March 23, 2018

The storm

 

[print-me target="body"]

 

play by William Shakespeare

tradução e adaptação: Ruth Salles

GRADES
A biografia de William Shakespeare, considerado um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, é baseada em poucos documentos. Segundo estes, ele nasceu na Inglaterra, em Stratford-on-Avon, no dia 23 de abril de 1564, e morreu no mesmo lugar e no mesmo dia em 1616, portanto com apenas 52 anos de idade. Sabe-se que foi ator e depois diretor de teatro e autor de conhecidos sonetos e de grande número de comédias e tragédias, quase todas obras-primas. Consta que A Tempestade foi uma de suas últimas peças. Ela trata da luta da consciência do despojamento e do bem contra a inconsciência da ganância e do mal. A pedido da professora Antonia Apparecida Netto, fiz a tradução da peça para a classe de 1992, adaptando-a com alguma redução a fim de ser representada por alunos de 14 anos. Agora, em 2013, já que os professores recomendam que a peça de 8º ano dure apenas de uma hora a uma hora e meia, condensei um pouco mais esta versão de A Tempestade.

 

CHARACTERS
ALONSO, rei de Nápoles
SEBASTIÃO, seu irmão
PRÓSPERO, duque legítimo de Milão
ANTÔNIO, seu irmão, duque usurpador de Milão
FERDINANDO, filho do rei de Nápoles
GONZALO, um velho e honesto conselheiro
ADRIANO eFRANCISCO, nobres
CALIBÃ, escravo selvagem, com escamas nas costas
TRÍNCULO, bufão ou Bobo
ESTÉFANO, despenseiro beberrão
CAPITÃO DO NAVIO
CONTRAMESTRE
MARINHEIROS
MIRANDA, filha de Próspero
ARIEL, um espírito do ar; quando invisível, usa um véu.
ÍRIS,CERES,JUNO,NINFAS,CEIFEIROS, espíritos;
e outros espíritos, a serviço de Próspero.

CORO, nos momentos necessários

CENAS: um navio no mar; uma ilha

 

FIRST ACT

Scene 1

A bordo de um navio, no mar. Tempestade, relâmpagos e trovões.
Capitão, contramestre, marinheiros; rei Alonso, duque Antônio, Gonzalo, Sebastião, Francisco, Adriano.

 

CAPITÃO (entra com o contramestre): – Contramestre!

CONTRAMESTRE: – Sim, capitão, quais as ordens?

CAPITÃO: – Diga aos marinheiros que se esforcem, do contrário encalhamos. Rápido! (sai)

CONTRAMESTRE (aos marinheiros que aparecem): – Vamos, meus valentes! Amainem a mezena! Fiquem atentos ao apito do capitão!

(Entram o rei Alonso, Sebastião, o duque Antônio, Ferdinando, Gonzalo e os outros.)

REI ALONSO: – Cuidado, meu bom contramestre! Onde está o capitão?

CONTRAMESTRE: – Por favor, rei Alonso, fiquem todos lá embaixo.

DUQUE ANTÔNIO (grosseiro): – Ora, contramestre! Diga onde está o capitão!

CONTRAMESTRE: – Senhor duque, por favor, conserve todos em seus camarotes, senão estarão ajudando a própria tempestade!

GONZALO (ao contramestre): – Calma, meu amigo!

CONTRAMESTRE: – Ficarei calmo quando o mar acalmar! Fiquem nos camarotes e em silêncio!

GONZALO: – Está bem. Mas, lembre-se de quem você leva a bordo: o rei, o duque…

CONTRAMESTRE (interrompe): – Ninguém a quem eu ame mais do que a mim mesmo. O senhor é conselheiro; use de sua autoridade. E, se não puder, dê graças por ter vivido até agora e prepare-se para o que der e vier. (os nobres saem)
(aos marinheiros): – Depressa! Arreiem o mastaréu! (ouve-se uma gritaria) Que gritaria é essa?

(Sebastião, Antônio e Gonzalo tornam a entrar.)

CONTRAMESTRE: – De novo? Será que os senhores querem que eu largue tudo para morrermos afogados?

SEBASTIÃO: – Cão gritador e sem piedade! Queremos só saber notícias.

CONTRAMESTRE: – Pois então, seu Sebastião, venha trabalhar conosco, e o senhor também, duque Antônio!

DUQUE ANTÔNIO: – Insolente!

CONTRAMESTRE (aos marinheiros): – Firme! Firme! Para o largo outra vez! Para o largo!

MARINHEIRO (entra encharcado): – Já está tudo perdido. Só nos resta rezar!

SEBASTIÃO: – Nossas vidas nas mãos desses tratantes!

OUTRO MARINHEIRO: – Misericórdia! O casco está rachando! (sai o contramestre)

DUQUE ANTÔNIO: – Estamos naufragando! Que desgraça! (sai)

GONZALO: – Ah, eu daria agora mil milhas de mar em troca de uma terra estéril qualquer. Que a vontade do céu se faça, mas eu bem que preferia uma morte seca… (sai)

 

scene 2

Na ilha. Diante da gruta de Próspero.
Próspero, Miranda; Ariel; Calibã; Ferdinando.

MIRANDA (entra com Próspero):
– Se foi por arte sua, pai querido,
que o mar se ergueu em vagas e rugidos,
acalme-o! Eu sofri com os que sofreram.
Coitados… Todos eles pereceram.

PRÓSPERO (vestido com o manto mágico e segurando a varinha):
– Miranda, minha filha muito amada,
acalme seu bondoso coração.
Ninguém morreu. Fiz tudo por você,
que nem sabe quem é ou de onde vem
ou que eu possa ser mais do que este Próspero,
que é dono de uma gruta e que é seu pai.

MIRANDA:
– Nunca quis saber mais.

PRÓSPERO: – Porém é tempo
de saber mais. Ajude-me a tirar
meu manto mágico. (tira o manto) E agora, sente-se,
para enfim conhecer toda a verdade.

MIRANDA:
– Pois fale então, meu pai. Sou toda ouvidos.

PRÓSPERO:
– Você não tinha ainda nem três anos,
mas quem sabe se lembra de uma época
antes desta em que viemos habitar
esta gruta.

MIRANDA: – Recordo vagamente…

PRÓSPERO:
– E, além disso, você não lembra, filha,
como foi que chegamos a esta ilha?

