March 30, 2018

Peer Gynt

 

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peça de Henrik Ibsen

Pequeno arranjo de Ruth Salles
sobre a adaptação do original feita para o Colégio Micael,
por:
Ana Cândida M. Zaeslin,
Roberto Mello da Costa Pinto,
Marilda Alface,
Riva Liberman,
Sueli Passerini.

NOTA SOBRE HENRIK IBSEN E SOBRE PEER GYNT

Henrik Ibsen, poeta e dramaturgo norueguês, nasceu em Skien em 1828 e morreu em Christiania (hoje Oslo) em 1906. Foi autor de dramas notáveis, como Casa de Bonecas, Brand e outros. Seu poema dramático Peer Gynt, embora escrito originalmente apenas para ser lido, tornou-se um sucesso teatral tanto na Noruega como em outros países, depois da inclusão da música de Eduard Grieg na peça.

Peer Gynt trata do caminho do ser humano da juventude até a velhice e da luta da alma entre os impulsos instintivos e a auto-consciência. Esse drama demonstra que mesmo um pecador, através do arrependimento sincero, pode alcançar o perdão de Deus. Peer tenta encontrar a si mesmo, e seus conflitos interiores o levam a aventuras fantásticas. Duas mulheres o amam e amparam: sua mãe Aase – para quem ele é sempre uma criança – e Solveig, que vai viver com Peer, o qual fora banido da sociedade. Peer foge e, depois de uma longa vida de experiências de cunho instintivo, alcança por fim a auto-consciência e volta para Solveig, que é fiel em sua espera porque o compreende profundamente e enxerga sua bondade inata. Assim, as orações de Solveig o livram de seus pecados, e ele renasce espiritualmente. A Mulher de Verde, os Trolls e Anitra representam instintos e desejos. A auto-reflexão de Peer ao descascar a cebola e a explosão de desespero um pouco antes do encontro com Solveig são considerados os pontos altos da poesia do drama.

Na adaptação feita por professores do Colégio Micael são feitas várias observações:

1. No fim da peça, o texto difere significativamente do original de Ibsen, por ter sido levada em consideração a idade dos alunos;
2. Sendo a peça original muito longa (5 ou 6 horas de duração), houve a supressão de algumas cenas e a união de três personagens (Desconhecido, Figura e Fundidor) num só (Desconhecido);
3. Em traduções do norueguês para português, espanhol e francês, aparecem erroneamente gnomos e duendes. Na verdade, são Trolls, seres que só existem na mitologia nórdica. O reino dos trolls situa-se no âmbito dos desejos, instintos, cobiças, paixões e impulsos humanos, no âmbito da ausência do Eu, da moral e de qualquer responsabilidade ou censura. O troll é feio, mas pode apresentar-se com bela aparência, se lhe convier.

Também tendo em vista a idade dos alunos, ainda tornei algumas cenas mais leves, mas conservei a ajuda prestada por Peer à sua mãe na hora da morte, guiando-me pelo original em francês.

Preferi conservar a divisão da peça em 5 Atos, como no original. As músicas foram escolhidas entre os temas das duas suítes Peer Gynt de Eduard Grieg, tal como foi feito para o Colégio Micael.

Ruth Salles

 

CHARACTERS
(o asterisco indica as personagens principais)

*AASE (pronuncia-se Ósse)
*PEER (pronuncia-se Pér)
PRIMEIRA VELHA
SEGUNDA VELHA
*ASLAK, o ferreiro
VIOLINISTA
MESTRE-CUCA
CONVIDADOS PARA O CASAMENTO
CONVIDADAS PARA O CASAMENTO
*MATZ MOEN (pronuncia-se Matz Múen)
PAI DE MATZ
MÃE DE MATZ
*SOLVEIG (pronuncia-se Sulvaig)
MÃE DE SOLVEIG
PAI DE SOLVEIG
HELGA
*INGRID
PAI DE INGRID
*MULHER DE VERDE
TROLLS
UMA BRUXA TROLL
OUTRA BRUXA TROLL
*O REI DA MONTANHA (também chamado “O velho de Dovre”)
TROLL-MOR
*ANITRA
MOÇAS DE ANITRA
*DESCONHECIDO
Novelos
Folhas secas
Gotas de orvalho
Pedaços de palha
ALMA DE AASE NO CASTELO
PERSONAGENS DE CONTOS DE FADAS (fada, rei, princesa, bruxa, etc.)

 

FIRST ACT

Scene 1

Lugar arborizado perto da casa de Aase. Embaixo, um rio. Do outro lado, um moinho. Dia de verão. Música “O Amanhecer”.
Aase, Peer; Primeira Velha, Segunda Velha.

AASE: – Peer. você está mentindo!

PEER (parando): – Não, senhora. É tudo verdade, tim-tim por tim-tim.

AASE (pondo-se diante dele): – Menino, você não tem vergonha de mentir para sua mãe? Era só o que me faltava! Você sai de casa durante meses para caçar renas nas montanhas, sem se preocupar nem um pouco com a colheita. Depois, com a maior calma, volta sem o fuzil, sem a caça, com o casaco de pele todo rasgado, e ainda quer que eu acredite nas suas lorotas de caçador?

PEER: – Bom, eu estava andando contra o vento, um vento muito forte: ch, ch, vium, vuuum! Aí, atrás de um tronco caído, apareceu a rena, que estava procurando plantinhas debaixo da neve.

AASE (finge acreditar): – Ah, sei. E depois?

PEER: – Aí eu prendi o fôlego e fui-me arrastando bem devagar até pertinho dela e, escondido no meio das pedras, fiquei espiando. Mãe, você nunca viu uma rena como aquela, tão gorda, com o pêlo brilhando, linda!

AASE: – Não vi mesmo, nem em sonhos!

PEER: – Aí, pum! Atirei, né? A rena caiu ferida no chão. Mais que depressa, eu salto em cima dela, seguro na orelha esquerda e já vou enfiar a faca nas suas costas, quando, de repente, a bandida dá um rugido de assustar, fica de pé, joga a cabeça para trás uma porção de vezes me dando marradas, até fazer cair a faca da minha mão. E vai me levando pela crista da montanha!

AASE (involuntariamente): – Jesus Santíssimo!

PEER: – Você sabe aquele cume que deve ter 800 metros de comprimento, cheio de arestas afiadas que nem uma foice? Dos dois lados, ele tem um abismo escuro, sinistro, de mais de 300 metros de fundo! Pois a rena se atirou do cume abaixo, e ela e eu atravessamos os ares!

AASE (assustada): – Jesus bendito, tende misericórdia!

PEER: – Fomos caindo, caindo, rápido que nem um raio! Lá no fundo eu percebia uma mancha brilhante. Mãe, era nossa própria imagem refletida no lago tranqüilo e que subia para a superfície da água com a mesma velocidade estonteante com que descíamos!

AASE: – PEER! Pelo amor de Deus, acabe logo de uma vez!

