March 30, 2018

At Everyone's Square

 

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peça de Heloisa Borges da Costa

baseada na peça “O Natal na Praça” de Henri Guéon
revisão e colaboração de Ruth Salles

NOTE

Esta peça resultou de uma transformação feita, pela professora Heloisa Borges da Costa, na peça “O Natal na praça” do autor francês Henri Ghéon.

Henri Guéon foi poeta, dramaturgo e crítico literário francês, amigo de André Gide e outros escritores. Sendo também médico, foi para o front na primeira Guerra Mundial, quando então se tornou fervorosamente religioso, converteu-se ao catolicismo e passou a escrever principalmente peças sobre histórias sacras. Morreu em Paris, ainda durante a ocupação nazista da Segunda Guerra Mundial, e não se tornou muito conhecido, dizem que devido ao aspecto religioso dado à sua obra literária.

A professora Heloísa contou com minha colaboração, e as mudanças feitas por ela, na peça de Henri Guéon, tinham como intenção servir, pedagogicamente, às necessidades de sua classe. Também contamos com as preciosas sugestões da diretora da peça, Claudia Apostolo e do artista Adriano Raphaelli.

Procuramos obter músicas ciganas, já que a peça trata de um grupo de ciganos que resolve representar o Natal na praça de um vilarejo.

Ruth Salles

 

CHARACTERS

Uma Companhia de atores ambulantes, de origem cigana, da qual fazem parte:

O velho MELQUIOR, que será o narrador.
A velha MOADEL, sua esposa, que será a Voz do anjo.
YORSCA, filho do casal e chefe da Companhia.
MENA, sua esposa, que será MARIA.
JOSAFÁ que será JOSÉ e par romântico de ADELAIDE.
JESABEL, mãe de Josafá, que será ISABEL, prima de Maria.
PEPE, neto de Melquior e Moadel, que será o ANJO.
ADA, que será TERESINHA, a vizinha, e uma das ciganas que leem as mãos.
ADINA, irmã de Ada, outra cigana a ler mãos.
NÁDIA, irmã de Ada e Adina, e que também lê mãos.
A MULHER PROMETIDA que fica escondida.ARGUS, menino cigano que será o PASTOR.

Habitantes do vilarejo onde os ciganos acamparam:

ADELAIDE, jovem que será par do cigano Josafá.
MÃE DE ADELAIDE que coloca a mantilha no coreto.
TRÊS CRIANÇAS: ANA, que será a PASTORA.
ARABELA, que será PASTORA.
GADIEL, que será PASTOR.
DODÓ, o maluquinho, que interfere no teatro e fala tudo rimado.
PASSARINHO, GORRIÓN, seu amigo inseparável, que carregará a
ESTRELA.

DELEGADO.
GUARDAS TONHO e NELO, admiradores de Adelaide.
O PÁROCO, que será o rei mago Gaspar.
O RABINO judeu que será o rei mago Melquior.
IBRAHIM, o ulemá muçulmano que será o rei mago Baltazar.
FIGURANTES: HABITANTES do vilarejo.
2 SEGURADORES do letreiro, que anunciam cada Ato.
BAILADORES

LOCAL: Praça de um vilarejo.

 

Passam os 2 carregadores do letreiro anunciando o

 

FIRST ACT

Scene 1

A PRAÇA É ENFEITADA

É noite. Na praça estão os ciganos e os habitantes do vilarejo. Veem-se o coreto e, a um canto, a carroça dos ciganos. A praça está sendo enfeitada para os festejos do NATAL.

(Adelaide e sua mãe se destacam dos que enfeitam a praça. A mãe raspa as mãos uma na outra, como quem termina uma tarefa.)

MÃE DE ADELAIDE: – Agora, sim! A praça está uma beleza, toda enfeitada para esperar o Natal! (dá uma reviravolta e põe a mantilha sobre o coreto, como a cobrir o lugar sagrado.)

ADELAIDE (está do outro lado ajeitando flores no coreto): – A praça está linda!

GUARDA TONHO: – Mais linda que a praça está você, minha flor! (dá uma flor pra ela.)

ADELAIDE (pimposa): – Grata, seu Tonho, é sempre bom um agrado… Eu fico até sem graça.

GUARDA NELO: – Ora essa, Adelaide! Sem graça por que?

GUARDA TONHO: – Ficou sem jeito por causa da flor que eu lhe dei!

GUARDA NELO (despeitado): – Certamente porque uma moça tão linda merece mais que uma flor… (ele lhe dá uma fita.)

GUARDA TONHO: – Qual dos dois presentes você achou mais bonito?

ADELAIDE (de olho nos ciganos): – Bonito… bonito mesmo é o baralho dos ciganos, isso sim!

DELEGADO: – Baralho dos ciganos? Você anda agora se metendo com os ciganos, é?

ADELAIDE: – Não estou me metendo nada, seu Delegado! Mas tenho dois olhos, e o que os olhos veem o coração sente, sim senhor!

GUARDA NELO: – Hum… essa Adelaide é uma flor…

GUARDA TONHO: – Rara, única e será minha!

(Passam as três crianças do vilarejo, Arabela, Ana e Gadiel.)

ARABELA: – Esta noite está escura demais, não está, Ana?

ANA: – É mesmo, Arabela, será que está para acontecer alguma coisa diferente?

GADIEL: – Se for acontecer não há nada a fazer. Só ficar esperando.

ARABELA: – É, Gadiel, quem sabe aparece um sinal?

ANA: – Quem lê os sinais são os ciganos, já ouvi cada história…

DODÓ (entra com chocalho, uma lanterna acesa e o flautim):
– Sinal?
Você viu, Arabela,
o sinal no céu?
Você viu, Ana?
Você viu, Gadiel?

OS TRÊS: – Não vimos nada, Dodó, tenha dó!

ARABELA: – Dodó, onde você arrumou esse flautim?

DODÓ:
– Caiu do céu,
foi presente de Papai Noel!

PASSARINHO (aparece): – Dodó, você viu meu flautim?

DODÓ (esconde o flautim atrás nas costas e propõe):
– Passarinho, quem sabe brincamos
de achar coisas que procuramos?

(Todos saem e fica só Dodó.)

