28 de März de 2018

Zwölfte Nacht

 

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Schauspiel von William Shakespeare

tradução e adaptação e Ruth Salles

HINWEIS

A biografia de William Shakespeare, um dos maiores dramaturgos de todos os tempos, é baseada em poucos documentos. Segundo estes, ele nasceu na Inglaterra, em Stratford-on-Avon, no dia 23 de abril de 1564, e morreu no mesmo dia e lugar em 1616. Sabe-se que foi ator e depois diretor de teatro e autor de grande número de comédias e tragédias, quase todas obras-primas. Consta que a peça “Noite de Reis” foi representada pela primeira vez na festa da Epifania ou Noite de Reis (comemoração da chegada dos reis magos a Belém), ou seja, na décima segunda noite após o Natal. Daí seu nome em inglês ser “The Twelfth Night”, que nada tem a ver com o assunto da peça. Trata-se de uma comédia, em que muitas confusões acontecem, porque a jovem Viola e seu irmão gêmeo Sebastião se perdem um do outro num naufrágio. Viola se disfarça de homem, para trabalhar como pajem de um duque. Sebastião acaba chegando à mesma cidade, e é confundido com ela várias vezes, sem que um saiba do outro. As trapalhadas no fim se resolvem, e deixo que a própria peça as revele. Existem dúvidas quanto à data da primeira apresentação de “Noite de Reis”. Segundo uns, foi em 1601 ou 1602. Outros, por causa de certos termos usados por Shakespeare, acham que só pode ter sido apresentada mais tarde. De qualquer forma, a mais antiga edição desta peça data de 1623.

A pedido da professora de classe Ana Maria Negrão, em 1983 fiz a tradução, ora em verso, ora em prosa, como no inglês, com alguma redução no tamanho, por ser uma peça a ser representada por alunos de 14 anos. Quanto à música, a primeira canção foi composta por mim (“Aonde vais, senhora minha?”), e as outras são melodias medievais às quais adaptei os versos da peça. A única música original encontrada foi “Ah, Robin”, de William Cornish. Em 1984, ano da apresentação da peça pela classe de Ana Maria Negrão, ainda foram tocadas pela orquestra da escola, entre os vários atos, ou entre cenas, pequenos trechos de Henry Purcell – compositor inglês contemporâneo de Shakespeare – escolhidos pela professora de música Mechthild Vargas (Meca), a cargo de quem ficaram os arranjos e toda a direção musical.

Agora, em 2004, renovo a versão da peça reduzindo-a mais, por ter sido pedido pela escola que as peças sejam menores para os alunos de 14 anos. Com isso, no entanto, procurei não truncar as cenas, mas apenas condensá-las um pouco. Acrescento que dividi em duas a personagem Maria, criada da condessa Olívia, por serem poucos os papéis femininos na peça. Assim, Maria é a criada jovem e alegre, Joana, a criada velha e rabugenta.

Ruth Salles

 

ZEICHEN

ORSINO, duque de Ilíria
SEBASTIÃO, irmão gêmeo de Viola
ANTÔNIO, capitão do navio, amigo de Sebastião
CONTRAMESTRE do navio, amigo de Viola
VALENTINO, cavalheiro a serviço do duque
CÚRIO, cavalheiro a serviço do duque
TOBIAS, tio de Olívia
ANDRÉ, amigo de Tobias
MALVÓLIO, mordomo de Olívia
FABIANO, servidor de Olívia
BOBO de Olívia (com tamborim e baqueta)
OLÍVIA, condessa rica
VIOLA, jovem de alta estirpe, irmã gêmea de Sebastião (quando se disfarça de
Cesário, veste roupa idêntica à de seu irmão gêmeo, inclusive na cores.)
MARIA, criada de Olívia (jovem alegre)
JOANA, criada de Olívia (velha rabugenta)
Dois GUARDAS
Um SACERDOTE
Um CRIADO de Olívia
Dois MARINHEIROS

PERSONAGENS MUDOS: músicos, quatro servidores do duque, cortesãos.

 

CENA

Uma cidade da Ilíria e o litoral próximo.

 

ERSTER AKT

Szene 1
Uma sala no palácio do duque Orsino.
Orsino, Cúrio e outros cortesãos; músicos tocam; Valentino.

 

ORSINO (ouvindo a música):
– Se a música é de fato o alimento
do amor, tocai a lânguida cadência
que chega aos meus ouvidos como o som
do vento pelos campos, transportando
o perfume suave das violetas. (os músicos tocam mais um trecho e param)

CÚRIO:
– Ides caçar, senhor?

ORSINO: – Que caça, Cúrio?
Foi só ter conhecido a bela Olívia,
e desde então, minha paixão persegue-me
como cruel cão de caça, e eu transformei-me
num pobre cervo em fuga. (entra Valentino) – Valentino!
Que notícias me trazes?

VALENTINO: – Senhor duque,
nem fui admitido à sua presença.
No entanto, ela vos manda esta mensagem
que a criada Joana transmitiu-me:
“Antes de se passarem sete anos,
o próprio céu não há de ver meu rosto.
Vou fechar-me em meu quarto, para honrar
o amor por meu irmão que faleceu.”
Só isto, duque Orsino, e nada mais.

ORSINO:
– Se ela tem tanto afeto pelo irmão,
imagina o amor que sentirá
se Cupido flechar seu coração!
Nada resta a fazer, amigos. Vamos
para o caramanchão. Sonhos de amores
se enriquecem sob o dossel das flores. (saem)

 

Szene 2
À beira-mar
Viola, contramestre, dois marujos.

 

VIOLA: – Contramestre, que país é este?

CONTRAMESTRE: – É a Ilíria, senhorita Viola.

VIOLA: – E que vou fazer na Ilíria? Meu irmão Sebastião talvez não se tenha afogado. Que pensais disto, marujos?

MARUJO 1: – Não sabemos dizer, senhorita.
MARUJO 2: – Foi tudo muito confuso.

CONTRAMESTRE: – Foi pura sorte teres sido salva. Mas, até onde meus olhos alcançaram, vi Sebastião lutando, agarrado num mastro que boiava no mar.

VIOLA: – Ah, isso reforça minha esperança. Irmãos gêmeos são tão ligados que nem posso pensar em perdê-lo. Mas… esta terra da Ilíria, tu a conheces, contramestre?

CONTRAMESTRE: – Sim, nasci perto daqui. E quem governa este lugar é um duque. Nobre de nome e de caráter. Chama-se Orsino.

VIOLA: – Orsino? Meu pai falava nesse jovem…

CONTRAMESTRE: – Ouvi dizer que ele se apaixonou por Olívia, uma dama encantadora, que perdeu os pais e o irmão, e agora não quer saber de sair nem de ver ninguém. É assim: os pequenos sempre tagarelam a respeito dos grandes…

VIOLA: – Ah, eu gostaria de servir a ela, passando despercebida até poder revelar minha posição e dizer quem sou.

CONTRAMESTRE: – Isso é impossível. Mas posso recomendar-te ao duque. Disfarça-te de homem para seres seu pajem. É só tu te vestires como teu irmão. Que achas de te chamares Pajem Cesário?

VIOLA: – Boa idéia! E eu te serei sempre grata por ela.

CONTRAMESTRE: – Pois vamos lá, senhorita Viola, quer dizer, pajem Cesário!

VIOLA: – Vamos, contramestre! Confio ao tempo o que vier depois! (saem)

 

Szene 3
Sala em casa de Olívia.
Tobias, Joana e Maria; André.

 

TOBIAS (entrando): – Que diabo pretende minha sobrinha encarando desse modo a morte do irmão? Acho que a tristeza é inimiga da vida!

JOANA (fala sempre enquanto espana a sala): – Pois o que eu acho, senhor Tobias, é que o senhor devia voltar para casa mais cedo à noite. Sua sobrinha, minha ama, não aprova esse seu horário tardio. Ela diz que o senhor devia manter-se dentro dos limites da ordem.

TOBIAS: – Limites?! Ora! Eu me mantenho muito bem dentro dos limites desta roupa e destas botas, suficientemente boas para eu beber estando dentro delas.

JOANA: – Pois esse excesso de bebida vai acabar com o senhor. Ouvi minha ama falar disso a um cavalheiro idiota, mandado aqui pelo senhor para cortejá-la.

TOBIAS: – Quem, Joana? O senhor André?

JOANA: – Ele mesmo.

TOBIAS: – Ora, ele é tão bom quanto qualquer outro e tem 3.000 ducados de renda por ano.

MARIA (varrendo): – Mas, do modo como ele esbanja dinheiro, só terá um ano para aproveitar esses ducados.