PEER: – Chifre contra chifre, chocaram-se afinal as duas renas! A do ar e a do lago! Fomos nadando, nadando, a rena na frente me rebocando, até que chegamos na margem norte. Aí eu desci, né? E vim andando de volta para cá.

AASE: – E a rena, que fim levou?

PEER: – Ah, bom, acho que está correndo até agora! (estala os dedos e dá uma pirueta) Quem conseguir pegá-la é um sujeito muito esperto!

AASE: – E você não quebrou o pescoço, meu filho? Nem as pernas? Ou quem sabe a espinha? Oh, milhões de graças a Deus, que devolveu meu Peer são e salvo, apesar da calça rasgada! (levanta-se de repente, olha para Peer boquiaberta sem achar palavras, até que grita): – Ah, seu mentiroso! Isso não aconteceu com você, mas sim com o filho do padeiro!

PEER: – Aconteceu a nós dois. Por que uma história não pode acontecer duas vezes?

AASE: – Sim, sim, você enfeita tanto a segunda história, que nem se reconhece a primeira. (chora) Ah, Peer, Peer, você está perdido de tanta mentira, não há ninguém no mundo que possa salvar meu filho!

PEER: – Está bem, Mamãe, você é uma santa e tem toda a razão. Vamos, não fique zangada. Alegria! Alegria!

AASE: – Cale a boca! Que alegria eu posso ter com um filho como você? Olhe a nossa casa, o cercado, a porteira caída, os campos sem cultivo!

PEER: – Deixe disso, Mãe. A sorte muda quando menos se espera!

AASE: – Sorte? Há muito tempo que ela não passa por aqui (enxuga os olhos). Você devia servir de apoio à sua velha mãe, cuidar do que ainda nos resta (recomeça a chorar) Zero à esquerda! Em casa você não faz nada. Fora de casa, você afasta as moças e briga com os piores elementos da cidade. Até hoje o ferreiro ASLAK quer se vingar da surra que você lhe deu. Por causa disso, sou motivo de riso.

PEER: – Qual o quê, Mamãezinha querida, confie em mim! Um dia, todo mundo na vila vai-se inclinar diante de você. Espere até eu realizar uma façanha formidável, grandiosa mesmo!

AASE (irônica): – Você? Se ao menos você remendasse suas calças…

PEER (zangado): – Pois eu vou ser rei, imperador! Você vai ver só!

AASE: – Ai, meu Deus, o coitado perdeu o restinho de juízo que tinha… E você podia ser alguém, e seria muito rico se tivesse conquistado aquela moça de Haegstad, a Ingrid. Ela estava apaixonada por você!

PEER (com vivacidade): – Pois então vamos depressa até Haegstad!

AASE: – Não adianta. É tarde demais. Enquanto você cavalgava no ar com a rena, Matz Moen conquistou sua bela Ingrid.

PEER: – Quem? Aquele espantalho que dava medo às moças? O Matz Moen?

AASE: – Esse mesmo. E o casamento será amanhã.

PEER: – Ótimo. Chego lá ainda hoje à tarde.

AASE: – Você quer piorar as coisas? Todos vão rir de nós. (ele a ergue nos braços) Largue-me! Largue-me!

PEER: – Vamos atravessar o rio! Sossegue! (anda em direção ao rio)

AASE: – Socorro! Peer! Vamos nos afogar!

PEER: – Não seria uma morte digna de nós. Eu nasci para destinos mais elevados.

AASE: – Solte-me!

PEER (atravessando o rio): – Fique quieta. Eu sou a rena, você é o Peer!

AASE: – Já nem sei quem sou…

PEER (põe a mãe no chão, sem largar sua mão): – Vamos, dê uma beijoca na rena por ter atravessado o rio.

AASE (puxa-lhe o cabelo): – Aí está o pagamento! E agora me largue!

PEER: – Ai! Essa moeda não vale! E você vai comigo à casa da noiva. Você é inteligente. Faça o pai dela voltar atrás. Diga a ele que o Matz Moen é um chato.

AASE: – Não!

PEER: – E diga que Peer Gynt é um rapaz formidável!

AASE: – Ah, sem dúvida! Vou dizer! E não me calarei enquanto o velho não soltar os cachorros em cima de você!

PEER: – Hum… pensando melhor, prefiro ir sozinho. (ergue a mãe pela escada até o telhado do moinho, depois desce e tira a escada)

AASE: – Desça-me daqui!

PEER: – Fique quietinha, Mamãezinha querida, para não escorregar.

AASE: – Tire-me daqui!

PEER: – Eu volto logo, viu? Cuidado, não se mexa muito!

AASE: – PEER! Pelo amor de Deus, Peer! E não é que ele foi embora de verdade? Socooooorro! Ai, que estou me sentindo mal, ai meu Deus!

(Duas velhas, cada uma com um saco nas costas, vêm pelo outro lado e passam pelo moinho.)

1ª VELHA: – Jesus! Quem está gritando desse jeito?

AASE: – Sou eu!

2ª VELHA: – Aase! Que é que você está fazendo aí no telhado?

AASE: – Foi o danado do Peer! Ai, não agüento mais! Depressa, a escada!

1ª VELHA (pondo a escada): – Isso foi arte do seu filho?

AASE (desce): – E eu preciso correr atrás dele. Ele foi a Haegstad.

2ª VELHA: – Nesse caso, você já está vingada. Lá ele vai dar de cara com o ferreiro Aslak.

AASE: – Deus misericordioso! O ferreiro Aslak vai acabar com meu pobre rapaz!

1ª VELHA: – Ah, com certeza!

AASE: – Oh! (desmaia)

scene 2

É meio-dia. Arbustos, com uma sebe no meio. Ao longe, a fazenda Haegstad.
Peer; dois convidados e duas convidadas, Aslak; um coro de vozes.

PEER: – Lá está Haegstad. Já estou chegando. (vai pular a sebe, mas se detém.) Não. O caminho está cheio de convidados. Hum, talvez seja melhor voltar. Estão lá, rindo de mim, e estou farto disso. (vê um par de convidados indo para Haegstad e se esconde entre os arbustos)

CONVIDADO: – A mãe é uma mexeriqueira e tanto!

CONVIDADA: – E o filho é um João Ninguém.

(Peer Gynt sai dos arbustos depois que eles passam e se deita no chão.)

PEER: – Será que era de mim que eles estavam falando? Ah, e daí? Que nuvem engraçada! Parece um cavalo com um cavaleiro montado. E atrás vem uma mulher (dá um risinho). É Mamãe ralhando: “Peer, pare aí, Peer!” (aos poucos ele adormece)

CHOIR:
– Quem cavalga lá longe ao sol do meio-dia?
É Peer Gynt, com toda a sua valentia.
Traz espada de ouro presa na cintura.
Ah, como brilha a prata de sua armadura!
Com seu longo manto de seda ele vai
por vales e montes, campinas extensas.
Seu olhar se dirige à multidão imensa.
Chovem sobre ele mil moedas de ouro.
Não há mais mendigos, pois é grande o tesouro.
O imperador Peer Gynt vai com mil escudeiros.
Na corte da Inglaterra, ele chega primeiro…

ASLAK (passa em direção a Haegstad com dois convidados): – Ué! É o Peer Gynt!