MIRANDA:
– Não lembro.

PRÓSPERO: – Pois Miranda, há doze anos
eu era um nobre, o duque de Milão,
e você a princesa minha herdeira.

MIRANDA:
– Oh, céus, então que trama ou que tragédia
nos trouxe aqui? Ou foi melhor assim?

PRÓSPERO:
– Ambas as coisas, filha. Uma traição
nos fez sermos expulsos de Milão.
Confiei a administração do Estado,
ao meu irmão Antônio, que é seu tio,
e em estudos secretos me absorvi…
Mas, Miranda, você está ouvindo?

MIRANDA:
– Ouvindo atenta, pai.

PRÓSPERO: – Pois o seu tio,
me vendo tão alheio, ambicionou
ser legítimo duque e foi tão pérfido
que então se aliou ao rei de Nápoles,
sujeitando a esse rei nosso ducado.

MIRANDA:
– Oh, céus, meu pai querido!

PRÓSPERO: – E o rei de Nápoles
deu o ducado de Milão a Antônio.
E então Antônio, numa noite escura,
fez com que seus agentes criminosos
nos levassem embora da cidade,
a mim e a você. Está ouvindo?

MIRANDA:
– Tão triste história cura até os surdos…

PRÓSPERO:
– Pois ouça um pouco mais, para entender
o que acontece agora.

MIRANDA: – Mas, meu pai,
por que não nos mataram nessa noite?

PRÓSPERO:
– Não se atreveram, filha, pois o povo
me amava muito. Em suma, num navio
nos levaram e, um pouco além da costa,
nos embarcaram na carcaça podre
de uma barca sem velas e sem mastros.
Fomos abandonados no alto mar.

MIRANDA:
– E de que modo demos numa praia?

PRÓSPERO:
– Guiou-nos a Divina Providência.
E Gonzalo, o bom velho conselheiro,
nos deu objetos, roupas, água, víveres,
além dos livros que eu amava tanto.

MIRANDA:
– Queria conhecer um dia esse homem…

PRÓSPERO:
– A esta ilha enfim nós aportamos,
e aqui lhe dei educação melhor
que a das princesas com tutores fúteis.

MIRANDA:
– Deus lhe pague, meu pai, mas me responda
qual a razão que fez com que o senhor
erguesse tempestade tão terrível?

PRÓSPERO:
– Por coincidência, a sorte generosa
trouxe meus inimigos a esta costa,
e em minhas previsões vejo que um astro
é propício a mudar nosso destino.
Não pergunte mais nada. Durma, agora! (Miranda adormece)
O sono a dominou. (a Ariel): – Servo fiel,
estou pronto. Aproxime-se, Ariel!

ARIEL (com grandes movimentos de saudação):
– Salve, meu grande mestre! Aqui estou eu
para fazer o que o senhor me ordene:
seja voar, nadar, passar nas chamas
ou cavalgar as enroladas nuvens.

PRÓSPERO:
– Responda! A tempestade foi bem feita?

ARIEL:
– Em todos os detalhes, mestre Próspero!
O veleiro do rei tomei de assalto,
infundindo terror da proa à popa.
Com raios e trovões e ondas bravias
amedrontei até o deus Netuno!

PRÓSPERO:
– E no veleiro alguém manteve a calma?

ARIEL:
– Ninguém. Aliás, só um. Foi Ferdinando.
jovem filho de Alonso, o rei de Nápoles.
Deu o exemplo e saltou antes de todos
no mar revolto.

PRÓSPERO: – E foi perto da costa?

ARIEL:
– A dois passos, e todos estão salvos.
Dispersei-os em grupos pela ilha,
como o senhor mandou. E Ferdinando,
o jovem príncipe está num recanto,
onde suspira na maior tristeza.

PRÓSPERO:
– Diga, Ariel, que é feito do navio,
dos marinheiros e de toda a frota?

ARIEL:
– O navio do rei está num golfo.
Fiz dormir os marujos dentro dele.
As outras naus voltaram para Nápoles.
Pensam que o rei morreu e que seu barco
naufragou.

PRÓSPERO: – Muito bem! Missão cumprida!
Mas há mais a ser feito.

ARIEL: – Mais trabalho?
E minha liberdade prometida?

PRÓSPERO:
– Antes do prazo se cumprir? Jamais!
Você esqueceu que eu o libertei
da horrível feiticeira Sicorax,
que o prendeu no oco de um pinheiro
porque você não quis obedecer
suas horrendas ordens? E depois
ela morreu, e só ficou na ilha
Calibã, o monstruoso filho dela
que está preso às minhas ordens mágicas!
Você esqueceu que eu rachei o pinheiro
e libertei você que lá gemia?

ARIEL:
– Perdão, senhor, sou para sempre grato!

PRÓSPERO:
– Então espere apenas mais dois dias.
Vá tomar a figura de uma ninfa,
visível só a mim e a você mesmo,
e volte logo aqui. (Ariel sai)
(a Calibã): – Eh, Calibã!
Saia já dessa gruta e venha cá!
(a Ariel, que volta como ninfa):
– Meu gentil Ariel, faça o que eu digo! (fala em seu ouvido; Ariel sai)

CALIBÃ (vendo que Miranda começa a acordar):
– Que nos dois caia um orvalho venenoso!
Ladrões de minha ilha, onde eu vivia
feliz com minha mãe, com Sicorax.

PRÓSPERO:
– Não seja ingrato, Calibã, fui eu
quem tudo lhe ensinou, mesmo a falar.
Eu o tratei com toda a humanidade,
e você atacou a minha filha.

CALIBÃ:
– Se eu falo é só para amaldiçoar.
Que uma peste os devore!

PRÓSPERO: – Saia já!
Vá de boa vontade cortar lenha,
senão eu lhe darei câimbras terríveis!

CALIBÃ:
– Não, por favor, eu obedeço sim! (Calibã sai)

MIRANDA (levantando-se):
– Meu pai… eu dormi tanto… Quem vem vindo?

(Ariel vem invisível atraindo Ferdinando.)

ARIEL:
– Venha!… Venha!…

FERDINANDO: – De onde vem tal voz?
Ela acalmou o mar e a minha dor…

MIRANDA:
– Meu pai, olhe que lindo jovem!

PRÓSPERO:
– Um dos que naufragaram, com certeza.