TOBIAS: – Maria! Como te atreves a falar assim de um homem que toca rabeca, fala 3 ou 4 línguas sem dicionário e tem grandes dons?

MARIA: – Ah, sim… E se ele não perder o dom de discutir tanto com os outros, logo terá o dom de uma sepultura, é o que dizem os homens sensatos.

TOBIAS: – E quem são esses patifes, esses linguarudos?

MARIA: – Os mesmos que contam que ele se embriaga todas as noites em sua companhia.

TOBIAS: – É de tanto brindar à saúde de minha sobrinha! Enquanto houver uma passagem em minha garganta e bebida em Ilíria, hei de beber à saúde de minha sobrinha! (ouvem-se passos) Acho que vem vindo aí o senhor André. Silêncio, meninas!

ANDRÉ (entrando): – Tobias! Como vais?

TOBIAS: – Muito bem, André, muito bem.

ANDRÉ (a Maria): – E tu, minha belezura, como te chamas?

TOBIAS (com ironia e gestos de quem faz a corte): – Corteja, André, corteja!

ANDRÉ (a Maria): – Minha linda Corteja, gostaria de conhecer-te melhor.

JOANA (zangada): – Seu nome é Maria, senhor.

ANDRÉ: – Minha linda Maria Corteja, eu…

TOBIAS (interrompendo-o): – André! “Corteja” quer dizer “namora, agrada, beija”.

ANDRÉ: – Mas, que coisa! “Corteja” quer dizer tudo isso?

JOANA (sai, zangada, puxando Maria): – Ora, passem bem, meus senhores!

ANDRÉ: – Tobias! Amanhã volto para minha casa. Tua sobrinha não quer ver ninguém. E, se quiser, não há de ser a mim. Se o próprio duque Orsino a corteja

TOBIAS: – Olívia não quer saber do duque. Eu a ouvi jurar. Ainda há esperanças, homem!

ANDRÉ: – Falas sério? Nesse caso, fico mais um mês, contanto que haja mascaradas e pândegas.

TOBIAS: – E sabes dançar bem uma galharda?

ANDRÉ: – Ah, sei dar boas cabriolas e dou o melhor volteio da Ilíria. Queres ver? (dá uns volteios)

TOBIAS (rindo): – Excelente! Excelente! (vão saindo com os volteios de André)

 

Szene 4
Sala no palácio do duque Orsino
Valentino; Viola em trajes masculinos; duque Orsino.

 

VALENTINO: – Se o duque Orsino continua a te favorecer desse modo, Cesário, irás longe. Faz três dias que te conhece, e já não és um estranho para ele.

VIOLA: – Muito obrigado, senhor Valentino, mas aí vem o duque!

ORSINO (entra com Cúrio e cortesãos): – Olá! Quem viu Cesário?

VIOLA (inclinando-se):
– Aqui estou, senhor, às vossas ordens.

ORSINO (aos outros):
– Afastai-vos um pouco, todos vós! (os outros saem)
(a Viola):
– Cesário, não há nada que não saibas
a meu respeito. Abri diante de ti
o livro mais secreto de minha alma,
pela amizade que nos tem ligado.
E, já que sabes tudo, meu rapaz,
vai dizer a Olívia que teus pés
hão de criar raízes até quando
for concedida a ti uma audiência.

VIOLA:
– E, se ela vem ouvir-me?

ORSINO: – Ah, revela
toda a paixão do meu ardente amor!
És jovem. Sempre um mensageiro jovem
é mais aceito.

VIOLA: – Eu não acho.

ORSINO: – Tu serás.
As deusas têm os lábios menos rubros
que os teus, e tua voz é delicada. (dá a ordem final e depois sai)
Que quatro servidores te acompanhem!

VIOLA (consigo mesma):
– Vou esforçar-me… E será grande o esforço!
Conseguir-lhe uma dama tão formosa,
quando eu mesma quisera ser a esposa! (sai)

 

Szene 5
Sala em casa de Olívia.
Joana e o Bobo; Maria; Olívia e Malvólio; Tobias; Viola.

 

JOANA (entra com o Bobo): – A condessa com certeza vai despedir-te por causa de teu sumiço. Olha, ela deve estar chegando. Arranja uma boa desculpa. (sai)

BOBO (anda de um lado para o outro gesticulando e pensando): – Ai, ai, que graças vou dizer a ela? Não sou espirituoso… Minha sorte é que os espirituosos às vezes provam que são uns bobos. E eu, que sou um Bobo, até que sou um homem de juízo. (vendo entrar Olívia com Malvólio, faz grande reverência): – Deus vos abençoe, madona mia. O desaparecido apareceu!

OLÍVIA: – Ora, vamos! És um Bobo sem graça, e já estás ficando malcriado.

BOBO: – Dois defeitos que se consertam com bebida e bons conselhos. Pois se derem a um Bobo a graça de uma bebida, ele não será mais um Bobo sem graça; e se ordenarem ao malcriado que se emende, ele será de novo um bom criado.

OLÍVIA: – Que achas deste tolo, Malvólio? Será que vai custar a se emendar?

MALVÓLIO: – Oh, sim, até que uma doença o sacuda. As doenças, que abatem os sábios, melhoram os tolos.

BOBO: – Que Deus te mande uma doença das mais rápidas, Malvólio, para melhorar tuas tolices.

MARIA (entra): – Está aí na porta um cavalheiro que quer falar com a senhora. E o senhor Tobias foi recebê-lo.

OLÍVIA: – Meu tio? Ah, tira-o já de lá, eu te peço. Meu tio só diz tolices. (Maria sai) – Vai lá, Malvólio! Se o cavalheiro vem da parte do duque Orsino, explica que estou doente e despacha-o. (Malvólio sai) – Quanto a ti, Bobo, bem viste como tuas graças estão fracas.

BOBO: – Fraca é a cabaça que vosso tio tem no lugar da cabeça. Olhai como vem!

TOBIAS (entra e dirige-se ao Bobo): – Olá, imbecil!

OLÍVIA (vendo o tio meio embriagado): – Francamente! Já estás embriagado!

TOBIAS: – Só tomei três tragos. (sai pela outra porta)

BOBO: – Um trago o torna bobo, dois o enlouquecem, três o afogam.

OLÍVIA: – Então corre atrás de um médico, pois meu tio já está no terceiro grau da bebida: afogou-se. (o Bobo sai)

MALVÓLIO (entra): – Senhora condessa, o moço que está no portão jura que há de falar com a senhora. E afirma que ficará diante do portão como um poste para anúncios, mas há de falar com a senhora.

OLÍVIA: – Que espécie de homem ele é?

MALVÓLIO: – Ora, senhora, da espécie humana.

OLÍVIA (suspira diante da resposta e fala zangada): – Malvólio! Quero saber como ele é, que idade tem, como são suas maneiras!

MALVÓLIO: – Maneiras péssimas. Quer ser recebido por bem ou por mal. Não tem idade para ser um homem, nem para ser um menino. É assim como uma vagem antes de ter ervilha. Tem boa aparência e fala bem, mas parece que foi desmamado há pouco tempo.

OLÍVIA (ergue o rosto e as mãos diante da resposta): – Manda-o entrar! Mas, que Maria entre junto! Chama-a para mim! (abaixa seu véu de luto sobre o rosto)

(Maria entra conduzindo Viola e 4 servidores de Orsino. Viola se inclina num grande cumprimento, tirando da cabeça o chapéu que tem uma pena no alto.)

VIOLA: – Radiante e incomparável beleza, sois vós a dona da casa?

OLÍVIA (secamente): – Sim. E soube que foste insolente no portão. Se permiti tua entrada foi mais pela curiosidade de ver-te, que para ouvir-te.

MARIA (para Viola, ironicamente): – O senhor quer levantar âncora? Pela porta?

VIOLA (a Maria): – Não, meu bom grumete, ainda velejarei mais um pouco nestas paragens. (a Olívia): – Senhora condessa, acalmai vosso dragão.

OLÍVIA: – Explica logo o que te traz aqui!

VIOLA: – Sou um mensageiro, com palavras tão pacíficas quanto importantes. Para vossos ouvidos é assunto sagrado, para qualquer outra pessoa, profano.

OLÍVIA: – Maria, deixa-nos a sós e leva esses quatro senhores contigo. Ouvirei essa mensagem sagrada. (saem Maria e os quatro servidores de Orsino)

OLÍVIA (a Viola): – E agora, rapaz, onde está escrito o texto de teu sermão?

VIOLA: – No coração de Orsino.

OLÍVIA: – Esse texto eu já li e não me interessa nem um pouco.