PEER (ergue-se um pouco): – O quê? O imperador?…

ASLAK (se apóia na sebe): – Vamos, levante-se daí, seu malandro!

PEER (para si mesmo): – Que diabo! O ferreiro! (para Aslak): – Que foi, Aslak?

ASLAK: – Você sumiu, rapaz! Por acaso foi visitar o Rei da Montanha?

PEER (sacode a roupa e se põe de pé): – Mestre Aslak, fiz coisas espantosas, mas que não são da conta de ninguém.

ASLAK (pisca o olho para os amigos): – Você vai a Haegstad, é claro!

PEER: – Não vou, não.

ASLAK: – Antigamente diziam que a noiva gostava de você… (Aslak e os companheiros se afastam rindo e cochichando)

PEER (segue-os com a vista e dá de ombros): – Ela que se case com quem bem entender. Estou pouco ligando. Minha mãe me espera. Tenho de ir. (ouve um som de violino que vem da festa) Ora bolas, eu tenho que ir a essa festa! (pula a sebe com um salto e corre para lá)

scene 3

É de tarde em Haegstad. Ao fundo, a fazenda.
Convidados (rapazes e moças); mestre-cuca; violinista; Aslak, Peer; Solveig, sua irmãzinha Helga, seus pais; Matz Moen, seus pais; Ingrid e seu pai; Aase.

(Baile animado no gramado.Tocando sentado ou em pé em cima de uma mesa, o violinista. O mestre-cuca circula pelo local; os pais do noivo estão sentados; o noivo Matz Moen recebe cumprimentos; Aslak chega com amigos e o cumprimenta. Matz está impaciente com a demora da noiva e do pai dela. Terminada a dança, a noiva e seu pai vão entrando. O pai de Ingrid põe a mão dela sobre a mão de Matz. Começa a música para os noivos, mas Ingrid deixa Matz no meio da dança e sai correndo. Matz fica chocado e sem entender. Todos estão surpresos e cochichando. Matz sai.)

MOÇA 1: – Ingrid deve estar chorando um pouco. Isso é natural.

RAPAZ 1: – Ei! Agora é que vamos nos divertir. Peer Gynt está chegando!

ASLAK: – Quem o convidou?

MESTRE-CUCA: – Ninguém!

ASLAK (para as moças): – Se ele falar com vocês, não lhe dêem atenção.

PEER (dirige-se às moças): – Quem é a mais linda de todas?

MOÇA 1: – Eu, não sou.

MOÇA 2: – Nem eu.

MOÇA 3: – Nem eu.

PEER (para a moça 4): – E você? Vamos dançar?

MOÇA 4: – Estou de saída.

PEER: – Mas, na hora da festa?

ASLAK: – Peer, que tal dançar comigo? (risadas dos amigos de Aslak)

(Neste momento, entram Solveig, Helga e seus pais. Silêncio geral. Peer vê Solveig e fica encantado. A cena se congela. Só Peer se mexe e fala. Ouve-se ao longe o tema de Solveig.)

PEER: – É linda como a luz. Baixa os olhos para o avental. Com uma das mãos segura a saia da mãe e, com a outra, um missal envolto num lenço! Tenho de olhar mais de perto o rosto dessa moça…

(A cena se descongela. O pai de Solveig vai cumprimentando as pessoas.)

RAPAZ 1: – Olhem só! São os forasteiros.

RAPAZ 2: – Os que estão morando em Hedal?

RAPAZ 1: – Eles mesmos.

PEER (para o pai de Solveig): – Posso conversar com sua filha?

PAI DE SOLVEIG: – Sim, com prazer.

SOLVEIG (para Peer): – Você me chamou para conversar, mas minha mãe não quer.

PEER (com um copo de vinho na mão, arremeda): – “Minha mãe não quer”. Será que você nasceu ontem?

SOLVEIG: – Você está caçoando de mim.

PEER (de novo com respeito): – É verdade. Você é quase uma criança. Como você se chama?

SOLVEIG: – Eu me chamo Solveig, e você?

PEER: – Peer Gynt. (grosseiro, deixa o copo e puxa Solveig): – Vamos dançar?

SOLVEIG (solta-se): – Não quero. Você é muito rude.

PEER: – Tem medo de mim? (ameaçando) Olhe que eu sei me transformar em fantasma! À meia-noite eu viro fantasma! (outra vez suplicante) Venha dançar comigo, Solveig!

SOLVEIG: – Não, você está sendo malvado. (retira-se)

MATZ (entra e fala com seu pai): – Pai, Ingrid não quer nem falar comigo! Trancou-se no quarto!

MÃE DE MATZ: – Espere um pouco, meu filho. Tudo vai dar certo.

MATZ (para Peer): – Peer, é verdade que você consegue cavalgar pelos ares?

PEER: – É, sim, Matz. Sou um homem destemido.

MATZ: – Será que você dá um jeito de me fazer entrar no quarto da minha noiva?

PEER: – Eu, não! Você que se arranje sozinho.

MATZ: – Se você me ajudar, eu lhe dou uma vaca de presente.

PEER: – Uma vaca? Bem, acho que posso ajudar.

(Peer e Matz saem. No grupo de rapazes, com Aslak à frente, começa um clima de tumulto.)

ASLAK: – É preciso acabar com isso. Ou Peer Gynt ou eu! Um dos dois acabará no chão !

RAPAZ 1: – Isso mesmo!

RAPAZ 2: – Que se enfrentem! Queremos ver!

MESTRE-CUCA: – Calma! Calma! Nada de brigas aqui!

PAI DE SOLVEIG: – Calma, Aslak!

HELGA: – Mamãe, vai haver briga, é?

RAPAZ 3: – Vamos expulsar Peer Gynt a pontapés!

RAPAZ 4: – É pena, porque suas mentiras nos fazem rir…

AASE (entra com uma vara na mão): – Meu filho está aqui? Vou lhe dar uma sova, que ele vai ver!

MATZ (chega correndo): – Pai! Mãe!

PAI DE MATZ: – Que foi? Que está acontecendo?

MATZ: – Foi o Peer Gynt!

AASE (grita): – Alguém o matou?

MATZ: – Não! Olhem lá! Fugiu com Ingrid, com minha noiva!

TODOS: – Peer e a noiva?!

ASLAK: – Olhem como ele escala o penhasco! Parece um cabrito montês!

MATZ: – E carrega Ingrid nos braços como se ela fosse uma ovelhinha!

AASE (com raiva): – Tomara que despenque lá do alto! (com angústia) Cuidado, meu filho, não vá escorregar!

PAI DE INGRID (indignado): – Eu o matarei!

AASE: – Ah, isso é que não! Só por cima do meu cadáver!