MIRANDA:
– Alguém tão belo assim eu nunca vi…

PRÓSPERO (consigo mesmo):
– Tudo caminha como eu desejava.

FERDINANDO (vendo Miranda):
– Ah, eis a deusa de onde vinha a música!
Por favor, você mora nesta ilha?

MIRANDA:
– Moro, sim.

FERDINANDO: – Você fala minha língua!
Em meu país, eu seria o mais nobre
dos homens.

PRÓSPERO: – O mais nobre é o rei de Nápoles.

FERDINANDO:
– É quem eu sou, pois o meu pai morreu,
já que nosso navio naufragou.

MIRANDA:
– Oh, céus, piedade!

FERDINANDO: – Eu vi quando afogou-se,
com o duque de Milão e o filho dele.

PRÓSPERO (consigo mesmo):
– Se esse rapaz soubesse da verdade…
Ambos se apaixonaram, mas preciso
tornar esta conquista mais difícil.

FERDINANDO (a Próspero):
– Senhor, se esta donzela é sua filha,
dê permissão para que nos casemos!

PRÓSPERO:
– Rapaz, você pretende ser um rei.
Mas não sei se não é um espião
que veio aqui me despojar da ilha.

FERDINANDO:
– Não, meu senhor, eu dou minha palavra!

MIRANDA:
– Meu pai, não pode haver maldade nele!

PRÓSPERO:
– Pois vou acorrentá-lo!

FERDINANDO: – A mim? Jamais! (puxa da espada, que cai)

MIRANDA:
– Ó meu pai, ele é bom, ele é valente!

PRÓSPERO:
– Guarde a espada, traidor. Está pesada
porque sua consciência está pesada.

FERDINANDO:
– A minha força está paralisada.
Senhor, suporto ser encarcerado
desde que veja só uma vez por dia
esta donzela.

MIRANDA: – Ah, meu pai é bom.
Ele não é assim. Você verá.

PRÓSPERO (a Ferdinando):
– Siga-me! (a Miranda): – E você, não o defenda!
(à parte, a Ariel):
– E você será livre como o vento
quando cumprir as ordens que vou dar!

ARIEL:
– Ai, livre como o vento! Eu sou o vento!

 

SECOND ACT

Scene 1

Outra parte da ilha.
Gonzalo, rei Alonso, Sebastião, duque Antônio, Adriano, Francisco; Ariel.

GONZALO (a Alonso): – Senhor rei, ainda bem que nos salvamos!

REI ALONSO: – Ora, Gonzalo, cale-se!

SEBASTIÃO (à parte a Antônio): – Essa não, Antônio! O rei recebe consolo como se fosse uma sopa fria.

DUQUE ANTÔNIO (à parte a Sebastião): – É, Sebastião, e o consolador não vai desistir. Vai dar corda no relógio do seu espírito que vai bater as horas logo, logo.

GONZALO (a Alonso): – Majestade, o sofrimento ajuda o crescimento.

DUQUE ANTÔNIO (à parte a Sebastião): – Eu não disse?

SEBASTIÃO (à parte a Antônio): – Aposto como ele continua sua arenga, o galo velho.

DUQUE ANTÔNIO (à parte a Sebastião): – Pois aposto uma gargalhada que será o frango novo, o Adriano.

ADRIANO: – Embora esta ilha pareça deserta, é bonita e agradável.

SEBASTIÃO (à parte a Antônio): – Há, há, há! Está paga a aposta!

ADRIANO: – E é tão boa a temperança…

DUQUE ANTÔNIO (à parte a Sebastião): – Ele quis dizer temperatura, ó céus!

GONZALO: – E nossos trajes, embora encharcados, não desbotaram.

DUQUE ANTÔNIO (à parte a Sebastião): – Qual será a próxima coisa ruim que ele vai dizer que é ótima?

SEBASTIÃO (à parte a Antônio): – Acho que ele vai pôr a ilha no bolso, e vai levar para dar ao filho como se fosse uma linda maçã.

DUQUE ANTÔNIO (à parte a Sebastião): – E jogará as sementes no mar para que nasçam mais ilhas.

REI ALONSO: – Ai, perdi meu filho…

FRANCISCO: – Acho que não, senhor Alonso. Eu mesmo o vi dando boas braçadas nas ondas e indo em direção à costa.

REI ALONSO: – Ora, Francisco, ele deve ter morrido.

(Entra Ariel, tocando música solene numa flauta. Todos vão adormecendo aos poucos, menos Antônio e Sebastião.)

REI ALONSO (adormecendo): – Sinto que meus olhos se fecham. Quem me dera poder fechar os pensamentos… (Ariel sai)

SEBASTIÃO: – Que sonolência estranha deu neles… e em nós não.

DUQUE ANTÔNIO: – Sebastião, estou lendo no seu rosto que você já imagina uma coroa na própria cabeça. É ou não é?

SEBASTIÃO: – O que? Você está acordado como quem dorme.

DUQUE ANTÔNIO: – Pois falo sério, Antônio. Acho impossível que o príncipe Ferdinando esteja vivo.

SEBASTIÃO: – Eu também acho.

DUQUE ANTÔNIO: – Pois então, se Ferdinando se afogou, quem, depois dele, é o mais próximo herdeiro da coroa de Nápoles?

SEBASTIÃO: – A filha do rei Alonso, Claribel.

DUQUE ANTÔNIO: – Que atualmente é rainha de Túnis, lá longe, na África. Ela jamais receberá carta de Nápoles antes que os queixos dos recém-nascidos criem barba.

SEBASTIÃO: – Já percebi sua ideia.

DUQUE ANTÔNIO: – E como acolhe o que a sorte lhe oferece agora?

SEBASTIÃO: – Hum… eu bem me lembro que você venceu Próspero.

DUQUE ANTÔNIO: – Pois é. E fiquei muito mais rico, e os que serviam meu irmão agora me servem.

SEBASTIÃO: – E quanto à sua consciência?

DUQUE ANTÔNIO: – E isso existe? Nem vinte consciências me incomodariam no caminho que vai de mim até Milão. Eu, com esta espada faria seu irmão dormir para sempre; e você, da mesma forma, faria dormir eternamente o velho conselheiro Gonzalo.

SEBASTIÃO: – Então, assim como você tomou Milão, eu tomo Nápoles. Saque a espada, e eu, o rei, prometo meu afeto.