VIOLA: – Deixai-me ver vosso rosto, eu vos peço.

OLÍVIA (ergue o véu): – Mandaram-te aqui para avaliar-me?

VIOLA:
– Sois orgulhosa, e vejo que sois bela.
O meu senhor vos ama. Um tal amor
deveria ser bem recompensado.

OLÍVIA:
– Ah… bem recompensado… E de que forma
ele me ama?

VIOLA: – Com adoração,
com abundantes lágrimas, gemidos
de puro fogo.

OLÍVIA: – Mas o duque Orsino
sabe o que sinto e que não posso amá-lo.

VIOLA:
– Se eu vos amasse assim, com tanta dor,
jamais compreenderia tal recusa.

OLÍVIA:
– E que farias?

VIOLA: – Junto à vossa porta,
eu chamaria aos brados por minha alma
capturada por vós. Escreveria
versos de amor fiel, e os cantaria.
E vosso nome eu bradaria aos montes,
até que o eco respondesse “Olívia!”

OLÍVIA (começando a encantar-se com Viola):
– Farias tanto?… Qual a tua origem?

VIOLA:
– Melhor que minha sorte. Sou fidalgo.

OLÍVIA:
– Pois vai dizer ao duque que não sinto
amor por ele. E vem depois contar-me
como ele recebeu minha resposta.
Adeus! E toma isto. (vai dar-lhe uma moeda)

VIOLA (recusa a moeda): – Não, senhora!
Não sou nenhum correio mercenário.
Adeus, bela cruel! (ele sai)

OLÍVIA (refletindo): – “Qual tua origem?
Melhor que minha sorte. Sou fidalgo…”
Oh, sim, posso jurá-lo! Mas se é pajem…
Que será isso? Que contágio rápido!
Parece que se infiltram em meus olhos
todas as qualidades desse jovem…
Pois que seja! – Malvólio! Vem aqui!

MALVÓLIO (entra):
– Pronto, senhora, para vos servir.

OLÍVIA:
– Corre depressa atrás do mensageiro.
Ele deu-me este anel, que eu recuso.
Se ele vier amanhã, explico tudo.
Corre, Malvólio!

MALVÓLIO (pega o anel): – Sim, minha senhora! (sai)

OLÍVIA:
– Sinto um amor que a mente já rejeita…
Não somos então donos de nós mesmos?
Destino, mostra agora o teu poder.
Que aconteça o que tem de acontecer! (sai)

ZWEITER AKT

Szene 1
À beira-mar.
Capitão Antônio e Sebastião.

ANTÔNIO: – Mas, Sebastião, não queres então que eu vá contigo?

SEBASTIÃO: – Não, capitão Antônio, obrigado. Meu destino funesto poderia prejudicar o teu. E isso seria recompensar mal tua amizade.

ANTÔNIO: – Ao menos me revela para onde vais.

SEBASTIÃO: – Ainda não sei dizer. Meu caro Antônio, tu me salvaste do abismo das ondas na hora do naufrágio, mas não vi mais minha querida irmã gêmea Viola, que estava também no navio. Desgraçadamente, deve ter-se afogado.

ANTÔNIO: – Lamento muito, pelos dois… Não a vi nas ondas. Foi uma infelicidade.

SEBASTIÃO: – Uma jovem tão bela… morta nas águas salgadas do mar. Ah… parece que afogo sua lembrança em lágrimas ainda mais salgadas…

ANTÔNIO: – Deixa-me ser teu servidor, Sebastião, aonde quer que fores.

SEBASTIÃO: – Não, não. Meu coração está cheio de gratidão por ti e, por isso mesmo, adeus! Acho que vou para a corte do duque Orsino. Adeus, amigo! (sai)

ANTÔNIO: – Adeus!…
(consigo mesmo):
– E que as bênçãos divinas te acompanhem!
Há muitos inimigos meus na corte
de Orsino. Porém isso não importa.
Tanto te estimo que vou ter contigo
e verei um esporte no perigo. (sai)

 

Szene 2

Uma rua.
Viola e Malvólio.

MALVÓLIO (segue e alcança Viola que anda pela rua): – Rapaz! Mensageiro do duque Orsino! Não estiveste há pouco em casa da condessa Olívia?

VIOLA: – Sim, agora mesmo.

MALVÓLIO: – Ela te devolve este anel (mostra o anel). E é para voltares amanhã.

VIOLA: – Anel? Que anel? Não aceito este anel!

MALVÓLIO: – Ora, vamos! Ela quer que te seja devolvido. (entrega o anel e sai)

VIOLA:
– Não dei anel algum para a condessa.
Que será que pretende? Oh, tomara
que por mim não se tenha apaixonado!
Olhou-me de tal modo… Pobre dama.
Como acabará isto? Orsino é mesmo
apaixonado por Olívia, e eu
sou mesmo apaixonada por Orsino.
Nada posso esperar do amor de Orsino,
já que preciso, aqui, passar por homem.
Mas sou mulher. E agora a pobre Olívia
a suspirar por mim. Que grande engano!
– Ó tempo, desenreda tudo isto!
Tão apertado nó jamais foi visto! (sai)

Szene 3

Sala em casa de Olívia.
Tobias, André, Bobo, Joana, Maria, Malvólio.

TOBIAS (entra seguido de André): – Entra, André. Não estar na cama depois da meia-noite é levantar cedo, tu sabes.

ANDRÉ: – Não sei, não. Só sei que levantar tarde é levantar tarde.

TOBIAS: – Conclusão errada. Estar de pé depois da meia-noite, e só então ir para a cama, é madrugar. Logo, ir para a cama depois da meia-noite é deitar cedo.

ANDRÉ: – Aí vem o Bobo.

BOBO (entrando, com o tamborim e a baqueta na mão): – Então, camaradas?

TOBIAS: – Bem-vindo, asno! Canta-nos um rondó. Toma lá estas moedas.

ANDRÉ: – De minha parte também. (os dois entregam as moedas)

BOBO: – Quereis uma canção de amor ou coisa mais séria?

TOBIAS: – Canção de amor! Não me interessam coisas sérias.

BOBO (canta e toca o tamborim, enquanto os outros dão volteios de dança):
“Aonde vais, senhora minha?
Vem escutar o teu amor
que canta alto e bem baixinho.
Não vás, meu bem, seja onde for!
Ah, vem beijar-me, companheira!
A mocidade é passageira!”

(Os três repetem alto os dois últimos versos. Entra Joana, puxando Maria.)

JOANA: – Que cantoria de gatos é esta? E se minha senhora acorda? Silêncio!

MALVÓLIO (entra): – Os senhores estão doidos? Fazer tal barulho a esta hora da noite? Não respeitam a casa e a condessa?

TOBIAS: – Respeitamos o compasso de nossa canção, Malvólio. Sai daqui! Não passas de um mordomo. (a Maria): – Um pichel de vinho, Maria!

MALVÓLIO: – Será possível?

MARIA (a Malvólio): – Vai embora, anda, anda! (Malvólio sai)

JOANA (a Tobias e André): – É melhor que os senhores sosseguem por esta noite. Minha ama está muito inquieta, desde a entrevista com o mensageiro do duque.

MARIA: – É verdade. Mas, quanto a Malvólio, ele fica por minha conta. Vou pregar-lhe uma peça que o tornará objeto de caçoada de todos.

TOBIAS: – É um desmancha-prazeres, esse mordomo.

MARIA: – Um asno pretencioso é o que ele é. Pensa despertar sempre paixões à primeira vista. E é nesse seu defeito que estará meu campo de ação.

ANDRÉ: – Que vais fazer?

MARIA: – Deixarei cair por onde ele passa misteriosas cartas de amor. Posso imitar muito bem a letra de minha senhora.

JOANA: – Maria!! Assim, Malvólio vai pensar que ela se apaixonou por ele. (sai pondo as mãos na cabeça)
ANDRÉ: – Ah, será formidável!

MARIA: – Os senhores e mais o Bobo ficarão nos lugares onde ele vai encontrar as cartas. Observem suas reações. Por ora, vamos dormir. Adeus! (sai)

ANDRÉ: – Palavra, é uma boa moça.

TOBIAS: – E me adora. Vamos, vamos, vou esquentar um pouco de xerez. Já é tarde demais para nos deitarmos! (saem)

Szene 4

Sala no palácio do duque Orsino
Orsino e Viola.

ORSINO:
– Cesário, se algum dia tu amares,
recorda-te de mim. Embora sejas
muito jovem, aposto que teus olhos
já pousaram n’alguém de teu agrado,
não é mesmo?