 

scene 4

Ainda de tarde. Estrada estreita na montanha.

Peer Gynt, Ingrid.

PEER (anda depressa): – Deixe-me! Vá embora!

INGRID (tenta detê-lo): – Depois que fugimos e que você me trouxe até aqui? Seu traidor!

PEER: – Pare com essas lamentações. Cada um é livre para escolher seu caminho. Além disso, não quero saber de mulheres, a não ser de uma.

INGRID: – Quem?

PEER: – Você é que não é.

INGRID: – Então, quem é? Diga!

PEER: – Digo, nada. Vá embora! Volte para a festa.

INGRID: – Peer, meu amor, eu lhe dou a propriedade de Haegstad e mais outros bens.

PEER: – Você, por acaso, traz um missal envolto num lenço? Vamos, responda!

INGRID: – Não, mas…

PEER: – Você anda com os olhos baixos, timidamente, segurando na saia de sua mãe? Hein?

INGRID: – Não, mas…

PEER: – Olhar para você transforma o mundo numa festa?

INGRID: – Jesus, você ficou louco! (ele se afasta e ela o puxa) Ah, Peer, fique comigo, você vai ficar rico e respeitado por todo mundo…

PEER: – Impossível!

INGRID: – É sua decisão final? Muito bem! Vamos ver quem chora por último! (afastam-se em direções opostas)

SECOND ACT

Scene 1

Cai a tarde. Um lago na montanha. Uma tempestade se aproxima.

Aase, Solveig, seus pais, Helga.

AASE (gesticulando e puxando os cabelos): – Estão todos e tudo contra mim! Querem engolir meu cordeirinho! O céu manda neblina para que ele se perca. A água quer afogá-lo. Os penhascos mandam avalanches. E os homens? Os homens o caçam para matá-lo! Eu não posso perdê-lo! Pobre Peer, meu cordeirinho perdido!

PAI DE SOLVEIG: – Está perdido, de fato.

AASE: – Não diga isso! Ele é tão esperto… Não existe ninguém mais sabido que ele!

MÃE DE SOLVEIG: – Será que ele é capaz de se arrepender do que fez?

AASE: – Ah, isso eu não garanto. O que sei é que ele é capaz de voar montado numa rena! Oh, precisamos achá-lo de qualquer maneira!

PAI DE SOLVEIG: – Sim, para salvar sua alma.

AASE: – E o corpo também! Se ele estiver atolado no pântano, nós vamos tirá-lo. Se o velho Rei da Montanha se apoderou dele, teremos que tocar os sinos!

HELGA: – Papai, por aqui há uns rastros!

AASE: – Deus os abençoe por me ajudarem! Peer está em perigo e ninguém mais me ajuda a procurá-lo…

MÃE DE SOLVEIG: – É nosso dever de cristãos.

(Os pais de Solveig e Helga seguem os rastros. Solveig se deixa ficar mais para trás de propósito e se aproxima de Aase.)

SOLVEIG: – Fale mais de seu filho. Conte tudo.

AASE (enxugando as lágrimas): – Tudo? Você se cansaria.

SOLVEIG: – Mais fácil você se cansar de falar do que eu, de escutar. (saem todos)

scene 2

Anoitece. O começo da cena se passa bem na frente. Ao fundo vê-se o castelo da montanha. Música “In der Halle der Bergkönigs”, de Grieg.

Peer; a Mulher de Verde, o Rei da Montanha, Troll-mor, quatro trolls, duas bruxas-troll; Helga, Solveig.

PEER (chega esbaforido e pára): – A aldeia toda está atrás de mim! Estão armados com paus e bastões! O primeiro da fila é o pai da noiva, gritando como um possesso! Bom, pelo menos já se fala agora em Peer Gynt. E é coisa séria, não é uma briga banal com um ferreiro! Ah, isso é que é viver! (dá pulos e luta a punhadas com inimigos imaginários) É desafiar, lutar! Isso reanima o coração! (bate com o nariz numa pedra e cai)

MULHER DE VERDE (surge): – Você é de verdade?

PEER (com um gesto que indica juramento): – Tão certo como eu me chamar Peer e você ser bela. Quer casar comigo? Você não precisará mais trabalhar. Só comer o dia inteiro.

MULHER DE VERDE: – E você não vai me bater nunca?

PEER: – Bater? Onde já se viu um filho de rei bater numa mulher? Nem pensar!

MULHER DE VERDE: – Ah, você é filho de rei? Pois eu sou a filha do Rei da Montanha. Você conhece meu pai?

PEER: – Hum… E você conhece minha mãe, a rainha Aase?

MULHER DE VERDE: – Quando meu pai se zanga, a montanha toda treme.

PEER: – Quando minha mãe se zanga, desmoronam avalanches.

MULHER DE VERDE: – Você não tem outras roupas além desses farrapos?

PEER: – Se você visse meu traje de gala… Agora, sua roupa me parece feita de capim e estopa.

MULHER DE VERDE: – Pois são de ouro e prata. É que o povo da montanha prefere mostrar uma aparência miserável e esconder sua riqueza.

PEER: – Lá em casa também é assim. Quem vê nosso ouro pensa que é palha e barro, e quem vê nossas vidraças só enxerga pedaços de papelão.

MULHER DE VERDE: – Peer! Já vi que fomos feitos um para o outro!

PEER: – Somos como a tampa e a caçarola!

MULHER DE VERDE: – Então, vamos ao castelo da montanha.

(Na sala do castelo, o Rei da Montanha está sentado no trono, com a coroa na cabeça e o cetro na mão. Dos dois lados estão o troll-mor e duas bruxas-troll. A cena pode começar com uma grande dança geral, com a música “A Sala do Rei da Montanha”. Toda a classe pode participar da dança, menos Aase, Solveig, Ingrid, Aslak, Matz, Anitra e o Desconhecido. A dança termina. Fica só a corte.)

TROLL 1: – Um cristão com a filha do rei! Que seja açoitado!

TROLL 2: – Posso torcer seu dedo?

TROLL 3: – Posso puxar seu cabelo?

TROLL 4: – Posso morder sua perna?

BRUXA-TROLL 1: – Devo cozinhá-lo com sal e pimenta?

BRUXA-TROLL 2: – Então já vou fincá-lo no espeto para assar em fogo brando.

REI: – Silêncio! (dirige-se a Peer): – Então você pede minha filha em casamento?

PEER: – E seu reino como dote.

REI: – Calma, rapaz! Primeiro temos condições a impor. Se você falhar em qualquer uma delas, nosso pacto se desfaz e ficamos com sua pele. A primeira condição é que você não pode mais sair dos limites deste reino, deve temer a luz do sol e tudo o que ela ilumina.

PEER: – Se eu puder ser chamado de rei, tudo bem.

REI: – Agora quero testar sua sabedoria. Qual a diferença entre o homem e o troll?

PEER: – Os trolls grandes querem fritar, os pequenos querem arranhar. O homem seria igual se não tivesse uma consciência.

