando a Donzela.

CARLOS (a Duchâtel): – Que ela entre! (ao Arcebispo): – Só Deus me salvaria! Não é caso de crer num milagre?

MUITAS VOZES (atrás da cena): – Viva a donzela! Viva a nossa salvadora!

CARLOS (a Dunois): – Troca de lugar comigo, Dunois! Se a jovem foi mesmo enviada por Deus, há de saber reconhecer o Rei!

(Dunois se senta. O Rei fica de pé à direita; à esquerda, Agnes Sorel; perto deles, o Arcebispo e os demais, deixando livre o meio da cena.)

(Entram Joana, os conselheiros e vários cavaleiros, que tomam o fundo da cena. Ela se aproxima com dignidade e passeia o olhar pelos que a cercam.)

DUNOIS (após um instante de silêncio solene):
– Então és tu a jovem inspirada…

JOANA (interrompe-o e o observa com olhar límpido e altivo):
– És Dunois, o Bastardo de Orléans!
Queres tentar a Deus? Levanta e deixa
esse lugar. Fui enviada a alguém
maior que tu.

(Ela se aproxima resolutamente do Rei, dobra um joelho, levanta-se em seguida, dando um passo atrás. Espanto geral. Dunois se levanta, e se abre um espaço diante do Rei.)

CARLOS: – Como me reconheces,
se é a primeira vez que estás me vendo?

JOANA (aproxima-se e fala misteriosamente):
– Eu te vi quando apenas Deus te via,
naquela noite em que te levantaste
e dirigiste fervorosamente
três pedidos a Ele.

CARLOS: – Se os disseres.
não mais duvidarei de ti, donzela.

JOANA:
– Pediste a Deus, primeiro, que se um crime,
cometido por teus antepassados,
pudesse ser a causa desta guerra,
então que Deus fizesse só de ti
a vítima expiatória de teu povo.

CARLOS (recuando, apavorado):
– Quem és tu, poderosa criatura? (Espanto geral)

JOANA:
– Em segundo lugar, pediste a Deus
que, se Ele arrebatar de tua estirpe
o cetro deste reino, que tu fiques
apenas com a consciência em paz,
o amor de teus amigos e de Agnes. (O Rei esconde o rosto. Espanto geral.)
Queres que diga o último pedido?

CARLOS:
– Basta! Eu creio! Foi Deus que te enviou!

ARCEBISPO:
– Quem és, jovem?

JOANA: – Senhor, meu nome é Joana.
Nasci em Domrémy e sou pastora,
e guardava o rebanho de meu pai.
Ouvi dizer que um povo de além-mar
vinha tentar nos reduzir a servos
e nos impor seu rei. Eu supliquei
à Mãe divina que nos libertasse.
Por três noites ela me apareceu
empunhando uma espada e um estandarte.
E dizia: “Joana! Deus te chama!
Toma esta espada! Empunha este estandarte!
Expulsa os inimigos de teu povo!
Coroa o Rei em Reims! Vai! Obedece! (Emoção geral)

ARCEBISPO (depois de um momento de silêncio):
– Deve a razão calar-se na presença
de um testemunho do poder divino.

DUNOIS:
– Que ela caminhe à frente dos exércitos,
e nós a seguiremos cegamente!

LA HIRE:
– Nada tememos mais, pois a seu lado
marcha o deus da vitória. Ao combate! (Entrechocam-se as armas.)

CARLOS (estendendo-lhe uma espada):
– Santa jovem, comanda meu exército
e que todos os chefes te obedeçam!

JOANA (recusando a espada):
– Perdão, nobre Delfim, não esta espada.
Nenhuma arma terrena levará
o meu Rei à vitória. O Espírito
tem outra para mim. Sei onde está.
Há três flores de lis gravadas nela.
Quero também um estandarte branco,
orlado de uma franja cor de púrpura.
Foi com ele nas mãos que a Santa Virgem
se revelou a mim. Em minhas mãos
levarei essa espada e esse estandarte.

CARLOS:
– Que seja tudo feito como dizes!

JOANA (ao Arcebispo; ela se ajoelha):
– Venerável prelado, abençoa
a esta humilde filha!

ARCEBISPO: – Foste tu
que derramaste bênçãos sobre nós.
Vai, Joana! (Ela se levanta)

UM ESCUDEIRO: – Um arauto se apresenta
e vem da parte do comando inglês.

JOANA:
– Que ele entre! Foi Deus que o enviou.

(O Rei faz um sinal ao escudeiro para ir buscá-lo.)

CARLOS (ao arauto que entra):
– Que mensagem nos trazes?

O ARAUTO: – Qual de vós
fala em nome de Carlos de Valois,
o duque de Ponthieu?

DUNOIS: – Vil miserável!
Tu ousas renegar o Rei da França
no território dele?

O ARAUTO: – Em campo inglês
está o Rei que a França reconhece.

CARLOS (a Dunois):
– Tenhamos calma. (ao arauto): – Dá tua mensagem.

O ARAUTO:
– Meu nobre chefe, deplorando a guerra
e antes que Orléans seja destruída,
quer propor um acordo.

JOANA (ao Rei): – Meu senhor,
permites que eu lhe fale em teu lugar?

CARLOS:
– Sim, jovem.

JOANA (ao arauto): – Quem te envia? E quem fala
por tua boca?

O ARAUTO: – O comandante inglês,
Conde de Salisbury.

JOANA: – Tu te enganas.
Somente os vivos falam. Não os mortos.

O ARAUTO:
– Atesto que meu chefe está bem vivo.

JOANA:
– Vivia ainda quando tu partiste,
porém um tiro, vindo de Orléans,
matou-o esta manhã. E, agora, ouve
minha mensagem. Deves transmiti-la
corretamente aos teus: “Rei da Inglaterra
e vós, duques de Bedford e de Glocester,
prestai contas aos céus por tanto sangue
que derramastes. Pois chegou a jovem
que Deus envia. Quereis paz ou guerra?
A bela França não pertence a vós.
Deus destinou-a a Carlos, o Delfim,
que há de entrar em Paris vitorioso.”
– Vai, apressa-te, arauto! Brevemente,
verás meu estandarte em Orléans!

(Joana sai. Tudo se põe em movimento.)

FIN DEL PRIMER ACTO

 

(continuará)

 

Sobre a escolha da peça

Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.

Enviamos o texto completo em PDF de até 3 peças gratuitamente, assim como as partituras musicais da peça escolhida. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça.

A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

 

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