VIOLA: – Confesso-vos que sim.

ORSINO:
– Como ela é?

VIOLA: – Bastante parecida
com o senhor duque.

ORSINO: – Então não te merece.
Que idade tem?

VIOLA: – A vossa, duque Orsino.

ORSINO:
– Então, é muito velha para ti.
Cesário, escolhe alguém da tua idade,
jovem e bela, pois és belo e jovem.
Agora, volta à casa da condessa.
Fala com ela do meu grande amor.

VIOLA:
– E se ela não vos pode amar?

ORSINO: – Cesário,
eu não posso aceitar essa resposta.

VIOLA:
– Não podeis, mas deveis. Imaginai
outra jovem sofrendo assim por vós.
E então vós lhe dizeis: “Infelizmente,
não poderei amar-te.” A pobre jovem
não terá de aceitar vossa resposta?

ORSINO:
– Ah, Cesário, o amor de uma mulher
não pode comparar-se nunca ao meu…

VIOLA:
– Pois eu sei do amor de uma mulher
que apaixonadamente amou um homem,
tal como eu poderia amar o duque,
se eu fosse uma mulher, senhor. E agora,
devo voltar à casa da condessa?

ORSINO:
– Vai, meu Cesário, e leva-lhe esta jóia.
O meu amor não há de desistir
e nenhuma recusa quer ouvir. (saem)

Szene 5

Jardim da casa de Olívia.
Tobias, André e Fabiano; Maria; Malvólio.

TOBIAS (entrando com André e Fabiano): – Vem logo, Fabiano!

FABIANO: – Se eu perder uma migalha desta brincadeira, que me cozinhem em melancolia até a morte!

TOBIAS: – Aí vem nossa diabinha. (a Maria, que entra): – Como vão as coisas, minha urtiga da Índia?

MARIA: – Os senhores fiquem no bosquezinho de buxos. É por ali que Malvólio vem vindo. Ele esteve ao sol por meia hora praticando cortesia com a própria sombra. Observem-no, pois tenho certeza de que esta carta vai transformá-lo num idiota aparvalhado.

(Maria põe a carta no chão e sai. Os três homens se escondem entre arbustos.)

MALVÓLIO (entra, devaneando): – A condessa tem mais consideração por mim do que pelos seus outros servidores. Será que me ama? Tudo é questão de sorte.

TOBIAS: – Que patife presunçoso!

FABIANO: – Quieto, senhor!

MALVÓLIO: – Quem sabe um dia serei o conde Malvólio…

TOBIAS: – Ah, tratante!

ANDRÉ: – Dá-lhe um tiro! Dá-lhe um tiro!

FABIANO: – Silêncio, silêncio!

MALVÓLIO: – Três meses depois de casado, sentado sob o meu dossel…

TOBIAS: – Ah, quem me dera uma funda, para acertar-lhe uma pedra no olho!

MALVÓLIO: – … chamando meus servidores, com meu roupão de veludo, depois de vir do divã, onde deixei Olívia dormindo…

TOBIAS: – Fogo e enxofre!

FABIANO: – Oh, silêncio, silêncio!

MALVÓLIO: – … tomo então uma atitude própria de minha dignidade e mando chamar meu parente Tobias.

TOBIAS: – Ferrolhos e correntes!

FABIANO: – Quieto, quieto! É agora, é agora!

MALVÓLIO: – Tobias se aproxima e me faz uma reverência… (ele imita)

TOBIAS: – Deixarei viva uma criatura dessas?

MALVÓLIO: – … e eu lhe digo: “Tio Tobias, já que a sorte me lançou nos braços de tua sobrinha, dá-me licença de dizer que deves deixar o vício da embriaguez.”

TOBIAS: – Fora, tinhoso!

FABIANO: – Vamos, paciência, ou a nossa conspiração vai por água abaixo.

MALVÓLIO: – “Além disso, tio, desperdiças o tesouro do teu tempo com o imbecil de um cavalheiro…”

ANDRÉ: – Garanto que isso é comigo.

MALVÓLIO: – “… um tal de André.”

ANDRÉ: – Já sabia.

MALVÓLIO: – Que será isto aqui? (pega a carta do chão)

FABIANO: – A galinhola já se aproxima do laço.

MALVÓLIO: – Esta é a letra de minha senhora, não resta a menor dúvida! (lê)
“Eu amo tanto…
Mas a quem?
Lábios, não se abram!
Que não o saiba
ninguém!”
Que vem depois? A cadência é diferente. E se fores tu, Malvólio?

TOBIAS: – Enforca-te, texugo!

MALVÓLIO (lendo): – “M, O, A, I governa minha vida.”

FABIANO: – Enigma bombástico!

TOBIAS: – Excelente menina, repito.

MALVÓLIO (repetindo): – Eme… O… A… I! Todas estas letras estão no meu nome! Calma… Agora vem um trecho em prosa. (lê) “Se esta carta te cair nas mãos, reflete. Não receies minha grandeza. A sorte te abre os braços. Para te ires acostumando, mostra-te insolente com um certo parente e com os criados. Este conselho vem de quem suspira por ti, de quem elogiou tuas meias amarelas e queria ver-te com ligas cruzadas. Se correspondes ao meu amor, sorri sempre em minha presença. Adeus.” Minha senhora ama-me!! Há pouco tempo gabou minhas meias amarelas. Eu sorrirei, eu sorrirei! (sai)

FABIANO: – Eu não trocaria esta brincadeira por uma pensão de mil libras que me desse o soberano da Pérsia.

TOBIAS: – E eu seria até capaz de me casar com Maria.

ANDRÉ: – Aí vem a distinta embromadora.

MARIA: – Agora, se os senhores quiserem ver o resultado da brincadeira, observem a primeira entrevista de Malvólio com a senhora. Irá de meias amarelas, cor que ela detesta, e com ligas cruzadas, moda que odeia. Há de sorrir sem parar, o que, na atual melancolia em que ela se encontra, resultará em mostras de desprezo. Os senhores verão. Sigam-me.

TOBIAS: – Eu te seguirei até as portas do Tártaro, meu excelente diabinho! (*)

ANDRÉ e FABIANO: – Eu também! (saem todos)

………………………………………………………………………………………………………..

(*) – Tártaro: lugar subterrâneo, no fundo dos infernos, onde Júpiter precipitava
aqueles que o ofendiam.

 

TERCEIRO ATO

Szene 1

Jardim de Olívia.
Viola e o Bobo; Tobias e André; Olívia e Joana.

VIOLA (entra e vê o Bobo com o tamborim e a baqueta): – Deus te guarde, amigo, a ti e à tua música. É desse tamborim que tiras teu sustento?

BOBO: – Não, senhor, o que me sustenta é a igreja.

VIOLA: – És eclesiástico?

BOBO: – De modo algum, senhor. Sou sustentado pela igreja porque moro em minha casa, e minha casa é encostada na igreja.

VIOLA: – Desse jeito, também podes dizer que o rei é sustentado por um mendigo, se o mendigo mora junto ao palácio; ou que a igreja é sustentada pelo tamborim, se este estiver encostado nela.

BOBO: – É como dizeis… Em que época vivemos! Uma frase não passa de uma luva: pode logo ser virada do avesso!

VIOLA: – É verdade. Os que sabem jogar com as palavras facilmente as corrompem. Quais as razões que dás para isso, homem?

BOBO: – Não posso dar razão alguma sem me servir de palavras, e elas se corromperam tanto, que me repugna raciocinar com elas.

VIOLA: – Aposto que és um camarada alegre que não se preocupa com nada.

BOBO: – Em sã consciência, não me preocupo convosco. E, se isso quer dizer que não me preocupo com nada, sois invisível.

VIOLA (rindo): – Tu não és o Bobo da senhora Olívia?

BOBO: – Nada disso! Sou apenas seu corruptor de palavras.

VIOLA: – Olha, toma lá estas moedas. (dá-lhe moedas)

BOBO: – Que os deuses, na próxima distribuição de cabelos, vos dêem uma barba!

VIOLA: – Confesso-te que estou louco por uma barba; (à parte) contanto que ela não cresça no meu queixo. (ao Bobo): – Tua senhora está em casa?

BOBO: – Está, sim. Vou avisá-la. (sai)

VIOLA:
– Tem bastante juízo este sujeito
para o papel de Bobo; ele sabe
que gracejo dizer na hora certa.
Um Bobo assim tão sábio vale muito.
Mas um sábio, quando se mostra louco,
o seu engenho vale muito pouco.

TOBIAS (entra com André e fala com Viola): – Deus te guarde, rapaz.