REI (acena, e entram dois trolls com cabeça de vaca e porco): – Repare que a vaca traz a comida e o porco a bebida. O gosto não importa. E você ganha a taça de ouro se experimentar.

PEER (experimenta a bebida): – Essa bebida é horrível! Nunca vou me acostumar com ela. (tem uma visão de Aase rogando-lhe que não beba, mas não liga) Ah, o jeito é me acostumar. (bebe)

REI (enquanto os trolls vão vestindo Peer com outra roupa): – Tire essas roupas de cristão. De vocês, só usamos o laço de seda que enfeita nossa cauda.

PEER (furioso): – Pois fique sabendo que não tenho cauda nenhuma! Estão zombando de mim, é?

REI: – Para ser noivo de minha filha, só com a cauda que o troll-mor vai prender em você.

PEER (tem outra visão de Aase rogando-lhe que não ceda): – Bem, é preciso acatar os costumes do país. Podem pôr a cauda em mim. Contanto que eu não tenha de renegar minha fé de cristão. (a cauda é posta)

REI: – Absolutamente. É pelo aspecto e pelos trajes que se reconhece um troll. Quanto à crença, pode ser a que você quiser. E agora, já que terminamos a parte séria, vamos nos alegrar com a música.

(Música, uma cacofonia total. Quem dança é a Mulher de Verde.)

TROLL-MOR: – Está gostando? Seja franco! Que é que você acha?

PEER – Hum… Acho tudo horroroso e de muito mau gosto.

MULHER DE VERDE (chora): – Olhem só o que ele diz de nossa dança e de nossa música!

REI: – Ah, natureza humana! Meu genro parecia macio como uma luva, aceitou nossa roupa, a bebida e a cauda. Pensamos que tínhamos banido de seu corpo o velho Adão para sempre! Pois sim! Ele surge de novo. É, e vai precisar de uma operação séria para se livrar dessa maldita natureza humana.

PEER: – Operação? Que operação?

REI: – Você vai ficar um pouco vesgo do olho esquerdo para ver tudo lindo, e depois arranco seu olho direito. (vai pondo sobre a mesa alguns instrumentos cortantes)

PEER: – E depois os olhos voltam ao normal?

REI: – Nunca mais, meu filho.

PEER: – Então vou embora e sigo meu caminho. (vai sair e é impedido)

REI: – Ei, ei! É fácil entrar neste reino, mas sair é impossível.

PEER: – Eu queria me casar com uma princesa e ganhar um reino de verdade. Estava disposto a fazer alguns sacrifícios. Pequenos. Mas daí a ser troll para o resto da vida, nisso não consentirei mesmo!

REI: – Você vai acabar me irritando. E agora tem que se casar com minha filha!

PEER: – Não!!

MULHER DE VERDE: – Mas, meu adorado!

PEER: – É tudo um pesadelo! Abram a porta! Quero ir embora!

REI: – Nada disso, príncipe Peer!

PEER: – Príncipe? Pois fiquem sabendo que não sou nem rico, nem príncipe! (a Mulher de Verde desmaia)

REI (para os trolls): – Acabem com ele, meus filhos! E fechem todas as saídas!

PEER (com a gritaria dos trolls atrás dele tentando arranhá-lo): – Ai, ai! (Peer fica soterrado sob os trolls, só se vê sua cabeça): – Socorro! Mamãe! Estou morrendo!

(Ouve-se ao longe o som dos sinos da igreja. Cessa todo o tumulto, os trolls fogem, e tudo desaparece. Em seguida, raia o dia. Peer está deitado, dormindo; vai acordando e se senta, atordoado.)

HELGA (trazendo um cesto de víveres): – Foi a Solveig que mandou…

PEER (ergue-se de um salto): – Onde está ela? (vê Solveig mais adiante)

SOLVEIG (com um gesto): – Não se aproxime, que eu fujo.

PEER: – Sabe onde eu passei a noite? Com o Rei da Montanha e sua filha, que queria se casar comigo.

SOLVEIG: – Então fizeram bem em tocar os sinos!

PEER: – Han! Eu não sou presa fácil! Que é que você acha? (Solveig foge)

HELGA: – Solveig! (vai correr atrás dela, mas Peer a segura pela mão)

PEER: – Helga, olhe o botão de prata que eu tenho no meu bolso! Fique com ele para você e diga a Solveig para não me esquecer.

TERCEIRO ATO

Scene 1

Denso bosque de pinheiros.

Peer Gynt.

Peer (em mangas de camisa, derruba uma árvore): – Puxa, como é duro pôr madeira abaixo para construção, ufa! Pior é quando a gente se deixa levar pela imaginação! Tenho que perder esse vício! Com a mania de estar sempre nas nuvens, sonhando acordado, você leva é a breca, Peer Gynt! (trabalha com afinco por algum tempo depois pára) É como eu digo: se você está com fome, o jeito é caçar, pescar. Se não tem casa, tem que derrubar árvores, carregar nas costas e levar até o lugar escolhido. (larga o machado e começa de novo a sonhar) Será linda! No alto vou erguer uma torre. Mando fazer portas e fechaduras de cobre e vidraças bem bonitas, dessas que brilham de longe. (rindo de si mesmo) Pronto! Já estou de novo nas nuvens. Uma choupana coberta de palha serve muito bem para proteger da chuva, sabe?

scene 2

Mesmo lugar. Uma cabana recém-construída. Galhada de rena na porta.

Peer Gynt, Solveig; a Mulher de Verde.

PEER (prega uma fechadura de madeira na porta da cabana):

– Quero uma fechadura secreta e bem forte,

para não deixar entrar o diabinho que só traz má sorte!

Parece até que o escuto gritar:

“Abra, Peer! Eu vim sorrateiro como o pensamento!

Abra para a turma que veio montada no vento!”

SOLVEIG (aparece de lenço na cabeça e embrulho na mão): – Que Deus abençoe seu trabalho! Eu vim porque você me chamou.

PEER: – Solveig! É você? Você mesma? Não, não é possível! E você não tem medo de chegar perto de mim?

SOLVEIG: – Minha irmãzinha Helga me transmitiu seu recado. O vento e o silêncio trouxeram outros. E sua mãe também, quando me falou de você; e meus sonhos, minhas noites longas, meus dias solitários. Tudo isso me dizia para eu vir. Eu vim porque era a única coisa que eu podia fazer.

PEER: – Mas, você deixou tudo para ficar comigo?

SOLVEIG: – Deixei. Você será tudo para mim: meu amigo e meu consolo.

PEER: – Você está sabendo da sentença pronunciada contra mim? Fui expulso da aldeia e me despojaram do que era meu. Sabe em que condições eu vivo aqui? Se eu sair deste bosque, o primeiro que aparecer pode me denunciar!

SOLVEIG: – No caminho, cada vez que alguém perguntava para onde eu ia, eu respondia: “Vou para minha casa”.