– A procura, meus amigos
faz parte do caminho humano,
quem sabe o que nos traz esta noite
a visita do povo cigano?

(DODÓ pega a mantilha sorrateiramente.)

DODÓ:
– Vou levar comigo…
Esta noite está estranha,
se houver perigo,
o pano santo fica protegido.

 

scene 2

OS CIGANOS

(No canto do palco a Companhia de Ciganos está comendo em volta do lampião. Alguns habitantes do vilarejo a observam, Adelaide entre eles. Josafá vem de algum lugar, atravessa a vila e nota Adelaide. Yorsca volta-se na direção deles e da plateia.)

YORSCA: – Que raridade, hein? Gente comendo! Uma coisa realmente extraordinária! Nunca viram gente comendo? Estão com fome? Que vilarejo pra ter gente curiosa! Olhem só, olhem o grandão aí, com certeza come bastante! E a criancinha com os olhos remelentos… e a moça bonita na flor da idade, logo será vovó enrugadinha que só vendo! Todos fazem o quê? Assistem uma família comer. Não sabem como é? Sopa se come assim: primeiro, enfia-se a colher no prato; segundo, assopra-se porque graças a Deus está quente; aí, despeja-se o conteúdo goela abaixo, e então se recomeça o trabalho. Um, dois, três; três tempos, nem mais um só. Pegaram? Então podem ir embora, acabou o teatro. Boa noite!

MOADEL: – Você não muda, Yorsca, não toma jeito, um dia acaba no chão!

YORSCA: – Só por isso? Que nada! (fala com sua mulher): – Mena, querida, amanhã quero uma sopa melhor! Afinal, amanhã é noite de Natal! (passa o braço em volta de seu ombro)

MOADEL: – Você fala demais, meu filho.

MENA: – Não liga, não, dona Moadel. Eu já estou acostumada.

YORSCA: – Bom, é hora de arrumar uma galinha pra sopa de amanhã. O delegado está distraído vendo os guardas jogando cartas. A galinha pertence ao granjeiro, que nesta hora deve estar roncando. (ao público): – Minha boa gente… posso ficar sossegado, não é? Vocês não vão me denunciar… não é, grandão? Afinal estão felizes vendo ciganos comerem. E amanhã, para ter espetáculo, como fazemos todos os anos, é preciso ter sopa (faz como quem toma sopa). Um, dois, três. Um, dois, três e, para terminar, põe-se a tigela na boca (é o que ele faz). Bom, a moça bonita talvez não faça isso, talvez… Pronto, a cena acabou, voltem para suas casas e durmam bem (Vai buscar um banquinho no fundo). Vão de uma vez, acabou por hoje! Além disso, precisamos nos preparar para o Natal. Se pensam que somos pagãos, estão muito enganados. Para nós o Natal é sagrado!

MOADEL: – Não há dúvida!

MENA: – O Natal é sagrado!

YORSCA: – E há também outro dia do ano que comemoramos e vamos até em procissão! No verão, quando passamos por Santas Marias, em honra a Santa Sarah Kali, a padroeira dos ciganos.

MOADEL:
– Salve mi Santa Sarah, madre de todos los gitanos
de este mundo y de otros.
Yo rezo invocando tu poder,
mi poderosa Santa Sarah Kali,
para que prepares mi corazón
y retires toda la angustia que está en mi.
Santa Sarah, abre mis caminos
por la Fe que yo te tengo,
tu, que venciste el mal,
todas las tempestades
y caminaste junto ao Maestro,
Madre de todos los misterios gitanos.

TODOS OS CIGANOS: – Amém!

YORSCA: – Estão satisfeitos? Assistiram a reza do povo cigano. Não estava no programa. Vão embora agora, pois nossa noite é longa e quente. Se dançarmos e cantarmos, serei obrigado a passar o chapéu, pois espetáculo não é de graça, mesmo sendo na praça.

(Mena passa tirando os pratos e levando para a carroça e cochicha com a mulher prometida.)

MOADEL: – Cante para eles, Yorsca, assim ficam satisfeitos e vão embora.

YORSCA: – Se é preciso só isso para irem… Mas fiquem, talvez com a arrecadação possamos melhorar nossa ceia de Natal já que a galinha nos saiu de graça. Mas não tenho em meu repertório nenhuma canção de Natal. Nessa época não se pode cantar uma coisa qualquer. Vejamos… “A morte do guarda bêbado”… “A bela mulher do Pároco”… é, acho que não iam gostar de ouvir as minhas canções. Como é, meu pai, você canta?

MELQUIOR: – Se eu não tivesse tão pouca voz, bem que cantaria para eles a canção dos reis magos. Eles talvez não saibam que descendo de um dos três reis. Até puseram-me o nome dele, é uma prova! Melquior, sim senhores, Melquior. E, como herança, ganhei um livro deste tamanho (faz um gesto abrangendo o céu) onde meu antepassado previu tudo o que diz respeito à vinda do Messias Salvador. Recebi este legado e dedico todo o meu tempo a decifrar os mistérios do céu, de ontem, hoje e amanhã. Nas noites de serão, conto pra minha gente tudo o que aprendi. Ah, é bonito, é bonito!

MENA: – Cante a canção pra eles, meu sogro!

MOADEL: – Ele? Não vai dar conta!

MENA: – Então cantemos todos!

 

scene 3

A HISTÓRIA DE SANTA SARAH

(Os ciganos cantam e dançam a Sevillana, e o povoado se agita. Vem mais gente ver o que está acontecendo.)

DELEGADO (irrompe): – Ordem, ordem! Que arruaça é esta!

PÁROCO (interrompe tocando o sino): – Forasteiros, com certeza vocês não sabem o quanto esta noite é sagrada para nós. É de boa educação respeitar os costumes daqueles que lhes permitiram acampar aqui… temporariamente.

JOSAFÁ: – Nossa dança é sagrada, senhor Pároco, e celebramos todas as noites e não uma única apenas!

MELQUIOR (fala para os ciganos): – Calma, Josafá, que eu vou explicar a todos que nos denominam pagãos, que o Cristo deles vive em nossa alma festejado como um Sol nascente, uma verdade que os demais povos talvez desconheçam. Mas a história está escrita nestas páginas (mostra o céu)… e o destino reúne todos ao redor do mesmo acontecimento.