ANDRÉ (a Viola): – Dieu vous garde, monsieur.

VIOLA (tira o chapéu num cumprimento): – Et vous aussi; votre serviteur. (a Olívia, que vem entrando junto com Joana): – Incomparável condessa, que o céu faça chover perfumes sobre vós.

ANDRÉ (ao sr. Tobias): – Que bom cortejador! Chover perfumes… Magnífico!

VIOLA (a Olívia): – Meu assunto, condessa, só tem voz para vossos ouvidos tão propícios e condescendentes.

ANDRÉ (a Tobias): – Propícios… condescendentes… Vou decorar estas palavras para usá-las na primeira ocasião.

OLÍVIA: – Fechai o portão do jardim e deixai-me dar audiência!

(Saem Tobias, André e Joana.)

OLÍVIA (a Viola): – Mensageiro, qual é teu nome?

VIOLA: – O nome de vosso servidor é Cesário, formosa princesa.

OLÍVIA: – Meu servidor? Tu és o servidor do duque Orsino.

VIOLA: – E o duque é vosso servidor; e os servidores dele, portanto, são vossos. O servidor de vosso servidor é vosso servidor, senhora.

OLÍVIA: – Quanto ao duque, nem penso nele.

VIOLA: – Pois eu vim aqui para estimular vossos gentis pensamentos a favor dele.

OLÍVIA:
– Oh, por favor, eu te suplico tanto…
Não me fales de novo sobre o duque.

VIOLA:
– Ah, senhora, eu vos devolvo o anel.

OLÍVIA:
– Eu usei de um ardil tão vergonhoso
para aceitares o que não é teu.
Como julgaste o forte sentimento
que castiga meu peito?

VIOLA: – Eu vos lamento.

OLÍVIA:
– Isto já te situa na metade
do caminho que leva para o amor.

VIOLA:
– Nem na metade do primeiro passo!

OLÍVIA:
– Como são orgulhosos os humildes,
ó céus… Bom jovem, segue teu caminho.

VIOLA:
– Adeus, senhora. Quero que penseis
que não sou o que sou.

OLÍVIA: – Ah, quem me dera
que fosses o que querem meus desejos…

VIOLA:
– Eu tenho sido apenas vosso Bobo.

OLÍVIA:
– Cesário, eu confesso que te amo.
Não me tenhas desprezo nem rancor!

VIOLA:
– Não terei. Mas aqui não vou voltar.

OLÍVIA:
– Ah, volta, sim! Quem sabe, vindo ver-me,
moves teu coração para querer-me. (sai cada um por um lado)

 

Szene 2

Sala em casa de Olívia.
Tobias, André e Fabiano; Maria.

ANDRÉ (entra com Tobias e Fabiano): – Não fico nem mais um minuto. Vi tua sobrinha conversar com o servidor do duque de um modo como jamais conversou comigo. Presenciei isso no jardim agora mesmo.

FABIANO: – E ela vos viu?

ANDRÉ: – Tão claramente como eu te vejo agora.

FABIANO: – Então ela vos deu uma grande prova de amor.

ANDRÉ: – Ora essa! Pensas que sou um asno?

FABIANO: – Provarei o que digo, senhor, com o testemunho do juízo e da razão.

TOBIAS: – Que já eram grandes jurados antes de Noé ser marinheiro.

FABIANO: – Se ela conversou com aquele jovem sob vossos olhos foi só para vos desesperar e despertar vosso ardor. Deveríeis ter chegado perto com ditos espirituosos, tapando assim a boca do rapaz. Era isso que ela esperava de vós…

TOBIAS: – … e não obteve. Agora, André, desafia o pajem do duque para um duelo e fere-o em onze lugares. Num caso de amor, a fama da coragem é tudo. Escreve um recado provocador e breve. Vai, anda! (empurra André, que sai.)

FABIANO (a Tobias): – Eis aí um arremedo de homem que vos é muito caro.

TOBIAS: – Eu é que lhe saí caro, Fabiano, numas duas mil libras pelo menos.

FABIANO: – E entregareis a carta que ele escrever?

TOBIAS: – Não só a entregarei como incitarei o pajem a respondê-la. Por mim, acho que não há cordas que os puxem e os ponham frente a frente. O pajem nada tem de agressivo em sua fisionomia. Quanto a André, se o abrirem e acharem em seu fígado sangue suficiente para embaraçar as pernas de uma pulga, comprometo-me a comer o resto de seu cadáver.

MARIA (entra): – Quem quiser se divertir pode me acompanhar. O simplório do Malvólio calçou meias amarelas.

FABIANO: – E ligas cruzadas?

MARIA: – Medonhas! Cumpriu à risca tudo o que estava na carta. Ao sorrir, faz mais linhas na cara do que as que existem no novo mapa acrescentado das Índias. Garanto que minha senhora vai bater nele.

TOBIAS: – Vamos, vamos! Leva-nos até ele! (saem os três)

 

Szene 3

Uma rua.
Sebastião e Capitão Antônio.

SEBASTIÃO:
– Quisera não te dar transtorno algum;
mas se sentes prazer neste transtorno…

ANTÔNIO:
– Eu não pude deixar-te vir sozinho.
Pensei no que podia suceder-te
viajando em país desconhecido.

SEBASTIÃO:
– Meu bom Antônio, nada sei dizer
senão “muito obrigado”. Que faremos?
Vamos ver as relíquias da cidade?

ANTÔNIO:
– Desculpa, mas com isso eu correria
sério perigo. Tomei parte um dia
num combate naval contra as galeras
do duque. Se me achassem nestas ruas,
eu nem conseguiria defender-me.

SEBASTIÃO:
– Então, cuidado!

ANTÔNIO: – Guarda minha bolsa.
Vou até o subúrbio. No “Elefante”
é onde existem bons alojamentos.
Vai passear por uma boa hora.
Lá eu te espero.

SEBASTIÃO: – E para quê a bolsa?

ANTÔNIO:
– Sei que não tens reserva suficiente
para algum gasto que for necessário.

SEBASTIÃO:
– Então eu guardo a bolsa por agora.

ANTÔNIO:
– Até lá! No “Elefante”! (vai saindo)

SEBASTIÃO: – Em uma hora! (sai por outro lado)

Szene 4

Sala em casa de Olívia.
Olívia e Joana; Malvólio e o criado de Olívia; Tobias e Fabiano; André e Maria.

OLÍVIA (entra pensativa e preocupada, com Joana, e fala consigo mesma):
– Mandei chamar Cesário. Se vier,
de que maneira devo recebê-lo?…
E Malvólio, onde está? Triste e solene,
é o mordomo adequado a este momento.
– Joana, onde anda esse Malvólio?

JOANA: – Vem vindo aí, senhora, mas um tanto esquisito. Não faz outra coisa a não ser sorrir. Com certeza está com uma telha de menos.

OLÍVIA:
– Vai chamá-lo! (Joana sai) Entre a loucura alegre
e a triste a diferença é muito pouca.
Assim como ele, eu também estou louca.

MALVÓLIO (entra atrás de Joana): – Adorável senhora, ho, ho, ho! (rindo)

OLÍVIA: – Estás rindo, Malvólio? Mandei chamar-te num momento triste.

MALVÓLIO: – Triste, senhora? Eu deveria estar triste porque estas ligas cruzadas prendem muito a circulação. Mas, se elas agradam a uma certa pessoa… Ho, ho…

OLÍVIA: – Que é isso, homem, por que estás sorrindo tanto?

MALVÓLIO: – Não há negrume em minha alma, embora haja amarelo em minhas pernas. A carta chegou ao seu destino, e as ordens serão cumpridas.

OLÍVIA: – Carta? Que carta?

MALVÓLIO (citando a carta): – “Não receies minha grandeza… Lembra-te de quem elogiou tuas meias amarelas… e queria ver-te com ligas cruzadas…”

OLÍVIA: – Meias amarelas?! Ligas cruzadas?! É a legítima loucura de verão.

CRIADO DE OLÍVIA (entra): – Senhora, o pajem do duque voltou.

OLÍVIA: – Já vou indo (o criado sai): – Joana, zela por este camarada. Pede a meu tio Tobias que venha cuidar dele! (sai por um lado: Joana põe as mãos na cabeça e sai pelo outro lado.)

MALVÓLIO (consigo mesmo, vendo-se sozinho): – Camarada… Ela não disse mordomo ou Malvólio, mas camarada! E quer que o senhor Tobias cuide de mim! Isso combina com os termos da carta, que me manda ser insolente com ele!

FABIANO (entra com Joana e Tobias): – Aqui está ele! – Como estás, homem?