PEER (feliz): – Ah, não preciso mais de porta, nem de fechadura, pois a bênção de Deus toca esta casa onde você vai morar com seu pobre caçador! Solveig! Deixe-me olhar para você! Como você é bela e pura! Mas… é melhor derrubar esta cabana. É pequena demais, é feia demais para você.

SOLVEIG: – Eu gosto. Aqui eu me sinto finalmente em casa.

PEER: – Para sempre, não é?

SOLVEIG: – Ah, sim, pelo caminho que vim, não se volta nunca mais.

PEER (muito feliz): – Entre! Vou buscar lenha e vamos acender o fogo, para nos dar luz e calor e para você poder descansar bem gostoso, sem nem um arrepio de frio.

(Ela entra na cabana. Peer pega o machado e se dirige para o bosque. Nesse momento, sai do bosque a Mulher de Verde, mas bem mudada, velha e maltrapilha. Peer não a reconhece.)

MULHER DE VERDE: – Boa tarde, Peer do pé ligeiro!

PEER: – Quem é você?

MULHER DE VERDE: – Ora, somos velhos amigos, e minha cabana é perto daqui.

PEER (não dando atenção): – Desculpe, estou com pressa. Além do mais, não nos conhecemos, você está enganada.

MULHER DE VERDE: – Qual o quê! Só me enganei quando acreditei nas suas promessas.

PEER: – Minhas promessas? Então… então… você é a Mulher de Verde, filha do Rei da Montanha? Mas você era bonita!

MULHER DE VERDE: – Ora, Peer Gynt! É só você expulsar essa moça da sua casa e dos seus pensamentos, que eu fico bonita de novo.

PEER: – Vá embora!

MULHER DE VERDE: – Calma! Não sou fácil de vencer, não. Vou voltar aqui todos os dias e me plantar na sua porta. Quando vocês estiverem sentados juntinhos, eu apareço entre os dois. Até breve, meu adorado! (ela sai)

PEER (arrasado, depois de uma pausa): – Agora minha casa desmoronou! Agora, um mundo me separa de minha amada! Minha alegria evaporou. Dê meia volta, Peer Gynt, vamos! Acabou-se o caminho em linha reta. Caminho? Quem sabe? Deve haver um caminho, deve, deve… Será o do arrependimento? Falaram disso, não lembro onde. Sei lá! Vai ver que é preciso percorrê-lo por muitos anos… E será que as coisas se consertam? E Aslak, Ingrid, A Mulher de Verde?… (dá uns passos em direção à cabana e pára) Todos ficariam no meio de nós… E nem sei o que foi feito

de minha velha Mãe… Eu cometeria um pecado ficando com Solveig manchado como estou.

SOLVEIG (aparece na porta): – Você não vai entrar?

PEER (a meia-voz): – Vou dar meia volta.

SOLVEIG: – Que foi que você disse?

PEER: – Já está escurecendo e tenho de carregar um fardo pesado.

SOLVEIG: – Eu vou ajudá-lo. Vamos trazê-lo juntos!

PEER: – Não. É impossível. Fique aí mesmo. Espere por mim.

SOLVEIG: – Você vai demorar muito?

PEER: – Não sei. De qualquer modo, espere por mim.

SOLVEIG: – Eu espero, sim. Pode deixar. (fica de pé na porta)

PEER (caminha e fala consigo mesmo):

– Eh, Peer, você sabe onde vai agora?…

QUARTO ATO

Scene 1

Casa de Aase. No alto, de um lado, o castelo que depois se acende. É tocado o tema “Morte de Aase”.

Aase, Peer; personagens de contos de fadas; as duas Velhas do Primeiro Ato.

AASE (deitada na cama, recostada em altos travesseiros): – Ai, meu Deus… Tenho tantas coisas para dizer a Peer, e ele não chega nunca! Meu tempo é curto… Aase, Aase, se você soubesse, teria sido menos severa com seu filho…

(Peer entra e vê a mãe na cama.)

PEER: – Eh, Mãezinha! Boa-tarde!

AASE: – Deus seja louvado! É ele! Mas, meu filho, você teve coragem de vir aqui? É um risco que você corre. Todos o condenaram, lembra?

PEER: – Ah, isso não importa. Eu precisava vir e pronto.

AASE: – Foi bom. Agora posso partir em paz.

PEER: – Partir? Para onde?

AASE: – Só partir. Está na hora.

PEER (dá alguns passos e espreguiça os braços): – Bem… eu vim aqui respirar um pouco. (olha para a mãe, pega suas mãos e pés e os esfrega) Você está com as mãos e os pés gelados! (pega uma colcha e a cobre). Mãe, você se lembra das histórias de fadas que você me contava? Você se lembra dos reis e rainhas, bruxas e fadas e anões?

(Essas personagens aparecem e sobem para o castelo.)

AASE (aponta para o castelo que se ilumina): – Ah, eles estão todos lá no castelo.

PEER: – É, mesmo. Nós brincávamos que íamos de trenó por montes e vales, até o castelo que fica a oeste da lua e a leste do sol.

AASE: – Já vejo a luz nas janelas do castelo. Eu queria ir para lá…

PEER (ele anda pelo quarto recitando com gestos espalhafatosos):

– Pois vamos! Nós vamos partir agora

para o castelo de Sória-Mória.

O rei que vai dar a festa

já tem a coroa na testa.

AASE: – E São Pedro? Ele está na porta?

PEER (enquanto Aase sorri e fecha os olhos):

– São Pedro é o porteiro.

Ele é tão hospitaleiro.

E dona Aase é bem-vinda,

pois é muito boa e linda.

Há torta e vinho sobre a mesa.

E no meio um vaso de flor.

E a falecida mulher do pastor

prepara o café e a sobremesa.

Vocês duas vão se encontrar

e vão conversar até cansar!

– Ó personagens do castelo,

abram a porta para minha Mãezinha!

Eu duvido que haja alguém

que valha mais do que ela sozinha!

(Ele olha para o castelo e vê a alma da mãe acenando para ele, feliz; ele acena para ela)

PEER: – Mãe, como está a festa aí no castelo? Olhe! Eu agradeço tudo o que você fez por mim. As zangas e os carinhos!

(Entram as duas velhas e se aproximam da cama.)

1ª VELHA: – Ela está dormindo.

2ª VELHA: – Profundamente.

PEER: – Não. Não está dormindo. Ela partiu… morreu.

1ª VELHA: – Morreu… Mas… você é o Peer Gynt!

PEER (pondo o dedo nos lábios para fazerem silêncio): – Sim… O condenado, o banido. Olhem, cuidem para que ela tenha um funeral digno. Quanto a mim, vou ter de fugir antes que me descubram aqui.

2ª VELHA: – Você vai para longe?

PEER: – Até o mar.

1ª VELHA: – Tão longe?

PEER: – Mais longe ainda!

scene 2

Oásis num deserto, com uma ou duas tendas.

Peer Gynt; Anitra, moças do deserto.