PÁROCO (sossegando o povo, que ficou alvoroçado): – Meus irmãos, somos todos cristãos, vamos ouvir o que essa gente tem a contar… afinal, ninguém deve ter julgamentos precipitados!

MELQUIOR: – Sim, todos se lembram de lá, em Santas Marias, em honra à Santa Sarah?

PÁROCO: – Santa Sarah?

MOADEL: – Sim, senhor Pároco, não conhece a história?

PÁROCO: – A escrava negra que serviu Madalena, quando foram jogados ao mar?!

MOADEL: – Sim, essa mesma escrava, negra, Sarah, e mais Maria Madalena, discípula do Senhor, Maria Jacobé, irmã da Virgem, e Maria Salomé, juntamente com José de Arimateia e Trofino, todos eles foram jogados ao mar, numa barca sem remos e sem provisões. Desesperadas, as três Marias puseram-se a chorar e a rezar. Sarah, a escrava negra, clamou ao Senhor, tirou o lenço da cabeça, chamou por Cristo Salvador e prometeu ali que, se todos se salvassem, ela se tornaria cristã e jamais andaria sem um lenço na cabeça em sinal de respeito. Milagrosamente, a barca sem rumo aportou em Petit-Rône, hoje Lei Santei-Marias-de-la-Mar, no sul da França.

PÁROCO: – É uma bela história!

MENA: – Que continua assim: foram todos acolhidos pelos cristãos do lugar, menos Sarah. Eles a abandonaram por ser escrava e negra. Um grupo de ciganos que ali acampava, penalizado, acolheu Sarah, que cumpriu sua promessa até o fim de seus dias.

JESABEL: – Contam ainda que ela operou milagres entre o povo romani, e por isso é cultuada como Santa e padroeira do povo cigano! E, para nunca ser esquecida, toda mulher cigana casada usa um lenço na cabeça, seu adorno mais precioso!

PÁROCO: – Bom, e o espetáculo, é para quando?

YORSCA: – Mais tarde, aqui em frente, na praça de toda gente!

(A maioria se afasta. Adelaide e Josafá se despedem com um aceno que é notado por Jesabel, que puxa Josafá com um safanão, e pela mãe de Adelaide, que dá as costas como que rejeitando os ciganos. Os ciganos se acomodam e se movimentam em seu canto.)

 

 

scene 4

A MULHER PROMETIDA

JOSAFÁ (encantado com Adelaide): – Minha mãe, olhe ali aquela moça do vilarejo, que bonita ela é!

JESABEL: – Ora, fique quieto, JOSAFÁ, venga, temos muito que fazer. Vamos, concentre-se, além do mais, ela não é uma cigana. Ela é uma gadja!

JOSAFÁ: – Minha mãe, ela não é cigana no sangue, mas sua alma certamente é!

JESABEL: – Meu filho, afaste-se dela antes que seu coração se enrede e a trama do destino não se possa cumprir! (a mulher prometida espia entreabrindo a cortina da carroça)

JOSAFÁ: – Ah, mas que coisa! Estou cansado dessa história de destino. Quando poderei escolher… quando é que essa vida termina?

JESABEL: – Quando a gente morrer, Josafá.

JOSAFÁ: – Não é isso que eu quis dizer, minha mãe. Eu quis dizer quando a vida vai acabar sem acabar, quando os povos vão se encontrar sem que um ache o outro um estranho?

JESABEL: – Chega de devaneios. Você é um cigano, e seu lugar é junto ao seu povo.

JOSAFÁ: – Eu sei, eu sei. Nós somos ciganos e continuamos ciganos, mas quando lembraremos que, antes disso, somos todos humanos?

JESABEL: – Os antigos disseram…

JOSAFÁ: – Não me importa.

JESABEL (inspirada): – A loba uivou três vezes, a coruja piou três vezes, a cobra silvou três vezes…

(As crianças se assustam.)

JOSAFÁ: – Chega, chega. (Faz menção de sair, mas ainda sussurra): – Mas, eu quero viver o que sinto. E esperar que ela me aceite, que ela esteja em meu destino.

JESABEL: – Seu destino está ali (aponta a mulher prometida). Vamos, os outros nos esperam. Temos muito que fazer, ocupe sua mente e suas mãos e aquiete seu coração. (juntam-se aos outros)

 

scene 5

A ENCENAÇÃO

(Ciganos na praça se arrumando.)

YORSCA: – Então, atenção! Todos tratem de falar do jeito que eu já ensinei da outra vez, com naturalidade, sendo temperados nos gestos. Nada de exagerar sua personagem. Evitem isso. Também não é preciso ser mole demais; acomodem o gesto às palavras e as palavras ao gesto, pois a finalidade da representação é espelhar, é refletir a verdadeira natureza da personagem. Não se pode imitar a humanidade rugindo, se pavoneando e cortando o ar com espadas imaginárias!

JOSAFÁ: – Pode deixar, senhor. Nossos ensaios não foram em vão. Cada um vai se concentrar em ser sua personagem, e hoje nesta praça, todos verão a força e a magia do povo cigano!

YORSCA: – Venham, aproximem-se, o espetáculo vai começar!

(Entram as quiromantes e dançam; o povo se aproxima. ADA, ADINA, NÁDIA, MOADEL, JESABEL simulam leitura enquanto pessoas sentam. Em seguida elas saem.)

YORSCA: – Pois bem, vamos lá, todos em cena! Quem vai representar Maria?

MENA (sonhadora): – Ah… eu gostaria tanto de ser Maria…

YORSCA (ao povo do vilarejo e à plateia): – Calma aí! Não gritem todos ao mesmo tempo, vou ficar surdo! Todos poderão participar! Pepe, meu filho! Acorde e acenda os candeeiros! O espetáculo vai começar! Vamos à coleta!! Abram as carteiras, desatem as sacolas, virem os bolsos! Estão acostumados a contribuir, não? Vou começar pela coleta!

MOADEL: – Yorsca, Yorsca, deixe a coleta para depois! Quem quiser dar, dará depois o que puder. Se você faz isso pelo lucro, meu filho, a galinha não será perdoada e teremos que devolvê-la.