MALVÓLIO: – Sai da minha frente! Eu te dispenso!

JOANA (a Tobias): – Minha senhora pediu que o senhor cuide dele.

MALVÓLIO: – Ah, ah! Ela pediu isso?

TOBIAS: – Vamos, vamos, filhinho, que é isso? Resiste ao demônio. Lembra-te de que ele é o inimigo da humanidade.

MALVÓLIO (zangadíssimo): – Ora! Sabeis o que estais a dizer?

FABIANO: – Bons modos, bons modos, tolinho! Não fica bem a um homem sério jogar dados com Satanás.

MALVÓLIO: – Afastai-vos de mim, insolentes!

JOANA (a Tobias): – O senhor deve lembrar a ele que faça suas orações!

MALVÓLIO (avançando para Joana): – Minhas orações, sua descarada?

JOANA (apavorada, foge da sala): – Oh, ele não quer saber de coisas santas…

MALVÓLIO: – Sois todos fúteis. Não me misturo convosco! (sai)

TOBIAS: – O veneno da brincadeira contaminou-o até o fundo da alma. Mas, quem vem vindo aí?

ANDRÉ (entra seguido de Maria): – Eis a carta de desafio. Mais insolente impossível. Contém vinagre e pimenta. Lê!

TOBIAS (lê a carta): – Eu a entregarei.

MARIA: – O pajem do duque está lá no jardim, conversando com minha senhora.

TOBIAS: – Vai, André. Assim que o vires, deves praguejar horrivelmente.

ANDRÉ: – Ninguém pragueja melhor que eu! (sai entusiasmado)

TOBIAS: – Eu é que não vou entregar esta carta. O pajem é inteligente e educado. Esta carta, reveladora de tamanha ignorância, não lhe dará medo algum. Ele verá logo que provém de um estúpido.

FABIANO: – E se transmitirdes o desafio verbalmente, com palavras terríveis?

TOBIAS: – Muito boa idéia. Assim os dois ficarão apavorados um com o outro de tal modo, que se matarão com o olhar, como basiliscos (*). (sai com Fabiano)

Szene 5

Jardim de Olívia.
Olívia, Viola: Tobias, Fabiano; André; capitão Antônio; dois guardas.

OLÍVIA (a Viola):
– Já disse muito a um coração de pedra.

VIOLA:
– Meu senhor sofre tanto quanto vós.

(*) – Basilisco: réptil fantástico, capaz de matar só com o olhos.

OLÍVIA:
– Eu te dou esta jóia de lembrança.
Usa-a, pois contém o meu retrato.
Volta amanhã! E agora, adeus! (ela sai do jardim)

VIOLA: – Adeus!

TOBIAS (entra com Fabiano e diz a Viola): – Cavalheiro, Deus te guarde.

VIOLA: – E a vós também. Tendes algo a me dizer?

TOBIAS: – Sim. Não sei quais as injúrias que fizeste ao senhor André. Ele, porém, cheio de ódio e sedento de sangue como um caçador, espera-te no fim do jardim. Tira da espada e fica em guarda, porque ele é rápido, ágil e mortal.

VIOLA (estranhando): – Estais enganado. Sei que não ofendi ninguém.

TOBIAS: – Vais convencer-te do contrário. O senhor André já separou três almas de três corpos. Matar ou morrer, eis seu lema.

VIOLA: – Tudo isso é muito estranho. Peço-vos o grande obséquio de indagar desse senhor André em que o ofendi. Não deve ter sido nada proposital.

TOBIAS: – Vou fazer o que pedes. – Signior Fabiano, fica junto deste cavalheiro até que eu volte! (vai para junto da porta da casa, onde está André.)

VIOLA (a Fabiano): – Por favor, rapaz, sabes alguma coisa a esse respeito?

FABIANO: – Sei que o cavalheiro está furioso a ponto de querer um duelo de morte. Se estiver ao meu alcance, posso tentar uma reconciliação.

VIOLA: – Eu te ficaria muito grato. (saem os dois para a rua pelo portão do jardim)

TOBIAS (fala com André): – Sim, homem, aquilo é um verdadeiro demônio. Dizem que foi mestre de esgrima do soberano da Pérsia.

ANDRÉ: – Nesse caso, longe de mim esgrimir com ele!

TOBIAS: – É, mas agora, ele é que não fará as pazes. Fabiano está lá e mal consegue contê-lo.

ANDRÉ: – Se eu soubesse, não o teria desafiado. Que ele deixe as coisas como estão, e eu lhe darei meu cavalo Capileto. (fica na entrada do jardim)

TOBIAS (vai aonde estão os outros dois e fala à parte com Fabiano): – Deu-me o cavalo para que eu harmonize as coisas. Eu o convenci de que o rapaz é um demônio.

FABIANO (à parte para Tobias): – O rapaz também faz uma idéia terrível dele. Está tão pálido como se tivesse um urso em seu encalço.

TOBIAS (dirige-se a Viola): – Senhor, ele jurou bater-se contigo, mas promete não te ferir. Por isso, puxa da espada apenas para que ele cumpra o juramento.

VIOLA (consigo mesma): – Que Deus me proteja!

TOBIAS (volta a André): – Vamos, André. Por uma questão de honra, o rapaz quer cruzar espadas contigo, mas promete não te ferir. Avança, pois!

(Neste momento, passa o capitão Antônio pela rua e vê que um cavalheiro vai cruzar espadas com Viola, que ele pensa que é Sebastião.)

ANTÔNIO (a André):
– Guarda já essa espada! Se este jovem
te fez alguma ofensa, assumo a culpa;
mas se a ofensa é tua, eu desafio-te!

TOBIAS: – Mas… mas quem és, assim sem mais nem menos?

ANTÔNIO:
– Alguém que, por afeto a este jovem,
fará tudo por ele.

TOBIAS: – Se tomas a teu cargo a briga alheia, então estou eu às tuas ordens. (puxam ambos da espada)

VIOLA: – Senhores, eu vos peço, guardai vossas espadas.

FABIANO: – Meu bom senhor Tobias, vêm vindo aí dois guardas!

1º GUARDA (para o segundo, apontando para Antônio): – É este o homem. Cumpre teu dever.

2º GUARDA: – Capitão Antônio, prendo-te em nome do duque Orsino.

ANTÔNIO:
– Obedeço. (a Viola): – Mas isto aconteceu
de tanto procurar-te. Devo ir.
Que farás? A situação me obriga
a te pedir de volta minha bolsa.
Pareces assombrado! Tem coragem!

2º GUARDA: – Vamos logo, senhor!

ANTÔNIO (insiste com Viola):
– Eu rogo que me dês ao menos parte
do dinheiro.

VIOLA: – Senhor, mas que dinheiro?!
Pela bondade com que me ajudastes,
empresto meu dinheiro. Eu pouco tenho,
mas reparto convosco.

ANTÔNIO: – Sebastião,
negas me conhecer? Será possível?

VIOLA:
– Não me lembro de ter-vos conhecido.

ANTÔNIO:
- Oh Gott!

2º GUARDA: – Senhor, senhor, depressa, vamos!

ANTÔNIO (aos guardas):
– Este rapaz, eu o salvei da morte.
Parecia ser jovem tão honrado,
que fez com que eu lhe fosse devotado.

1º GUARDA:
– Que temos nós com isso? O tempo passa. (vão saindo os três)

VIOLA (consigo mesma):
– Antônio nomeou Sebastião.
Olho no espelho e vejo meu irmão.
Nossos rostos são mais que parecidos,
e eu imitei seu traje no tecido
e na cor. Ah, se isso for verdade,
bondoso é o mar, bondosa a tempestade!
– Oh, tomara que eu tenha mesmo sido
confundida contigo, irmão querido! (sai por outro lado)

TOBIAS: – O rapaz renegou seu próprio amigo. É mais covarde que uma lebre.

FABIANO: – Hum… Professa a covardia religiosamente.

ANDRÉ: – Ora! Vou atrás dele e dou-lhe uma surra! (vai saindo)

TOBIAS: – Pois vai! Dá-lhe umas bofetadas, mas não puxes da espada!

FABIANO: – Vamos ver no que vai dar tudo isso. (saem os dois)

 

QUARTO ATO

Szene 1

Rua em frente à casa de Olívia.
Sebastião e o Bobo; André; Tobias; Olívia.

BOBO (entra atrás de Sebastião): – Então quereis convencer-me de que não fui mandado aqui para vos buscar?

SEBASTIÃO: – Ora, vamos, sai de minha frente! Pareces bobo.