DUQUE ANTÔNIO: – Vamos puxar da espada ao mesmo tempo. Quando eu erguer a mão, levante a sua para ferir Gonzalo. Mas antes… (um cochicha no ouvido do outro)

ARIEL (consigo mesmo, entrando invisível para todos em cena):
– O meu mestre previu, com suas artes,
o perigo que corre seu amigo
e me mandou aqui para salvá-lo.

(Sussurra no ouvido de Gonzalo):
– Se você ficar dormindo,
a traição já, já vem vindo.
(vai tocando em cada um dos que dormem):
Que cada um logo acorde!
A traição pica e morde! (Ariel sai)

DUQUE ANTÔNIO (a Sebastião, ambos erguendo a espada): – Agora!!

REI ALONSO (acorda com os outros): – Mas, que é isso? Por que essas espadas desembainhadas?

SEBASTIÃO: – Oh! Bem… é que estávamos protegendo seu sono e ouvimos um rugido de leão.

DUQUE ANTÔNIO: – Pelo barulho, era um bando de leões.

GONZALO: – Pois eu só ouvi um murmúrio estranho no ouvido.

REI ALONSO: – Vamos procurar meu filho.

GONZALO: – E que Deus proteja Ferdinando dessas feras! (Todos saem)

 

scene 2

Outra parte da ilha. Trovão.
Calibã; Trínculo, Estéfano.

CALIBÃ (entra com um feixe de lenha): – Que caiam sobre Próspero os miasmas infectos dos pântanos e o façam padecer de morte lenta. Seus servos, os espíritos, me ouvem, mas não me assustam! (vê Trínculo entrando) Ai, ai… lá vem um deles me atormentar, decerto porque me atrasei com a lenha. Vou deitar no chão. Quem sabe ele não me vê.

TRÍNCULO: – Aqui não há nada para me abrigar do mau tempo, e aquela nuvem escura parece um balde sujo que vai despejar seu conteúdo em cima de mim. (vê Calibã) Ué! Isso aí tem pernas de gente, mas cheira a peixe. Será que está vivo ou morto? (troveja) Lá vem a chuva. Vou me meter debaixo do seu manto até que a chuva passe. (As pernas dos dois ficam para fora do manto)

ESTÉFANO (entra bêbado, cantarolando com uma garrafa na mão):
“Não quero mais morrer no mar,
na praia é bem melhor.” (Dá um gole da garrafa e canta mais)
“O mestre e o contramestre
e o senhor capitão
gostam de Elisete,
mas de Rosa não.”
(dá outro gole)

CALIBÃ (descobre a cabeça e depois cobre de novo): – Oh, espírito, não me atormente com essa cantoria!

ESTÉFANO: – Que é isso que está falando, ahn? Não escapei do naufrágio para ter medo de suas quatro pernas. Deve ser algum monstro da ilha que sabe nossa língua. Quem sabe eu consigo domesticá-lo e levá-lo para Nápoles. Seria um presente digno de um imperador.

CALIBÃ: – Ai, espírito, não me atormente, por favor. Eu já ia levar a lenha para casa.

ESTÉFANO: – Está delirando. Vou-lhe dar um gole de minha garrafa. (dá de beber a Calibã, que obedece com medo)

TRÍNCULO: – Parece que conheço essa voz. É de… mas ele se afogou. São diabos… Socorro!

ESTÉFANO: – Um primor de monstro: quatro pernas e duas bocas falando, uma na frente e outra atrás. Vou dar um gole para a boca traseira. (tenta dar um gole a Trínculo)

TRÍNCULO: – Estéfano!!!

ESTÉFANO: – Socorro! A boca de trás está me chamando!

TRÍNCULO: – Estéfano! Sou seu amigo Trínculo, não me reconhece?

ESTÉFANO (consigo mesmo): – Vou puxá-lo por estas pernas mais curtas, para ver se é mesmo Trínculo.

TRÍNCULO (se levanta): – Estéfano! Você tem certeza de que está mesmo vivo? Eu vim nadando para a praia como um pato e me deitei ao lado deste monstrengo.

CALIBÃ (consigo mesmo): – São coisa fina esses espíritos. Aquele ali é um verdadeiro deus com seu licor divino. Vou ficar de joelhos diante dele.

ESTÉFANO: – Eu me salvei montado numa pipa de vinho. Juro por esta garrafa.

CALIBÃ: – Também juro por essa garrafa ser seu súdito fiel! Que caia uma praga sobre o tirano a quem sirvo! É a você que vou servir, espírito prodigioso!

TRÍNCULO: – Que monstrengo mais esquisito que chama um bêbado de prodigioso…

CALIBÃ: – Vou fazer tudo o que quiserem, caçar caranguejos e…

ESTÉFANO: – Por favor, mostre-nos este lugar e deixe de falatório! (a Trínculo): – Trínculo, como o rei e os outros se afogaram, tomaremos posse disto aqui!

CALIBÃ (grita embriagado depois canta): – Adeus, meu velho mestre!
“As barragens para peixes
nunca mais irei montar,
nem juntar a lenha em feixes
quando o mestre me mandar.
Calibã, barambambã,
tem novo senhor
que lhe dá licor!” (saem)

 

TERCEIRO ATO

Scene 1

Diante da gruta de Próspero.
Ferdinando; Miranda; Próspero.

FERDINANDO: (entra carregando um feixe de lenha):
– Este trabalho humilde, para mim,
vale pela donzela a quem eu sirvo.
Devo empilhar uma porção de feixes,
e a formosa senhora chora ao ver-me.

MIRANDA (entra; Próspero está num canto longe, sem ser visto):
– Você parece tão cansado, amigo…

FERDINANDO:
– Eu não, oh linda jovem, sinto em mim
o vigor da manhã. Diga seu nome,
vou incluí-lo em minhas orações.

MIRANDA:
– O meu nome é Miranda, e ao dizê-lo
desobedeço as ordens de meu pai…

FERDINANDO:
– Miranda… Eu conheci tão belas damas,
mas igual a Miranda nunca vi.
Parece que em você existe tudo
que há de melhor em toda criatura.

MIRANDA:
– Não conheci ninguém. Só o meu pai.
Mas agora confesso: neste mundo
só desejo a você por companheiro.