YORSCA: – Devolvê-la? Isso nunca! Quem já viu sopa de Natal sem galinha! Vamos lá, minha gente, pela glória! Mãe, abençoe a todos nós!

MOADEL: – Pela glória de Deus, meu filho! (murmura sua prece)
Que Santa Sarah nos abençoe! (sinal de abençoar com as mãos)

MELQUIOR: – Argus, toque el cajón! Já que temos que representar, mais vale que todos aproveitem! (Argus toca o cajón.)

YORSCA: – Que devo anunciar?

MELQUIOR: – “A Vinda do Messias”.

YORSCA (para todos): – Silêncio, minha boa gente, ainda há pouco vocês eram dez, agora já são vinte, trinta. Daqui a pouco serão cem! A lua brilha, faz um calor desgraçado e os nossos corações estão quentes, e os seus também logo estarão. A chama do fogo celeste irá descer… a chama do amor vai nos aquecer. Vamos representar diante de vocês, de modo tão claro quanto possível, “A Vinda do Messias”, uma das obras primas do rei mago Melquior, que veio a nós graças ao seu tataraneto, meu pai! Vamos começar logo, é só acender os candeeiros!

(Josafá se destaca acendendo os candeeiros junto a Pepe, aproxima-se de Adelaide que está encantada. Começam os preparativos… A Companhia se veste na frente do público.)

PÁROCO (vendo o Rabino, que aparece, fala com ele): – Ai, senhor Rabino, que será que esses ciganos vão aprontar?

RABINO: – Ouvir dizer que vão encenar alguma coisa.

PÁROCO: – Tenha piedade deles, Senhor! (ergue as mãos juntas como se implorasse) Ai!… Crendospadre!! Um teatro de ciganos, na véspera de Natal!

RABINO (puxa Gadiel): – Que está acontecendo, menino?

GADIEL: – Eles vão representar! E disseram que podemos participar!

ANA: – Eu também quero! Eu também quero!

ARABELA: – Quieta, Ana! Se alguém pedir, você vai. Espere um pouco.

ADELAIDE: – Ai que coisa maravilhosa, não posso perder isso por nada!

(Enquanto é tocada uma música alegre no fundo, no palco trazem um banco para Melquior e um para Moadel. Mena põe o manto de Maria, e cada um se fantasia de seu personagem. Yorsca faz sinal para a música parar.)

MELQUIOR (levanta-se e lê no céu): – Naquele tempo, os povos viviam esperando o milagre. Desde séculos e séculos, os profetas haviam anunciado que um rei todo poderoso seria mandado por Deus para salvá-los, aliviar seu fardo, enxugar suas lágrimas.

DODÓ (se levanta):
– O milagre veio, foi confirmado,
mesmo que muitos não tenham acreditado!

TODOS: – Quieto Dodó, tenha dó!

O RABINO (sonhador): – Os profetas anunciavam o Messias…

SECOND ACT

Scene 1

MARIA E A VIZINHA

MELQUIOR: – Todas as manhãs e todas as noites, os sábios observavam o horizonte, o céu, o mar, para ver se, por acaso, esse rei não iria entrar pela porta do sol nascente, na carruagem da aurora, ou aparecer numa nuvem e descer como uma ave. Mas nada acontecia, e eles esperavam. Quem esperava melhor que todos era uma jovem chamada Maria. Ficava o dia inteiro esperando em seu jardim e nunca desanimava.

(Entra Mena no papel de Maria, olhando as flores e senta-se para fazer um buquê. Entra Ada no papel de Teresinha, a vizinha. O povo permanece em cena, assistindo.)

TERESINHA [Ada]: – Bom dia, vizinha Maria!

MARIA [Mena]: – Bom dia, vizinha Teresinha!

TERESINHA: – Que está fazendo, Maria?

MARIA: – Estou aqui olhando as flores.

TERESINHA: – Isso eu estou vendo; alguma novidade?

MARIA: – Não que eu saiba.

TERESINHA: – Como vai passando José?

MARIA: – Muito bem, está no trabalho.

TERESINHA: – E pra quando é o casamento?

MARIA: – Ainda não marcamos a data, mas é para breve.

TERESINHA: – Ele não visita a senhora muito frequentemente, não é?

MARIA: – Vem, sim, quando pode.

TERESINHA: – Bem, acho que é típico de homem mais velho, que perdeu o frescor da juventude, pensar só em trabalho… A senhora deve estar impaciente…

MARIA: – Não, eu estou bem, aprendi a ter paciência. E ele é um bom homem, tem bom coração.

TERESINHA: – Paciência, sei… mas e o frescor da juventude…

MARIA: – Saber onde é o nosso lugar é um verdadeiro bem, e aprender a entender os desígnios de Deus.

TERESINHA: – E Matusalém…

MARIA: – Não conheço.

TERESINHA: – Então não conhece Matusalém? Dizem que quer tornar a casar-se… naquela idade! E adivinha com quem? Com Débora!

MARIA: – Sei…

TERESINHA: – Isso não mexe com a senhora, não lhe dá frio nem calor???

MARIA: – Não conheço nem um nem outro. E, além disso, isso não nos diz respeito, cada qual segue seu caminho!

TERESINHA (perdendo a paciência): – Está bem, vizinha Maria, boa noite. Com a senhora não se pode conversar. Não se interessa por nada, não conta nada!

MARIA: – Ao contrário, interesso-me mais ou menos por tudo, mas principalmente…

TERESINHA: – Mas principalmente pelo quê?

MARIA: – Não posso dizer…, não, não posso dizer. A senhora não se interessaria… A senhora zombaria de mim. Eu…, eu espero.

TERESINHA: – Espera o quê?

MARIA (se levanta): – Aquele que o mundo espera há séculos!

TERESINHA: – Ah, deve ser o tal de Messias.

MARIA: – Não se deve brincar com isso, vizinha Teresinha. A senhora não ouviu dizer nada, por acaso?

TERESINHA: – Do Messias? Nada. Absolutamente nada! Mas, se é Ele que a senhora espera, é bom esperar sentada. Acho que a senhora não vai vê-lo tão cedo, nem eu, nem ele, nem ela, nem ninguém.

MARIA: – A senhora não acredita nele?

TERESINHA: – Acreditar acredito, mas como não posso fazer nada a respeito, preocupo-me bem pouco, aliás o menos possível. Boa noite, vizinha Maria.