BOBO: – Bem respondido, não há dúvida. Quer dizer que não vos conheço, que minha senhora não me enviou até aqui para dizer que fôsseis falar com ela, que vosso nome não é Cesário, que meu nariz não é meu nariz. Tudo que é não é!

SEBASTIÃO: – Por obséquio, descarrega tua doidice em outra parte.

BOBO: – Descarregar minha doidice! Então, por obséquio, o que devo descarregar em minha senhora? Descarrego-lhe que ireis até lá?

SEBASTIÃO: – Por obséquio, mais uma vez, vai-te embora. Toma este dinheiro. Se demoras, dou-te pagamento pior.

BOBO: – Palavra, que tendes a mão aberta.

(O Bobo vai sair, quando chega André; Tobias e Fabiano vêm logo atrás.)

ANDRÉ (a Sebastião): – Então, encontro-te de novo? Pois isto é para ti! (dá-lhe uma bofetada)

SEBASTIÃO (revidando com três): – Ah, é? E isto é para ti, e mais isto e mais isto! Será que todo mundo aqui é louco?

TOBIAS (chega): – Pára, ou eu atiro com tua espada para cima daquele telhado.

BOBO (saindo): – Vou correndo avisar minha senhora!

SEBASTIÃO (a Tobias): – Se pretendes desafiar-me, puxa da espada!

TOBIAS (puxa da espada): – Pelo visto, vou ter de tirar um pouco do teu sangue!

OLÍVIA (entrando): – Pára, meu tio, eu o ordeno! Onde deixaste as boas maneiras?

TOBIAS: – Minha sobrinha!

OLÍVIA: – Fora de minha vista todos três! (saem Tobias, André e Fabiano)
(a Sebastião): – Meu querido Cesário, não te ofendas.
Vem até minha casa, meu amor.

SEBASTIÃO (consigo mesmo):
– Que é isto? Para onde sopra o vento?
Isto é loucura ou sonho de um momento?
Vem, fantasia, podes me iludir.
Se estou sonhando, deixa-me dormir! (segue atrás de Olívia).

 

Szene 2
Casa de Olívia. Quarto escuro num canto.
Bobo e Malvólio.

(Malvólio está no quarto escuro. O Bobo passa por fora. Canta e toca o tamborim.)

BOBO (entra cantando):
“Ah, Robim, lindo Robim,
como passa tua dama?
Conta para mim!

A dama me maltrata;
ah, por que, por que será?
A outro ela ama,
porém jamais confessará!

Porém assim não há de ser;
as damas são leais.
E ela me quer bem
e não me deixa nunca mais!”

MALVÓLIO (chama): – Bobo! Bobo! Bobo!

BOBO: – Quem está chamando?

MALVÓLIO: – Bondoso Bobo, ajuda-me!

BOBO: – É o Malvólio?

MALVÓLIO: – Sou eu mesmo!

BOBO: – Malvólio… como chegaste a ficar fora de teus cinco sentidos?

MALVÓLIO: – Bobo, eu fui injuriado. E estou em plena posse de meus sentidos, assim como tu.

BOBO: – Como eu? Se não tens mais juízo que um Bobo, estás doido de verdade.

MALVÓLIO: – Eles me prenderam aqui no escuro.

BOBO: – A única escuridão é a ignorância, e nela estás mais enredado que os egípcios na praga das trevas.

MALVÓLIO: – Pois eu digo que este quarto é tão escuro quanto a ignorância, e que eles fazem o que podem para me convencer de que estou doido.

BOBO: – Hum… E se me vêem a falar contigo serei repreendido, com certeza.

MALVÓLIO: – Bondoso Bobo, ajuda-me! Traze-me luz, papel, pena e tinta, e eu te ficarei grato por toda a vida!

BOBO: – Está bem. Vou trazer o que me pedes.

MALVÓLIO: – Muito obrigado, Bobo. Eu te recompensarei generosamente.

BOBO (canta e depois sai):
“Vou de partida,
mas volto em seguida,
volto em seguida,
meu senhor.

Como o bufão,
o antigo bufão,
eu estendo minha mão
em vosso favor.”

Szene 3
Jardim de Olívia.
Sebastião, Olívia; um sacerdote

SEBASTIÃO (entrando no jardim):
– Esta pérola foi presente dela;
posso vê-la e tocá-la, mas embora
seja assombroso tudo o que me envolve,
não é loucura. E onde andará Antônio?
Não o vi no ”Elefante”, mas disseram-me
que foi lá e saiu em minha busca.
Quem me dera um conselho seu agora…
Porque esta virada do destino
me ultrapassa demais o raciocínio.
É tudo tão confuso… Ela vem vindo!

OLÍVIA (entra com um sacerdote):
– Não me censures esta impaciência.
Se tens boa intenção, vem à capela
junto comigo e com este santo homem:
confirma que me tens real amor,
a fim de que minha alma viva em paz.
O sacerdote manterá segredo
do compromisso, até o dia certo
de celebrar o nosso casamento
Que me dizes?

SEBASTIÃO: – Eu seguirei contigo.
E, depois de jurar, minha querida,
serei fiel a ti por toda a vida. (saem os três)

QUINTO ATO

Cena Única

Rua em frente à casa de Olívia.
Bobo e Fabiano; duque Orsino, Viola e comitiva; os dois guardas e Antônio; Olívia e o sacerdote; André; Tobias; Sebastião; Malvólio.

(O Bobo entra com a carta de Malvólio na mão. Vem seguido de Fabiano, que faz gestos de quem quer ler a carta, mas o Bobo recusa.)

ORSINO (entra com Viola e comitiva e fala com o Bobo): – Eu te conheço. Como vais passando?

BOBO: – Para ser franco, senhor, vou muito bem por causa de meus inimigos e muito mal por causa de meus amigos.

ORSINO: – É o contrário: muito bem por causa de teus amigos.

BOBO: – Não, senhor, muito mal. Os amigos me elogiam e fazem de mim um asno; ao passo que meus inimigos dizem abertamente que sou um asno. Com eles é que aprendo a me conhecer, ao passo que com meus amigos vivo enganado.

ORSINO: – Sim, senhor! Excelente! Aqui estão umas moedas para ti. E se avisares tua senhora que estou aqui, serei ainda mais liberal.

BOBO: – Oh, sim, meu senhor!

(O Bobo sai depressa. Por outro lado, entra o capitão Antônio com os guardas.)

VIOLA (a Orsino): – Olhai, senhor! Aí vem o homem que me socorreu.

ORSINO:
– Esse é Antônio, eu me lembro bem.
Ele era o capitão de um barco frágil,
e no entanto abordou com tanta fúria
o navio melhor de nossa frota,
que a própria Inveja e as vozes dos vencidos
gritaram “Honra!” e “Glória!” para ele.
Que aconteceu?

1º GUARDA: – Nós o reconhecemos,
metido numa briga, e o prendemos.

VIOLA:
– Senhor, ele me fez favor tão grande…
Puxou da espada para defender-me.
Mas depois me falou de modo estranho.
Eu não sei, talvez fosse um desvario.

ORSINO:
– Que aconteceu, valente bandoleiro?

ANTÔNIO:
– Nobre senhor Orsino, perdoai,
mas eu rejeito o nome que me destes.
Nunca fui bandoleiro, embora tenha
me transformado em inimigo vosso
por azares da sorte. E a mesma sorte
também me trouxe aqui. Este rapaz
tão ingrato, que está ao vosso lado,
eu o salvei das águas num naufrágio.
E, por servi-lo, fui logo apanhado
por vossos guardas. E assim fui preso.
Este rapaz negou me conhecer
e nem sequer quis devolver-me a bolsa
que eu lhe emprestara meia hora antes.

ORSINO:
– Quando chegaste aqui?

ANTÔNIO: – Hoje, senhor.

ORSINO:
– Então não tem sentido o que disseste,
pois faz três meses que o rapaz me serve. (ele vê Olívia entrar)
Mais tarde falaremos sobre o caso.
Vem chegando a condessa, ah, vem chegando!
Agora o céu caminha sobre a terra.

OLÍVIA (a Viola):
– Cesário, não cumpriste o juramento!

VIOLA:
– Minha senhora, o duque quer falar-vos.

ORSINO:
– Ó graciosa, esplendorosa Olívia…

OLÍVIA:
– Vens com essa toada costumeira?

ORSINO:
– Serás sempre cruel?

OLÍVIA: – Sempre sincera.

ORSINO:
– Pois eu sei quem usurpa o meu lugar,
sei que amas o pajem que eu estimo
– e deste afeto o céu é testemunha.
Porém hei de mandar matá-lo hoje.
O cordeiro querido eu sacrifico
para ferir um coração de corvo
que reside no peito de uma pomba. (vai sair)

VIOLA:
– E eu, de boa vontade, prontamente,
morro feliz para vos ver contente.