FERDINANDO:
– Por nascimento, amiga, sou um príncipe.
No primeiro momento em que eu a vi,
tornei-me seu escravo; e é por amor
que sou este paciente lenhador.

MIRANDA:
– Então você me ama?

FERDINANDO: – Amo Miranda
mais que tudo que existe neste mundo!

MIRANDA:
– Oh, veja, estou chorando de alegria!

PRÓSPERO (consigo mesmo):
– Feliz encontro dessas almas raras…
Chovam bênçãos sobre esse amor tão puro.

MIRANDA:
– Ah, Ferdinando, se você quiser,
eu serei sua esposa dedicada.
Porém, se não quiser casar comigo,
eu serei sua serva até morrer.

FERDINANDO:
– Meu coração é para sempre seu.
Ponha na minha a sua mão, querida… (saem)

PRÓSPERO:
– Minha alegria nunca poderia
ser maior. Vou voltar agora aos livros.
Até a ceia, devo preparar
muita coisa importante a tal respeito. (sai).

 

scene 2

Outra parte da ilha.
Calibã, Trínculo, Estéfano; Ariel.

Estéfano, Calibã e Trínculo entram.

ESTÉFANO: – Beba à minha saúde, criado-monstro!

CALIBÃ (com a garrafa na mão): – Deixe-me lamber seus sapatos, Excelência? A este outro não quero servir; não é valente.

TRÍNCULO: – Monstro estúpido, mentiroso, metade peixe, metade gente.

CALIBÃ: – Está vendo como ele caçoa de mim, meu príncipe?

TRÍNCULO: – Príncipe? Que monstro ingênuo!

CALIBÃ: – Está caçoando de novo! Por favor, mate-o a dentadas!

ESTÉFANO: – Trínculo, dobre a língua ao falar. O pobre monstro é meu súdito.

CALIBÃ: – Obrigado, meu lorde. Tenho uma súplica a lhe fazer.

ESTÉFANO: – Pois não. Ajoelhe –se e fale!

(Entra Ariel, invisível.)

CALIBÃ: – Sou servo de um tirano, que me roubou esta ilha por meio de suas artes.

ARIEL (por trás de Trínculo): – Mentiroso!

CALIBÃ (a Trínculo, pensando que foi ele que falou): – Mentiroso é você, palhaço!

ESTÉFANO: – Trínculo, eu lhe arranco os dentes se você interromper de novo.

TRÍNCULO: – Ué! Eu não disse nada, Estéfano.

ESTÉFANO: – Então, continue, Calibã.

CALIBÃ: – Ele me roubou a ilha com suas magias. Se você, nobre príncipe, quiser castigá-lo, vai ficar dono da ilha e eu serei seu servo.

ESTÉFANO: – Mas como faremos isso? Você me leva até ele?

CALIBÃ: – Sim, sim. E quando ele dormir, você lhe finca um prego na cabeça!

ARIEL (por trás de Trínculo): – Mentirosos. Vocês não conseguem isso.

CALIBÃ (a Trínculo): – Seu miserável! Suplico ao nobre lorde que o derrube com uma garrafada!

TRÍNCULO: – Mas, que foi que eu fiz?

ESTÉFANO: – Você não disse que ele estava mentindo?

ARIEL (por trás de Trínculo): – Eu, não. O mentiroso é você.

ESTÉFANO (bate em Trínculo): – Ah é? Tome esta! Repita, se gostou!

TRÍNCULO: – Mas eu nem abri a boca! Você perdeu o juízo? É no que dá a bebedeira!

ESTÉFANO: – Continue a falar, Calibã!

CALIBÃ: – Você mata o mágico, mas antes rouba seus livros. Sem eles, o mágico é um palerma como eu.

ESTÉFANO: – Está bem. Eu e a filha dele seremos rei e rainha, e vocês dois serão vice-reis. Que tal, Trínculo?

TRÍNCULO: – Ótimo!

ARIEL (consigo mesmo): – Vou contar tudo a meu amo.

CALIBÃ: – Estou feliz, nobre lorde. Cantem a cantiga do mestre e do contramestre!

TRÍNCULO e ESTÉFANO (cantam):
“O mestre e o contramestre
e o senhor capitão
gostam de Elisete
mas de Rosa não.”

(Ariel toca em seguida a música na flauta.)

ESTÉFANO: – Que foi isso?

TRÍNCULO: – É a música de nossa cantiga tocada pelo fantasma de Ninguém.

ESTÉFANO (apavorado): – Ooohhh, misericórdia!

TRÍNCULO (apavorado): – Ooohhh, que ele perdoe meus pecados!

CALIBÃ: – Isso não é nada. Ouve-se um barulho ou uma música o tempo todo nesta ilha.

ESTÉFANO: – Então vamos! Este vai ser um reino e tanto! Com música de graça!

CALIBÃ: – Só quando Próspero for destruído.

ESTÉFANO: – E será, logo, logo. Vá na frente e mostre o caminho.

TRÍNCULO: – Vamos! Esse flautista toca bem!

scene 3

Outra parte da ilha.
Gonzalo, rei Alonso, duque Antônio, Sebastião, Francisco, Adriano; Ariel, Próspero, espíritos a seu serviço, Ariel.

Entram Gonzalo, rei Alonso, duque Antônio, Sebastião, Francisco e Adriano.

GONZALO: – Ai, meus velhos ossos… Não aguento dar mais um passo.

REI ALONSO: – Também estou caindo de cansaço. Acho mesmo que meu filho se afogou. Que sua alma vá em paz.

DUQUE ANTONIO (à parte a Sebastião): – Ainda bem que perdeu as esperanças.

SEBASTIÃO (à parte a Antonio): – Aproveitemos à noite, quando eles dormirem.

(Ouve-se uma música solene.)

REI ALONSO: – Ouço uma música suave e estranha…

GONZALO: – Eu também…

(No alto, entra Próspero, invisível, com seu manto e varinha na mão. Embaixo entram vários vultos estranhos trazendo uma mesa com iguarias; eles dançam em volta, com movimentos de saudação, convidam o rei e os outros para comer e depois se retiram.)

REI ALONSO: – Mas… quem serão esses?

ADRIANO: – Serão fantoches vivos?

DUQUE ANTÔNIO: – De agora em diante acredito até nos unicórnios e nas aves Fênix.

GONZALO: – Que são da ilha não há dúvida. Mas são bem mais delicados do que gente como nós.