MARIA: – Boa noite, vizinha Teresinha.

TERESINHA (sai de queixo erguido): – O Messias, ora! O Messias…

(Maria fica sozinha em cena, no meio do jardim, colhe algumas flores.)

 

scene 2

A ANUNCIAÇÃO

MELQUIOR (lendo no céu): – Foi então que o anjo se apresentou.

(O anjo é Pepe. Ele avança em cena, fala com o público e vem trazendo um cesto de flores e um flautim.)

ANJO [Pepe]: – Estou um pouco nervoso. É a emoção. Meu coração está batendo como o de um passarinho, aos pulinhos, como o da pombinha que está em meu cesto (acaricia a pombinha imaginária). É a primeira vez que me encarregam de uma missão como esta. Ser o Anjo Gabriel, mensageiro de Deus. Que tarefa! Mas o Pai Celeste é mais sabido que eu, o caso é com ele. O lírio cheira bem. Ali está ela, à espera. Acha o mundo tão bonito, nem imagina que vai ser mãe do Salvador, ela acha que não tem valor, mas foi a escolhida, então… Devo avisá-la da minha presença ou me apresentar de surpresa? Eu podia puxar um pigarro… hum, acho que não fica bem anjo puxar pigarro. Já sei. Vou me pôr debaixo do lírio, tocar meu flautim e esperar que ela me veja. (Ele se põe ali e toca o flautim.)

MARIA: – Que música bonita! Que perfume! Que luz!

ANJO (saudando-a): – Ave, Maria, cheia de graça…

(MARIA faz 7 gestos.)

ANJO: – O Senhor é convosco!

(MARIA faz 7 gestos.)

ANJO: – Bendita sois vós entre as mulheres.

(MARIA faz 7 gestos.)

VOZ DO ANJO [Moadel] (enquanto há movimentos de euritmia): – Conceberás em teu ventre… terás um filho, Maria, um filho varão. E lhe darás o nome de Jesus! Ele será grande! Será chamado “Filho do Altíssimo”. O Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Reinará eternamente na casa de Jacó, e seu reino não terá fim!

(O povo que assiste se ajoelha em sinal de respeito.)

(MARIA faz 7 gestos.)

VOZ DO ANJO (Pepe põe a pombinha imaginária acima da cabeça de Maria): – O Espírito Santo descerá sobre ti, e o santo que nascer de ti será chamado Filho de Deus. Também Isabel, tua prima, concebeu um filho, se bem que já esteja com muita idade. Nada é impossível para Deus Pai.

MARIA: – Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim a Sua vontade!

ANJO [Pepe]: – Deus te bendiga! (deposita o cesto)

(Cai uma chuva de rosas e lírios brancos do teto, e toca uma música. Maria colhe as flores e sai de cena.)

(Canto de exaltação à Maria. [“Mamãe Oxum”, Zeca Baleiro])

TODOS OS CIGANOS CANTAM:
“Eu vi Mamãe Oxum na cachoeira
Sentada na beira do rio,
colhendo lírio liroê
colhendo lírio liroá
colhendo o lírio pra enfeitar o seu gongá.
Colhendo lírio liroê
colhendo lírio liroá
colhendo o lírio pra enfeitar o seu gongá.

ANA: – Parece um sonho!

ARABELA: – Parece coisa sagrada!

GADIEL: – Vou ficar acordado, não vou perder isto por nada! Será isso que a noite escura nos reserva?

YORSCA (encerrando essa fase da encenação): – Bravo, bravo, muito bem! Saíram-se bem.

(Descem à plateia as ciganas Ada, Adina, Nádia, Moadel e Jesabel para ler as mãos.)

RABINO (ao Pároco): – Senhor, olhe só!

O PÁROCO: – Ah, isso não, minhas filhas, isso não! (implora a Deus de mãos postas): – Vassuncristo! (ele e o Rabino conversam algo ininteligível)

RABINO: – Predizer o futuro compete aos profetas!

(música tema das quiromantes)

ADA (na plateia):
– Meu filho, trabalhe duro,
que leio em sua mão um bom futuro.

ADINA (na plateia):
– Moça, tenha o coração bem desperto,
porque seu príncipe encantado está chegando perto.

NÁDIA (na plateia):
– Seja sério e alegre em sua vida,
e verá chegar a pessoa querida!

MOADEL (com o povo do vilarejo):
– Uma lágrima escorrida,
parecendo um mar de sal…
Chorar faz parte da vida.
Haverá um bom final.

JESABEL (lê a mão de Adelaide e fica surpresa):
– Um amor proibido está bem perto…
mas traz com ele algo incerto.
Filha, só se o amor for mesmo de verdade,
será portador de felicidade!

scene 3

A VISITAÇÃO

(Os ciganos estão trocando de roupa e se preparando para recomeçar.)

YORSCA (para o público): – Vamos recomeçar, todos para seus lugares, depressinha! Trouxeram banquinho, almofada, muito bom! Você, ali no canto, quer fazer o favor de se comportar? Um pouco de dignidade, gente! É disso que estou falando. Josafá vai fazer o papel de José, que era um homem digno e bom! Prontos?

(Adelaide se apruma e ensaia ajudá-lo a se vestir, e é imediatamente rechaçada por Jesabel.)

MELQUIOR (lendo no céu): – Ora, o anjo apareceu em sonho a José e lhe disse: “José, tome Maria como esposa. Ela será mãe do Messias, o Salvador, e você será seu pai adotivo. É um belo título e uma bonita missão, e você deve se alegrar.” (José toma as mãos de Maria e a leva com ele) Algum tempo depois, Maria subiu o morro para visitar a prima Isabel que, apesar da idade avançada, esperava um filho, que seria João, o profeta, aquele que deveria batizar na água!

ISABEL [Jesabel]: – Estou muito velha para esperar um filho. Está sossegada a minha criança, enquanto aguarda a hora de pular no mundo. Será que viverá, sendo filho de dois velhos? Às vezes começo a duvidar. Não tenho razão para isso, mas o que se passa é extraordinário… Há também Maria, minha prima… Quanta coisa estranha… Que lhe terá acontecido?