ANITRA e MOÇAS (cantam, com a “Arab Dance”, da Suíte de Grieg):

“Dai glória, dai glória ao profeta,

senhor do nosso futuro!

O mar de areia cruzou,

ao nosso oásis chegou.

A ele então recebei!

Em nosso bom recanto acolhei!

(A terceira estrofe é cantada com a melodia da primeira)

Na fronte, o véu vamos abaixar,

abaixar!

E seu saber vamos honrar,

honrar!”

(Peer, que cruzou o mar, acha uma roupa de profeta, anéis e um turbante com uma jóia; ele se enfeita e veste a roupa por cima da sua.)

PEER (consigo mesmo): – Está escrito: “Ninguém é profeta em sua terra”, e é verdade. E pode ser que aqui eu seja um profeta! Por Deus, é uma coisa de que eu gosto! Bastou atravessar o mar e chegar ao deserto, e estou com esta fantasia e entre as filhas das areias. Elas dizem que eu sou o profeta e não têm a menor dúvida! Mas, não vou mentir para elas. Mentir e profetizar são coisas diferentes. Além disso, sempre posso sumir a tempo. Não há perigo.

ANITRA (aproximando-se): – Meu amo e profeta!

PEER: – Quem é você e o que deseja?

ANITRA: – Sou Anitra. Chegaram filhos do deserto. Estão na tenda e pedem para contemplar sua face.

PEER: – Diga a eles que fiquem à distância. Só quero preces rezadas de longe. Não tolero homens em minha tenda. Os homens, minha filha, são uma espécie miserável! Você nem imagina de que são capazes! (pausa) Agora, dance, Anitra.

(Peer se senta no chão de pernas cruzadas e assiste a dança de Anitra, ao som do trecho “Dança de Anitra”.)

PEER (quando a dança termina): – Você é sedutora, minha filha. Eu, o profeta, estou comovido. Por isso, farei de você uma huri em meu Paraíso.

ANITRA: – Ah, isso é impossível, pois não tenho alma…

PEER (espantado): – Não tem alma? Ah, sempre se acha um lugarzinho para encaixar uma alma. (mede a cabeça de Anitra) Sua cabeça tem lugar de sobra! Não para uma alma muito profunda, mas que importa isso?

ANITRA (percebendo que o profeta é falso): – O profeta é tão bom… Mas, eu preferia ter… em vez de alma… essa jóia linda de seu turbante!

PEER (dá-lhe a jóia com entusiasmo): – Anitra! Verdadeira filha de Eva! Sinto o poder magnético do seu encanto! Agora, descanse.

(Noite de lua. Anitra finge que adormece. Peer toca uma cítara e fala.)

PEER:

– Quando deixei a casa sossegada,

meu peito estava imerso em desventura.

Atravessei o mar e o deserto,

buscando novo amor, nova ternura.

Afinal encontrei Anitra bela.

Mais do que o vinho ela é embriagante!

Vejo seu corpo leve e os pés alados,

ou é a sorte ilusória e inconstante?

(põe a cítara de lado e dá alguns passos)

– Neste silêncio tudo está imerso.

Será que a bela Anitra ouviu meus versos?

ANITRA (levanta-se): – Meu mestre chamou?

PEER: – Sim! O profeta chama por você. Venha ouvir-me.

ANITRA (estende-se a seus pés): – E é ouvindo-o que eu ganharei uma alma?

PEER: – A alma você terá mais tarde. O principal é o coração da linda mulher de quem eu quero ser o sultão!

ANITRA (manhosa e esperta): – Então me dê esse anel que está em seu dedo!

PEER (dá-lhe o anel e outras jóias): – Tome estas bagatelas todas, Anitra. Ah, faça-me sofrer um pouco, mas só um pouco. É doce sofrer quando se ama.

ANITRA: – Anitra obedece à ordem do profeta. Adeus! (foge com todas as jóias)

PEER (como que fulminado por um raio): – O quê?! Anitra!!! Fugiu com tudo! Não, isso não pode ser!

QUINTO ATO

Cena Única

Noite. Clareira de pinheiros meio queimados. Soleira da cabana de Peer.

Solveig; Peer Gynt, o Desconhecido; Aslak, Ingrid, a Mulher de Verde, Anitra, Aase; Novelos, Folhas secas, Gotas de orvalho, Pedaços de palha. No fim, todos.

(Peer tem uma visão de Solveig cantando na soleira da cabana.)

SOLVEIG (canta a “Canção de Solveig”, de Grieg)):

“Inverno se foi, primavera passou.

E meu bem não chegou.

Verão e outono, tudo terminou.

E meu bem não chegou.

Aqui eu vou ficar. Ele há de voltar,

voltar para mim.

Aqui eu vou ficar. Ele há de voltar.

O amor não tem fim.”

DESCONHECIDO (entra): – Olá, Peer Gynt!

PEER (amedrontado): – Quem é o senhor?

DESCONHECIDO: – Um amigo, às suas ordens. Sou um cientista, sabe? Pesquiso sonhos humanos; e todo dia venho buscar almas de pessoas que estão prontas para deixar este mundo. Por isso, eu lhe peço um favor especial: ao morrer, você me daria sua alma e seu precioso cadáver?

PEER: – Que brincadeira é essa? O senhor está passando dos limites!

DESCONHECIDO: – Ah, mil desculpas. Mas, reflita um pouco. É que você preenche a condição principal: nunca olhou para os outros, só para si mesmo. Portanto, nunca chegou ao “Homem, seja você mesmo”.

PEER: – E que significa “ser você mesmo”?

DESCONHECIDO: – Significa atingir aquilo que o Mestre reservou para a sua vida. Mesmo quem não sabe o que lhe foi reservado deve pressentir.

PEER: – Só que às vezes a gente pressente errado e toma outro caminho. (grita) Por falar nisso, siga seu caminho e me deixe em paz!

(Conforme vão sendo nomeadas, entram personagens silenciosamente e formam uma espiral: Aslak, Ingrid, a Mulher de Verde e Anitra.)

DESCONHECIDO: – Ah, não; você é precioso demais para ser deixado em paz. Acho mesmo louvável a surra que deu no ferreiro Aslak. E aquela bobinha, a Ingrid, que você iludiu magistralmente! Com a Mulher de Verde, você começou bem, mas desistiu de ficar lá. Foi pena. E diga-me francamente, não foi maravilhoso como profeta diante de Anitra? Parecia mesmo um enviado de Deus! Ah, você me pertence! A não ser que se arrependa e se transforme em algo que preste, mas acho que esse caminho você não será capaz de trilhar. É muito difícil! (ri)

(Vão passando os Novelos, as Folhas secas, as Gotas de Orvalho, os pedaços de Palha.)

NOVELOS (passando):

– Somos os novelos

que você enrolou.

Sim, os pensamentos

que não desfiou.

Coração vazio,

ouça nosso intento:

Desenrole o fio

enquanto ainda é tempo! (saem)

FOLHAS SECAS:

– Somos folhas secas,

palavras não ditas,

que morrem e caem

da alma infinita.