PRÓSPERO (à parte): – Você tem razão, nobre lorde; mesmo entre os presentes há homens piores que demônios.

FRANCISCO: – Sumiram de um modo estranho…

SEBASTIÃO: – Não importa. Deixaram iguarias e estamos com fome. São servidos?

(Sebastião dirige-se para a mesa. Trovões e relâmpagos. Entra Ariel, disfarçado de harpia e faz sumir o banquete. Todos recuam assustados.)

ARIEL (sem seu véu que o torna invisível):
– Há aqui três pecadores, que o destino
fez com que o mar lançasse nesta ilha.

(Rei Alonso, duque Antônio e Sebastião puxam da espada.)

ARIEL:
– Contra nós as espadas nada podem.
A mensagem que trago é a seguinte:
Vocês três expulsaram o nobre Próspero
e Miranda, sua inocente filha,
e os largaram nas ondas. Foi por isso
que as divindades, contra vocês todos,
enfureceram o mar e as criaturas.
O rei Alonso não encontra o filho,
e todos sofrerão coisas piores
se não se arrependerem prontamente.

(Ariel se cobre com um véu e fica invisível ao som de um trovão; ao som de música suave, entram de novo os vultos, que dançam fazendo caretas de caçoada e levam a mesa.)

PRÓSPERO (invisível em seu manto, fala à parte com Ariel):
– Você desempenhou bastante bem
o seu papel de harpia. Os inimigos
já estão em meu poder; enquanto isso,
vou visitar o jovem Ferdinando,
que todos eles julgam afogado,
e também minha filha, que ele ama. (sai)

GONZALO: – Majestade, porque está assim parado, olhando fixo?

REI ALONSO: – É que o trovão parecia dizer “Próspero”, denunciando minha usurpação. É então por causa dela que meu filho dorme num leito de ondas. Acho que também vou deitar-me num leito igual. (sai)

SEBASTIÃO: – Que venham os demônios um de cada vez, e eu os derrotarei.

DUQUE ANTÔNIO: – E eu com você. Saem os dois.)

GONZALO: – Os três estão desesperados por causa de sua grande culpa. Vocês, que são mais jovens, vão depressa atrás deles para impedir que façam uma loucura.

ADRIANO: – Vamos, Francisco!

FRANCISCO: – Vamos! (e todos saem, Gonzalo mais devagar)

 

QUARTO ATO

Cena Única

Diante da gruta de Próspero.
Próspero, Ferdinando, Miranda; Ariel; Íris, Ceres, Juno; ceifeiros, ninfas; Calibã, Estéfano, Trínculo.

Entram Próspero, Ferdinando e Miranda.

PRÓSPERO (com seu manto):
– Se eu o tratei assim tão duramente,
foi para comprovar o seu amor.
Você venceu a prova dignamente.

FERDINANDO:
– Com um amor como este, agora espero
tempos tranquilos e uma vida longa.
E nada me fará romper os laços
contraídos neste tão santo dia.

PRÓSPERO:
– É um belo juramento. Então, receba
minha filha como um presente meu.
Sente-se aqui. Converse com Miranda.
(à parte, a Ariel):
– Venha, Ariel, meu servo diligente!

ARIEL (entra invisível):
– Meu mestre poderoso, que deseja?
Aqui estou eu!

PRÓSPERO: – Você e seus pequenos
assistentes cumpriram muito bem
a última tarefa, mas preciso
empregá-los em outra parecida.
Depressa, traga aqui esses espíritos
sobre os quais eu lhe dei tanto poder.
Quero mostrar a este par de jovens
algumas ilusões de minha arte.

ARIEL:
– Agora mesmo?

PRÓSPERO: – Num piscar de olhos!

ARIEL:
– Antes que ouça me ordenar
“Vá num pé e volte noutro”,
cada um farei chegar
galopando como um potro,
saltitando como a chama.
O mestre também me ama?

PRÓSPERO:
– Sim, meu bom Ariel, mas ande logo!

ÍRIS (entra com música suave):
– À generosa deusa Ceres, digo:
Deixe seus campos de centeio e trigo;
convido-a a deixar suas moradas
e vir brincar comigo nestas plagas.

CERES (entra):
– Por que me chama aqui uma rainha
a este prado de erva tão curtinha?

ÍRIS:
– Um contrato de amor celebraremos
e aos noivos alguns dons ofertaremos!

CERES:
– E a rainha Juno já vem vindo.
Eu a conheço pelo seu andar.

JUNO (entra):
– Salve, irmãs! Vim também abençoar
esses jovens que querem se casar,
a fim de que felizes possam ser
e honrados pela prole que nascer.
(canta junto com o coro):
“Muitos bens e honrarias,
lindos filhos e alegrias,
vida longa e muito boa,
com estes votos,
Juno abençoa!”

CERES (canta com o coro):
“Os celeiros bem repletos
desde o chão até o teto,
as videiras bem vergadas,
arvoredos carregados,
com estes votos,
Ceres abençoa!”

FERDINANDO:
– Que visão majestosa e fascinante!
Ah, se eu pudesse viver sempre aqui
com uma esposa assim e um pai tão sábio…

(Juno e Ceres cochicham e dão ordens a Íris.)

PRÓSPERO:
– Juno e Ceres cochicham seriamente.
Fiquem quietos, senão o encanto rompe-se.

ÍRIS (chama):
– Ó náiades, ó ninfas dos regatos,
ó ceifeiros que lidam pelos matos!
Venham depressa, venham festejar!
Tirem as ninfas, ponham-se a dançar!

(Entram vários ceifeiros e ninfas, e eles dançam. No fim da dança, Próspero avança de repente e fala, e os espíritos vão saindo.)

PRÓSPERO (à parte):
– Esqueci a conspiração infame
que o bruto Calibã e seus comparsas
armaram contra mim. É quase a hora!
Está bem. Basta, espíritos, retirem-se! (erguendo a varinha)

FERDINANDO:
– É estranho ver seu pai tão preocupado.

MIRANDA:
– É muito raro ele ficar zangado…

PRÓSPERO:
– Não é nada. Os festejos terminaram,
e os espíritos no ar já se esvaíram.
Vão os dois conversar dentro da gruta,
que eu vou dar uma volta e espairecer.

(Saem Ferdinando e Miranda. Entra Ariel.)