MARIA (acabou de subir o morro): – Que estranho… Subi esse morro alto e nem estou cansada… Eu diria que não sou eu quem carrega a criança, é ela que me carrega. Sinto-me leve como um passarinho!

ADELAIDE (à parte, romântica): – Ah, por que o José não veio com Maria?

(O povo faz “chiuuuu” para Adelaide ficar quieta.)

MARIA (vendo Isabel): – Ah, Isabel, bom dia! Vim te fazer uma surpresa. Como estás passando?

ISABEL: – És tu, Maria? Tu és bendita entre as mulheres, entre todas as mulheres!

MARIA: – Quem te contou, Isabel?

PEPE (à parte, para a plateia): – Fui eu!…

ISABEL: – Quando me disseste “bom dia”, imediatamente senti meu corpo estremecer de alegria, e meu filhinho mexeu-se. Eu saúdo o meu Senhor, o meu Senhor veio me visitar!

MARIA (ajoelha-se): – A minha alma glorifica o Senhor e meu espírito se alegra em Deus meu Salvador…

ISABEL: – Mas deves descansar agora, Maria. Vem, vou te mostrar o teu quarto, o mais bonito da casa, tem até cortinado no leito! (Elas vão para trás do coreto)

 

ENTREATO

Entra o muçulmano Ibrahim e olha espantado para todos os lados.

O PÁROCO (cumprimentando-o): – Oh, senhor Ibrahim, o senhor também tem filhos por aqui?
IBRAHIM (afobadinho): – Por toda parte! Por toda parte!
RABINO: – Mesmo ciganos?
IBRAHIM: – Os ciganos também vêm de toda parte, de toda parte!
O PÁROCO (conciliando os dois): – Afinal todos descendem de Abraão: o povo cristão, o povo do senhor Rabino e o povo do senhor Ibrahim!
IBRAHIM: – Pois sim! Pois sim! Somos muçulmanos ismaelitas, descendentes de Ismael, o filho de Abraão com sua serva Agar.
O RABINO: – E meu povo descende de Isaac, filho de Abraão com sua mulher Sara.
O PÁROCO: – E o Menino Jesus descende de Davi, que descende de Abraão também.
O RABINO: – É, senhor Ibrahim, vai ver que seu nome é até uma mudança do nome Abraão.
IBRAHIM: – É sim, é sim! Abraão, Ibrahim! (os três rindo, batem palmas.)
O PÁROCO: – Então, vamos continuar assistindo o que fazem esses ciganos desmiolados!
IBRAHIM: – Nem tanto, nem tanto! Eu sou um ulemá, e sei dessas coisas. Eles falam de um profeta!
O RABINO: – Grande profeta!
O PÁROCO (à parte, abrindo os braços, paciente): – Deus fez cada povo pensando de um jeito…

 

scene 4

O NASCIMENTO

YORSCA: – É hora de passar a estrela, não temos uma estrela? Pelo Senhor, quem vai ser a estrela? (Olha a Companhia, estão todos ocupados se vestindo e se ajeitando. Então olha para Passarinho, que está assistindo a peça e diz:)

Yorsca: – Você, Gorreón, que já vive voando no céu, conhece bem essas alturas, você vai ser a estrela!

PASSARINHO: – Eeeu?

YORSCA: – Venga, Gorrión!

(Argus se veste de pastor e chama Ana para se vestir também de pastora. Ana aceita, toda animada e chama Arabela e Gadiel. Adelaide se veste de pastora chamada por Josafá, bem enfeitada, mas falta um lenço, e então Dodó corre a pegar a mantilha e a entrega a Josafá, pois este quer vestir Adelaide.)

MELQUIOR (fala e depois lê no céu): – Continuando, minha gente: Maria ficou três meses em casa de Isabel, sua parenta. João Batista nasceu quando ela já não estava lá. Ora, chegou o tempo do recenseamento, e todos os habitantes do império romano precisariam se registrar, mas cada qual em sua cidade de origem. Visto que pertenciam à família de Davi, foi para Belém que Maria e José viajaram.

YORSCA: – Está pronto o estábulo, podemos continuar?

ARGUS (pela fresta das faixas que cobrem agora o coreto): – Não… ainda não… esperem! Um minuto só! Pronto! Vamos logo… ai, não empurra!

YORSCA: – Mas o que está acontecendo?

ADINA (pela fresta): – Yago não quer fazer o papel de Menino Jesus!

YORSCA: – Então pega o Nikolay.

ADINA (pela fresta): – Meteu o rosto na graxa, tá todo preto!

DODÓ:
– Tanto melhor!
Quem é que está à altura de representar o Salvador?
Deixa assim, só na imaginação, só no amor!

YORSCA: – Meus senhores e minhas senhoras, queiram nos desculpar, hoje teremos Jesus só em nossos corações. (para a Companhia): – Estão prontos?

MELQUIOR: – Pois então, Maria e José seguiram caminho, e a noite fria e escura chegou. Não tendo onde alojar-se, encontram uma estrebaria, e lá o milagre aconteceu !

(Passa a estrela e se monta a cena do nascimento.)

MELQUIOR: – E assim, enquanto na palha repousava a criancinha santa, nos campos repousavam os pastores, que ouviram em sonho a boa nova da chegada do menino Deus.

(Aqui, monta-se o quadro com os pastores Argus, Adina, Nádia, Adelaide com a mantilha, e Ana, Arabela e Gadiel. A música é interrompida pelo delegado.)

scene 5

O SUMIÇO DA MANTILHA

DELEGADO (à parte): – Adelaide, onde você arrumou essa mantilha?

ADELAIDE (inocente responde): – Josafá me deu. É linda, não é?

DELEGADO: – Então você não está reconhecendo a mantilha que foi roubada do Coreto?

ADELAIDE: – Não foi isso não, senhor delegado, deve haver algum engano!

DELEGADO: – Por enquanto! Mas deixa acabar essa palhaçada, e então verificarei a ocorrência.

(O delegado sai de cena, e Adelaide vai ao encontro de Josafá.)

ADELAIDE: – Josafá!

JOSAFÁ: – Sim, Adelaide.

ADELAIDE: – Preciso lhe dizer uma coisa…

JOSAFÁ: – Eu também…

ADELAIDE: – Mas… me ouça primeiro. De onde vem esta mantilha?