Porém sempre soa

este nosso intento:

A palavra boa

diga enquanto é tempo! (saem)

GOTAS DE ORVALHO:

– O orvalho são lágrimas

que alguém não chorou,

e o inverno da alma

não descongelou.

Ouça de uma vez

este nosso intento:

Chore o que não fez

enquanto ainda é tempo! (saem)

PEDAÇOS DE PALHA:

– Pedaços de palha,

atos não cumpridos.

Em quem se atrapalha,

tudo é interrompido.

Homem indeciso,

ouça nosso intento:

Faça o que é preciso,

enquanto ainda é tempo! (saem)

PEER: – Estou mesmo atrapalhado, seco, frio. Preciso, já, já, desenrolar meu novelo! (ele ouve de novo Solveig cantando)

SOLVEIG:

“Em nossa cabana estou a esperar,

estou a esperar…

Meu bem tem um fardo pesado a carregar,

pesado a carregar.

Aqui eu vou ficar, ele há de voltar,

voltar para mim.

Aqui eu vou ficar, ele há de voltar.

O amor não tem fim.”

(Rola uma cebola grande pelo chão. Peer se abaixa, brincando com ela. Depois, como que tendo uma idéia apanha-a e se levanta.)

PEER:

– Velho e ainda menino,

olhem só aonde me mandou o destino… (aponta a espiral e olha a cebola)

Hoje sou uma cebola e vou me descascar direitinho.

Quem sabe no fim encontro meu caminho?

(Peer percorre a espiral, pára em Aslak, arranca a primeira camada da cebola.)

PEER:

– Aslak! Você está aqui afinal

por uma briga tão banal…

ASLAK:

– Não foi só o meu corpo que você machucou.

Bateu em minha dignidade e me humilhou.

PEER:

– Quis provar que era forte nesse ataque

e pensei só em mim. Perdão, Aslak. (Aslak sai)

(Peer joga fora a primeira camada, arranca a segunda e vai até Ingrid.)

INGRID:

– Peer Gynt, você me iludiu sem piedade,

com um amor que não era de verdade.

PEER:

– Ingrid! Sua beleza me atrapalhou a vista.

Foi só o prazer de uma conquista.

Perdoe minha leviandade

e aceite minha amizade. (Ingrid sai)

(Peer joga fora a segunda camada e arranca a terceira, indo à Mulher de Verde.)

MULHER DE VERDE:

– Você fugiu do meu amor.

Queria só ser imperador.

PEER:

– Eu quis usufruir poder e riqueza erradamente,

num reino que era para seres diferentes.

Perdão, Mulher de Verde. Sem nada lhe dar,

eu só queria aproveitar.

(A Mulher de Verde sai. Peer joga fora a terceira camada, arranca a quarta e vai até Anitra.)

ANITRA:

– Suas jóias, que eram uma beleza,

consegui com minha esperteza.

Você não me deu alma. Só atenção passageira.

PEER:

– Perdão, Anitra. Brinquei com sua fé verdadeira. (Anitra sai)

(Peer joga fora a quarta camada e arranca várias outras.)

PEER (thoughtful):

– Camadas e camadas de uma simples cebola,

imagens das vestes do homem no mundo!

Quanto mais cavo e em mim me aprofundo,

mais descubro que não tenho fundo!

DESCONHECIDO: – Minhas garras se afrouxaram, mas você ainda me pertence, Peer Gynt! Ainda resta sua mãe, olhe lá!

ALMA DE AASE (fala de longe) :

– Oh, meu menino encrenqueiro,

você não tem juízo, filhinho?

Satã é um péssimo cocheiro

e leva você pelo mau caminho!

PEER:

-Ah, mas se a culpa é de Satã,

eu não sou tão ruim assim.

Minha noite vai virar manhã,

e o céu vai ter piedade de mim!

(Escurece tudo. Começa a brilhar uma luzinha na cabana de Solveig.)

PEER: – Que luz é aquela?

DESCONHECIDO: – É a luz de uma vela.

PEER: – De onde? De onde?

DESCONHECIDO: – De uma cabana onde uma mulher canta.

SOLVEIG (canta, com um livro envolto num lenço):

“Em nossa cabana estou a esperar,

estou a esperar.

Meu bem tem um fardo pesado a carregar,

pesado a carregar.

Aqui eu vou ficar, ele há de voltar,

voltar para mim.

Aqui eu vou ficar, ele há de voltar.

O amor não tem fim.”

PEER (na frente da cena, com desespero, ainda sem ser visto por Solveig):

– Aqui, (põe a mão no coração) o esquecimento triste.

Ali, (aponta a cabana) a fé que não desiste.

Aqui, a angústia sugando o coração.

Ali, a verdade, o amor.

Ali, sim, eu fui imperador,

não fui uma ilusão. (decide-se)

Agora, eu nunca mais dou meia volta, eu vou em linha reta!

(Corre para Solveig e se ajoelha.)

SOLVEIG (surpresa e feliz): – É você, Peer, é você! Bendito seja Deus!

PEER: – Oh, Solveig, pode se queixar e me reprovar por todos os meus erros!

SOLVEIG: – Peer, você não sabe, mas fez de minha vida um cântico de amor!

PEER: – Não me perdoe tão facilmente! Sabe por onde andei todos estes anos?

SOLVEIG: – Sei. Na minha fé, na minha esperança, no meu amor.

PEER: – Eu demorei demais. Andei por caminhos obscuros…

SOLVEIG (estende-lhe a mão e o levanta):

– Você precisava aprender a amar.

E isso tinha de ser devagar.

Mas agora, que você chegou,

entre, Peer, na casa que você preparou.

Na lareira há luz e muito calor.

O calor do fogo e o calor do amor.

PEER:

– Solveig! Eu não esperava tão doce perdão…

Agora, é seu para sempre o meu coração!

(Os dois se abraçam e entram na cabana. Todos aparecem no palco e cantam a Canção de Solveig inteira. Quase no fim da canção, Peer e Solveig se juntam a todos.)

ALL (sing):

“Inverno se foi, primavera passou.

E meu bem não chegou.

Verão e outono, tudo terminou.

E meu bem não chegou.

Aqui eu vou ficar. Ele há de voltar,

voltar para mim.

Aqui eu vou ficar. Ele há de voltar.

O amor não tem fim.

Em nossa cabana estou a esperar,

estou a esperar…

Meu bem tem um fardo pesado a carregar,

pesado a carregar.

Aqui eu vou ficar. Ele há de voltar,

voltar para mim.

Aqui eu vou ficar. Ele há de voltar.

O amor não tem fim.”

END

 

Sobre a escolha e o envio da peça

Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.

Enviamos o texto completo em PDF de uma peça gratuitamente, para escolas Waldorf e escolas públicas, assim como as respectivas partituras musicais, se houver. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça. Para outras instituições condições a combinar.

A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

 

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