ARIEL:
– Seus pensamentos me chamaram, mestre.
Que deseja?

PRÓSPERO: – É preciso estarmos prontos
a fim de fazer frente a Calibã.
Onde você deixou esses patifes?

ARIEL:
– Como já disse, mestre, estavam rubros
de tanta bebedeira, e valentões!
Atacavam o vento, só porque ele
lhes soprava na cara, e até batiam
no chão porque este lhes tocava os pés.
Deixei-os aqui perto, em meio a um charco,
lutando por tirar os pés da lama.

PRÓSPERO:
– Bem, Ariel, mantenha-se invisível.
Vá buscar uns enfeites lá na gruta
para atrair esses ladrões.

ARIEL: – Vou já! (sai)

PRÓSPERO (consigo mesmo):
– Calibã é um demônio de nascença.
A educação não lhe valeu de nada.
Seu caráter é sempre corrompido.
(entra Ariel carregado de trajes reluzentes)
– Pendure agora tudo nesta corda.

(Próspero e Ariel estão invisíveis. Entram Calibã, Estéfano e Trínculo.)

TRÍNCULO: – Minha roupa está cheirando a lama podre.

ESTÉFANO: – A minha também e por sua culpa, monstro. Mais um motivo de queixa que eu tiver e…

TRÍNCULO: – … E era uma vez um monstro!

CALIBÃ: – Meu rei, tenha paciência, pois as compensações vão valer muito . Fale baixo. É ali a gruta. Faça sua tarefa, e toda a ilha será sua, e eu serei seu escravo.

TRÍNCULO (vendo as roupas brilhantes penduradas): – Olhe ali um guarda-roupa especial para você, rei Estéfano!

CALIBÃ: – São só bugigangas. É melhor não mexer.

TRÍNCULO: – Que nada! São para Sua Majestade Estéfano!

ESTÉFANO: – Claro! Dê-me aquela túnica, Trínculo!

CALIBÃ: – É melhor primeiro matar Próspero. Se ele acordar, vai-nos moer de pancada!

ESTÉFANO: – Estou começando a ter ideias sanguinárias, mas vou vestir esta roupa primeiro. (veste-se)

(Ouvem-se ruídos. Entram três espíritos em forma de cães, que ladram, perseguindo-os. Próspero e Ariel os açulam.)

PRÓSPERO:
– Atrás deles, Montanha! Vamos, vamos!

ARIEL:
– Ali, Fúria! Pegue esse aí, Sultão!

(Os três bêbados são espantados para fora de cena.)

PRÓSPERO:
– Ariel, vá chamar os meus duendes!
Que eles deem aos três terríveis câimbras.

(Ariel sai. Ouvem-se gemidos dos três bêbados fora de cena.)

CALIBÃ: – Ai!
TRÍNCULO: – Ai!
ESTÉFANO: – Ai!

ARIEL (voltando):
– Ouça como eles rugem!

PRÓSPERO: – Ariel,
seu trabalho está quase terminado.
Você vai respirar a liberdade.
Acompanhe-me um pouco mais ainda
e faça tudo o que eu mandar fazer.

 

QUINTO ATO

Cena Única

Diante da gruta de Próspero.
Próspero, Ariel; Gonzalo, rei Alonso, Sebastião, duque Antônio, Adriano, Francisco; Ferdinando, Miranda; capitão, contramestre, marinheiros; Calibã, Estéfano, Trínculo.

Entram Ariel, invisível, e Próspero, em suas vestes mágicas e segurando sua varinha.

PRÓSPERO:
– Meus projetos, enfim, se concretizam.
Ariel, como estão o rei e os outros?

ARIEL:
– Nem se mexem, lá no bosque das tílias,
até que meu senhor os desencante.
O rei, o irmão dele e o seu deliram.
Os outros os lamentam com terror,
principalmente o “velho e bom Gonzalo”,
como o chama o senhor. Correm-lhe as lágrimas
como as gotas de chuva quando escorrem
pelas folhas do junco. É de dar pena.

PRÓSPERO:
– Você tem pena?

ARIEL: – Só se eu fosse humano.

PRÓSPERO:
– Pois eu terei piedade. Se você
foi tocado, você que é apenas ar,
e até se comoveu com sua dor,
eu, sendo um ser da mesma espécie deles,
também não sentirei mais pena ainda?
Embora tenham-me ferido tanto,
detenho a cólera e os perdoo a todos.
Eu sei que agora estão arrependidos,
e foi essa a minha meta, Ariel.
Vá buscá-los. Desfaço o encantamento.

ARIEL:
– Eu vou num pé e volto noutro. E é já! (sai)

PRÓSPERO:
– Ó espíritos alegres, brincalhões,
vocês todos que tanto me ajudaram,
saibam que agora estou renunciando
sinceramente a toda esta magia.
Enterrarei bem fundo a minha vara
e lançarei meu livro em pleno mar,
numa profundidade inalcançável.

(Volta Ariel; é seguido por Alonso, Gonzalo, Sebastião, Antônio, Adriano e Francisco, todos se paralisam com ar de abatimento.)

PRÓSPERO (contempla-os e fala, erguendo a varinha):
– Meu bom Gonzalo, o encanto vai quebrar-se,
meu salvador e servidor leal.
Serei grato a você, tanto em palavras
quanto em ações. Você, Alonso, agiu
de maneira cruel para comigo
e minha filha. E foi seu próprio irmão,
Sebastião, o promotor do crime.
E Antônio, meu irmão, cuja ambição
repeliu o remorso e a retidão,
você, associado a Sebastião,
teria assassinado o próprio rei.
Apesar disso tudo, eu os perdoo.

(Próspero ergue sua varinha. Todos começam a se mover, ao serem desencantados.)

PRÓSPERO:
– Começa a inteligência a lhes voltar…
e não tarda que vejam claramente
o que ainda não veem. Vá, Ariel,
buscar o meu chapéu e a minha espada,
e me apresentarei tal como outrora
o duque de Milão se apresentava.
Depressa, Ariel, e logo estará livre! (Ariel sai.)

(Volta Ariel cantando e ajuda Próspero a se arrumar.)

ARIEL (canta junto com o coro):
“Onde a abelha encontra o mel,
doce néctar vai sugando.
Isso mesmo farei eu
sobre as flores cochilando.
O verão vai-se em sossego,
e eu, montado num morcego,
vou alegre, a voar,
sob as flores passear.”