JOSAFÁ: – Foi o menino… o malu…

ADELAIDE: – …O Dodó?

JOSAFÁ: – Isso mesmo, ele me deu a mantilha, e eu achei tão bonita que pensei em dá-la a você!

ADELAIDE: – Então não foi um roubo…você…

JOSAFA: – Não, não sou ladrão!

ADELAIDE: – Eu não quis dizer isso.

JOSAFÁ: – Só porque sou cigano? (estranhamento) Pensei que você fosse diferente!

ADELAIDE: – Josafá! Mas o Delegado…

(Josafá se afasta.)

ADELAIDE (corre atrás de Josafá): – Josafá, eu preciso lhe dizer, o delegado virá atrás de você!

JOSAFÁ: – E por que você se importa? Eu não sou um ladrão?

ADELAIDE: – Mas eu não disse isso! Eu estou do lado da verdade, eu estou com você!

JOSAFÁ: – Bendita seja santa Sarah, quando eu temia o pior, o destino vem e muda minha sorte. Suas palavras aliviam meu coração, não poderia tolerar tal golpe vindo de você.

ADELAIDE: – Não se golpeia a quem se quer bem. (abraço)

JOSAFÁ: – Mas o delegado não é o nosso único problema…

ADELAIDE: – Você está falando de seu povo me aceitar ou não? Do preconceito?

JOSAFÁ (fica calado e depois diz): – Também, mas escute, contra tudo isso estou disposto a lutar… Faremos nosso futuro a partir de nossas escolhas, mas preciso que você saiba de uma coisa. Eu tenho uma noiva a mim prometida, que espera reclusa pelo dia de nossas bodas.

ADELAIDE: – Como? Onde ela está?

JOSAFÁ: – Aqui mesmo no acampamento.

ADELAIDE: – Uma mulher prometida… reclusa… (fica insegura)

JOSAFÁ: – Foi preciso que ela ficasse reclusa porque, assim como eu, ela quer ser dona de seu destino. (ele faz um gesto de cobrir a cabeça de Adelaide com um lenço cigano) Você será minha mulher! Fuja comigo! Encontre-me ali no…

MÃE DE ADELAIDE (chama em voz alta): – Adelaide!!!

(Adelaide e Josafá se despedem. Adelaide procura com os olhos Dodó e lhe passa a mantilha.)

ADELAIDE (A Dodó): – Ponha de novo a mantilha no coreto, Dodó!

(Tema das quiromantes. Nova descida das quiromantes ao palco e novos gestos do pároco.)

ADA:
– Tenha sempre uma atitude positiva,
pois leio em sua mão uma luz bem viva!

ADINA:
– A lua é inconstante,
muda muito de semblante.
Lua nova ou lua cheia
nos alegra e presenteia.

NÁDIA:
– Ouça a voz do coração, ele aconselha certo.
E a felicidade já brilha bem perto!

MOADEL:
– O que não entendes, é bom não criticar.
Quem pensa que vai ensinar
não deve esquecer
que tem muito a aprender.

Passam os dois letreiros anunciando o Terceiro Ato

 

TERCEIRO ATO

Scene 1

A VISITA DOS TRÊS REIS MAGOS

(Os velhos Melquior e Moadel estão sentados no banquinho, e a Companhia está calmamente ajeitando as roupas e o cenário.)

MELQUIOR (levanta-se e lê no céu): – É chegada a hora de contar a vocês sobre os reis, quando meu tataravô, o rei Melquior e os outros dois, Gaspar e Baltazar, sábios magos, receberam o sinal da estrela anunciando a chegada do Messias. Três Reis… Cada um vindo de um lugar, de um povo, de uma história.

(O velho Melquior indica as posições, onde deverão estar os três e convida o Rabino, o Pároco e o Ulemá para serem os Reis.)
MELQUIOR: – Os senhores, como exemplos tão dignos das linhagens de Abraão, poderiam nos dar a honra de representar os reis da sabedoria em nosso teatro cigano?
PÁROCO: – Ser rei? Seria importante demais para um simples pároco de aldeia…
IBRAHIM: – Acho que devemos ajudá-los. Eles falam do nascimento de um grande profeta.
RABINO: – Sejamos humildes! Eles estão pedindo com tanto respeito…
(Os três concordam com a cabeça. Melodia tema dos reis magos ao fundo, e acontece a transformação dos três.)
MELQUIOR [o cigano]:
– Ó de casa nobre gente,
escutai e ouvireis,
lá das bandas do Oriente
são chegados os três reis.

MELQUIOR [rei]:
– Porque os astros estudamos,
uma estrela acompanhamos.

GASPAR:
– Se nós somos diferentes,
já diremos porque é.

BALTAZAR:
– É que somos descendentes
dos três filhos de Noé:
Cam, Sem e Jafé.

MELCHIOR:
– Venho de Ur, na Caldeia,
e meu sangue é de Jafé.
Sou o branco Melquior! (cumprimenta curvando-se)

GASPAR:
– Do filho Sem eu provenho.
Lá das Índias é que eu venho.
Sou o moreno Gaspar! (cumprimenta curvando-se)

BALTAZAR:
– Dos filhos de Cam nasci.
Da África eu vim aqui.
Sou o negro Baltazar! (cumprimenta curvando-se)

(Os Reis se aproximam do presépio. Todos começam a cantar a canção do argentino Ariel Ramirez.)
ALL (sing):
“Chegaram já os reis, e eram três:
Melquior, Gaspar e o negro Baltazar.
E uva e mel lhe vêm trazer
e um poncho branco de alpaca real.

Pode a meninada descansar,
que já Melquior, Gaspar e Baltazar
todos os presentes deixarão,
para amanhã brincar ao acordar.

Menino Deus tão bem agradeceu,
comeu o mel, no poncho se envolveu.
E foi depois que os olhou,
e à meia-noite o sol rebrilhou.”

“Llegaron ya, los reyes y eran tres:
Melchor, Gaspar y el negro Baltazar.
Arrope y miel le llevarán
y un poncho blanco de alpaca real.

Changos y chinitas duérmanse,
que ya Melchor, Gaspar y Baltazar
todos los regalos dejarán,
para jugar mañana al despertar

 

El niño Dios muy bien lo agradeció.
Comió la miel y el poncho lo abrigo.
Y fue después que sonrió,
y a medianoche el sol relumbró.”