OLÍVIA:
– Aonde vais, Cesário?

VIOLA: – Atrás de quem
amo como não amo a mais ninguém.

OLÍVIA:
– Mas… há pouco fizeste uma promessa,
ah, Cesário, meu noivo, me responde!

ORSINO:
– És seu noivo, tratante?

VIOLA: – Eu, não, senhor!

OLÍVIA (vendo entrar o sacerdote):
– Bem-vindo sejas, santo homem. Peço-te
que lhes reveles o que se passou
entre mim e esse jovem que aí está!

SACERDOTE:
– Um contrato de eterna união de amor,
pela troca de anéis fortalecido,
e selado por mim, no cumprimento
da sagrada função de sacerdote.

ORSINO:
– Animalzinho falso, vai com ela!

VIOLA:
– Ah, senhor, eu protesto. Nada sei
de contrato, de anel, de juramento.

ANDRÉ (entrando afobado): – Um cirurgião, depressa! E mandai outro a Tobias!

OLÍVIA: – Que aconteceu?

ANDRÉ: – Ele abriu uma brecha em minha cabeça e deixou uma crista sangrenta na cabeça de Tobias. Por favor, ajudai-me.

OLÍVIA: – Mas quem fez isso, senhor André?

ANDRÉ: – O pajem do duque, um tal de Cesário. Pensamos que ele fosse um covarde, mas é o próprio diabo em figura de gente.

ORSINO: – Meu pajem Cesário?

ANDRÉ (apontando para Viola): – Ah, estás aí! Quebraste minha cabeça sem motivo. E tudo o que fiz foi por instigação de Tobias.

VIOLA: – Falas comigo? Mas, nunca te feri!

ANDRÉ: – E esta crista sangrenta em minha cabeça? (Tobias vem entrando amparado pelo Bobo e cambaleando). Mas aí vem Tobias.

ORSINO (a Tobias): – Que foi isso, cavalheiro?

TOBIAS (quase desfalecendo, apontando Viola): – Ele me feriu.

OLÍVIA (ao Bobo): – Leva-o para a cama, Bobo, e que alguém cuide dos dois.

(Saem o Bobo, com Tobias e André. Entra Sebastião.)

SEBASTIÃO (para Olívia):
– Querida, sinto muito ter ferido
teu parente e o amigo. Mas tu olhas
de modo estranho para mim agora.
Eu não queria te magoar. Perdoa-me
em nome da promessa que trocamos
há pouco tempo atrás.

ORSINO: – O mesmo rosto,
o mesmo traje… mas eles são dois!
Como a imagem no espelho. É e não é.

SEBASTIÃO (vendo ali Antônio):
– Antônio! É o capitão Antônio!
Sofri tanto por me perder de ti! (devolve-lhe a bolsa)

ANTÔNIO:
– Então és tu o jovem Sebastião?!
Mas, dividido em dois? Duas metades
de uma mesma maçã? Quem será quem?

SEBASTIÃO (vendo Viola):
– Nunca tive um irmão. Quem és, então?
Minha única irmã foi devorada
pelas ondas de um mar enfurecido.
Por caridade, qual é o teu nome?

VIOLA:
– Meu irmão, sou Viola. As circunstâncias
me levaram a usar este disfarce
masculino. Ah, meu irmão querido! (eles se abraçam)
O contramestre me salvou do mar.
Graças a ele, fui servir ao duque.

SEBASTIÃO (a Olívia):
– Minha querida, então tu te enganaste.
Mas eu não me enganei, porque te entrego
um coração que nunca foi tocado. (os dois se dão as mãos)

ORSINO (a Viola):
– Cesário, tu disseste umas mil vezes
que jamais amarias uma jovem
tanto quanto me amas.

VIOLA: – O que eu disse
posso jurar. E no meu coração
guardarei fielmente o juramento.

ORSINO:
– Quero ver-te com trajes femininos.

VIOLA:
– Estão na casa desse contramestre.
Ele, porém, não sei porque, foi preso.
O mordomo Malvólio, falsamente,
o acusou.

OLÍVIA: – Pois mandarei soltá-lo! (entra o Bobo com a carta e Fabiano atrás, sempre querendo lê-la; ela se dirige ao Bobo):
– Como passa Malvólio, seu maroto?
Ainda está perturbado?

BOBO: – Nem um pouco.
E escreveu esta carta para vós.

OLÍVIA:
– Pois abre e lê!

BOBO: – Não é muito sensato
um bobo ler a carta de um maluco.

OLÍVIA (a Fabiano):
– Pois então, Fabiano pode lê-la.

FABIANO (suspira de alegria e enfim lê): – “Senhora, apesar de me terdes trancado no escuro, entregue à guarda de vosso ébrio tio, estou senhor dos meus sentidos tanto quanto vós. Tenho comigo vossa carta, com a qual me induzistes a fazer o papel que fiz. Pensai de mim o que quiserdes, mas sinto-me injuriado. Malvólio, a quem tratam como louco.”

OLÍVIA: – Isso não me cheira muito a loucura. Vai, Bobo, vai soltar Malvólio e traze-o aqui. (O Bobo sai. Olívia dirige-se a Orsino):
– Senhor, depois de tudo resolvido,
considera-me irmã, em vez de esposa.
Festejemos a dupla cerimônia
no mesmo dia.

ORSINO: – Aceito vossa oferta. (a Viola):
– Viola, tu não és mais o meu pajem.
E, já que me chamaste de “senhor”
por tanto tempo, dou-te minha mão.
A partir deste dia, és a senhora
de teu senhor.

OLÍVIA (a Viola): – E és minha irmã, agora! (vê entrar o Bobo com seu tamborim, trazendo Malvólio, e fala com este):
– Malvólio, e então?

MALVÓLIO: – E então? Lede
a carta que escrevestes para mim!
Negais que ela provém de vossa mão?
podeis negar que a letra não é vossa?

OLÍVIA (lendo):
– Ah, Malvólio, esta letra não é minha,
embora seja muito parecida.
É letra de Maria!! Tranqüiliza-te.
Foi uma brincadeira de mau gosto,
mas quando eu descobrir os seus autores,
serás juiz em tua própria causa.

FABIANO (apressado e aflito): – Ah, boa senhora, não deixeis que a discórdia obscureça este momento! Confesso que eu e o senhor Tobias armamos esta intriga contra Malvólio, a fim de nos vingarmos de implicâncias dele para conosco. Foi Maria quem escreveu a tal carta, por influência do senhor Tobias. Por causa disso, ele resolveu casar-se com ela. A brincadeira, embora um tanto pesada, é para causar sorrisos e não discórdia. Se levarmos em conta as ofensas feitas de lado a lado, os pratos da balança se equilibram.

OLÍVIA:
– Malvólio, deverás fazer as pazes.
Eles desculpam tuas implicâncias.
Perdoa a todos eles!

MALVÓLIO (com um gesto de desalento): – Eu perdôo.

ORSINO:
– Vamos logo soltar o contramestre!
Depois, então, Viola, amada noiva,
celebraremos duas uniões,
unindo assim os nossos corações.

(Saem os dois casais por um lado, e os outros pelo outro. Fica em cena o Bobo.)

EPÍLOGO

BOBO (canta):
“Quando eu era menino ao vento,
como chovia, chovia!
Toda loucura virava brinquedo,
pois todo dia chovia.

Mas, depois eu encorpei,
e um homem eu me tornei,
como chovia, chovia.

Este mundo já faz tempo que começou,
como chovia, chovia.
Não importa mais: a peça já terminou.
Haveis de rir todo o dia.”

 

ENDE

 

Sobre a escolha da peça

Para escolher uma peça com objetivo pedagógico, estude bem que tipo de vivência seria mais importante para fortalecer o amadurecimento de seus alunos. Será um drama ou uma comédia, por exemplo. No caso de um musical, é importante que a classe seja musical, que a maioria dos alunos toquem instrumentos e/ou cantem. Analise também o número de personagens da peça para ver se é adequado ao número de alunos.

Enviamos o texto completo em PDF de uma peça gratuitamente, para escolas Waldorf e escolas públicas, assim como as respectivas partituras musicais, se houver. Acima disso, cobramos uma colaboração de R$ 50,00 por peça. Para outras instituições condições a combinar.

A escola deve solicitar pelo email [email protected], informando o nome da instituição, endereço completo, dados para contato e nome do responsável pelo trabalho.

 

 

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