PRÓSPERO:
– Esse é o meu Ariel. Vou ter saudades…
Vá, sem ser visto, até a nau do rei,
onde a tripulação está dormindo,
e dirija-os todos para cá.

ARIEL:
– Eu vou depressa, vou sorvendo o ar!!! (sai)

GONZALO: – Tudo aqui é tão estranho…

PRÓSPERO (dirige-se ao rei Alonso):
– Olhe-me, senhor rei, pois eu sou Próspero,
o duque espoliado de Milão.
E, como prova de que estou bem vivo,
dou a todos as minhas boas-vindas.

REI ALONSO: – Sinto abrandar-se minha aflição. Próspero, eu lhe restituo o seu ducado e lhe peço perdão.

PRÓSPERO (dirige-se a Gonzalo):
– Querido e honrado amigo, a quem eu devo
tão grande ajuda, deixe que eu o abrace!

GONZALO: – Será real tudo isso?

PRÓSPERO:
– Vocês ainda estão sob os efeitos
das mágicas que realizei na ilha
e, por isso, não crêem na verdade.
Sejam todos bem-vindos!
(à parte a Sebastião e ao duque Antônio): – A vocês,
meu par de nobres, eu devia mesmo
fazer cair a cólera do rei,
desmascarando-os como dois traidores,
mas por enquanto nada digo a ele.

SEBASTIÃO (à parte): – É o diabo falando por ele!!!

PRÓSPERO:
– Não é.
(dirige-se ao duque Antônio): – Quanto a você, malvado irmão,
eu lhe perdoo o abominável crime
e exijo que devolva o meu ducado.

REI ALONSO: – Próspero, como foi que você nos encontrou depois deste naufrágio em que morreu meu querido filho?

PRÓSPERO:
– Não falemos mais nisso. É longa história.
Com um presente precioso eu o recompenso.

(Saem da gruta Miranda e Ferdinando.)

REI ALONSO: – Meu querido filho, eu o abençoo!

FERDINANDO: – Meu pai, a misericórdia sempre existe.

MIRANDA:
– Que maravilha eu vejo aqui agora!
Quanta gente! Que belo é o ser humano!
Eu estou conhecendo um mundo novo!

REI ALONSO (a Ferdinando): – Quem é a jovem?

FERDINANDO:
– Meu pai, ela me foi presenteada
pela imortal divina Providência.
É a filha deste duque de Milão
tão afamado e que eu não conhecia.
Graças a ele, hoje somos noivos.

REI ALONSO: – Ela será uma segunda filha, para mim.

GONZALO: – Já não éramos donos de nós mesmos, e agora somos nós mesmos renovados!

(Entra Ariel, seguido do capitão, do contramestre e dos marinheiros.)

ARIEL (invisível, a Próspero):
Olhe, senhor, aqui estão mais dos nossos.
(ao capitão): – Confirme, capitão, perdeu a língua?

CAPITÃO: – É… é… Nosso rei está são e salvo e os outros também!!! Estávamos dormindo como mortos e, de repente, acordamos e estamos aqui com o navio em ordem e pronto para navegar.

REI ALONSO: – Parece coisa de magia.

PRÓSPERO:
– Não se canse pensando. Brevemente
explico tudo da melhor maneira.

ARIEL (à parte a Próspero):
– E agora mestre?

PRÓSPERO (à parte a Ariel): – Meu querido Ariel,
vá soltar Calibã e os beberrões.

(Ariel sai e volta com Calibã, Estéfano e Trínculo vestido com os trajes roubados.)

ESTÉFANO: – Um por todos, e nenhum por si mesmo! Tudo é questão de sorte. Coragem, meu monstro!

TRÍNCULO: – Se meus olhos são dois espiões, estou vendo coisas incríveis!

CALIBÃ: – Ooooooohhh! Olhem meu mestre que elegante está! Só tenho medo que ele me castigue…

SEBASTIÃO: – Que espantalhos são estes?

DUQUE ANTÔNIO: – Este aqui parece um peixe.

PRÓSPERO:
– A mãe deste patife era uma bruxa.
Os outros dois pertencem a vocês.
Estavam combinando me matar.

REI ALONSO: – Estes não são meus despenseiros beberrões?

ESTÉFANO: – Não sou, não. Todo eu sou uma cãibra.

TRÍNCULO: – Nem sei como vou livrar-me da bebedeira. Nem os mosquitos me picam mais.

PRÓSPERO (a Calibã):
– Vá para a gruta com seus dois amigos
e guarde as roupas todas nos lugares.

CALIBÃ: – Vou já! Pretendo ter juízo para que me perdoem. Que loucura a minha, adorar um deus embriagado! (saem os três)

PRÓSPERO:
– Convido o rei e a todos os demais
a se abrigarem nesta gruta à noite,
e nela contarei tudo o que houve.
Amanhã partiremos para Nápoles.
Lá casaremos este jovem par,
e depois voltarei para Milão.
E também lhes prometo viagem rápida,
num mar tranquilo, e ventos de feição.
Vamos, senhores, entrem! (todos entram na gruta)
(à parte a Ariel): – Ariel,
meu passarinho, deixo isso a seu cargo.
Depois, adeus! Voe nos elementos,
enfim livre! (Ariel sai com um gesto de saudação)

 

EPÍLOGO

PRÓSPERO (ao público, enquanto todas as personagens surgem ao fundo):
– Terminou meu encantamento,
e minha força é quase nada,
é a força que a meu ser foi dada.
Eu perdoei ao traidor,
tenho de novo meu ducado.
E, já que me livrei da dor,
da magia estou desligado.
Quero ver todos animosos,
sem as artes encantatórias.
Do contrário terei remorsos
ao terminar a minha história,
se não tiver o seu perdão
bem do fundo do coração.
Se os senhores também desejam
ser perdoados dos pecados,
indulgentes comigo sejam,
e assim me sinto libertado.

END

 

Sobre a escolha e envio da peça

Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.

Enviamos o texto completo em PDF de uma peça gratuitamente, para escolas Waldorf e escolas públicas, assim como as respectivas partituras musicais, se houver. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça. Para outras instituições condições a combinar.

A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

 

Compartilhe esse post:
Facebook
Whatsapp
twitter
Email

Mais posts