(Os reis oferecem seus presentes ao Menino Jesus.)

BALTAZAR (ao Menino): – Em memória de nossos antepassados, nós te oferecemos nosso coração. Com o ouro da fé, o incenso da esperança e a mirra do amor nós te louvamos! (optativo)
MELQUIOR (pega uma taça, toca com os lábios a mão de Maria e se ajoelha): – Até o dia de hoje, somente reis beberam deste cálice. Agora ele pode ser inundado pela luz desta criança. Recebe este cálice de ouro, Criança divina!
GASPAR (aproxima-se, dá um leve empurrão em Melquior e se ajoelha): – Criança divina, eu te trago incenso, aquele incenso que no alto da montanha era aceso e abria os caminhos para o céu. Abre para nós, ó Filhinho, um novo caminho!
BALTAZAR (ajoelha-se): – Criança da estrela, de mim, como oferenda, recebe esta plantinha, mirra é o seu nome! Sob teu signo, a seiva da vida vai sempre fluir de novo!

 

scene 2

O SENHOR DELEGADO

DELEGADO (entra raivoso e interrompe a cena): – Vamos acabar com isso!

ARGUS: – Calma, senhor, a encenação não terminou!

DELEGADO: – Chega! Não vou tolerar delitos no meu vilarejo!

YORSCA: – A que se refere, delegado?

DELEGADO: – SENHOR DELEGADO, faça o favor! Eu sou a autoridade deste lugar, responsável pela ordem. Onde está a mantilha que aquele de nome Josafá roubou do coreto da praça?

MOADEL: – Senhor, vamos esclarecer as coisas!

DELEGADO: – Esclarecer e ver qual a devida punição.
– Guardas, tragam o cigano e Adelaide, ela é a testemunha…

YORSCA: – Não é preciso. Chamem Josafá. Vá, Argus! (Argus sai)

JESABEL: – Ah, eu sabia, essa gadja…

MENA: – Calma, senhora.

ARGUS (voltando): – Eu não o encontrei… nem Adelaide.

DELEGADO: – Viu o que eu disse? Fugiu o ladrão e ainda levou a testemunha. Guardas, vamos, temos trabalho a fazer. (saem)

JESABEL: – Por Santa Sarah, Yorsca! Vamos, ajude Josafá!

(Ciganos saem também.)

DODÓ (sozinho em cena):
– Longe eles não devem estar,
soube que no remanso iam pernoitar.
E a mantilha, esqueci de entregar ao delegado!
Acho que ele vai ficar zangado…

(Agitação em cena; as três ciganas fofocam. Josafá, descansando, sonha com Adelaide e a prometida dançando, e quando, no sonho, vai pegar das mãos de Adelaide a mantilha, acorda com o delegado puxando-o.)

DELEGADO: – Pensou que escaparia?? Guardas!!!!!!!!!!

(Entram os ciganos reclamando, alvoroço geral. Entra Dodó com a mantilha. Dodó canta e vai devolvendo as coisas que ele tirou de todos.)

DODÓ:
“Cada coisa tem seu lugar
Cada lugar tem sua coisa.”
Quem sabe brincamos
de achar coisas que procuramos!

DELEGADO: – Ah, então essa mantilha estava aí, é? Com você, Dodó? Bem, o Dodó… (põe o dedo na testa). Está certo, cigano Josafá! Desta vez você está livre. Chega de confusão por esta noite!

(Todos saem, e ficam Dodó e Josafá.)

DODÓ: – E Adelaide onde está, você não vai procurar??

 

scene 3

O CASAMENTO CIGANO

(Movimento na praça. Adelaide passa atrás da carroça.)

YORSCA: – E agora, Jesabel, que fazemos? A peça foi interrompida…

JESABEL: – Porque não aproveitamos a festa e realizamos as bodas?

YORSCA: – Ótima ideia, preparem tudo, a noite só está começando!

(Começam os preparativos, e as três ciganas tentam entrar na carroça com o vestido de noiva na mão para ajudar a mulher prometida, mas só se vê a mão dela que puxa o vestido para dentro.)

ADINA: – É orgulhosa mesmo!

NÁDIA: – Não aceitava o casamento e vai aceitar nossa ajuda?

ADA: – Deixe-a! Vamos nos preparar, a noite é de festa!

(Casamento. Todos na praça. A noiva chega coberta com um véu. Josafá olha em volta procurando Adelaide, mas por fim se conforma, e os noivos tomam posição diante do ancião dos ciganos, Melquior.)

MELQUIOR: – Eu testemunho que estou presente neste casamento. A palavra casar quer dizer combinar. Se os noivos combinam em gênio e alma, estarão sempre unidos. Que cada um cuide bem do outro e que assim seja. Portanto, ajudo a realizar este casamento na forma da tradição do povo cigano.

(Neste momento, Melquior faz de conta que corta de leve um pulso do noivo e um pulso da noiva com uma faquinha, depois junta um no outro para que o sangue dos dois se una.)

MELQUIOR: – Com a união do sangue de um e de outro, os noivos estão agora unidos em nome de Cristo!

(Palmas dos ciganos, gritos de “Brau!” Podem aqui todos cantar um canto cigano e, por incrível que pareça, a melodia é de “Besame mucho”.)

CIGANOS (cantam):
“Tchumiden,
tchumiden mabut,
sarsas katchiariat e primero data.
Tchumiden,
tchumiden mabut,
sorsas me sarasadento ek data.”

(Há uma dança e, num passo da dança, a noiva deixa cair o véu. Espanto geral. É Adelaide que se casou. Josafá retira o lenço do bolso e põe sobre a cabeça dela, amarrando-o como a confirmar sua promessa. O vulto da mulher prometida é visto indo em direção ao vilarejo.)

YORSCA: – Pois é, público presente!
Este ano tudo saiu diferente…
Mas é porque foi na praça de toda gente.

END

 

Sobre a escolha e o envio da peça

Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.

Enviamos o texto completo em PDF de uma peça gratuitamente, para escolas Waldorf e escolas públicas, assim como as respectivas partituras musicais, se houver. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça. Para outras instituições condições a combinar.

A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

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