April 14, 2020

A Chinese Legend

 

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Autor: Albrecht Haushofer

Adaptação em português e versos de Ruth Salles

Desenho de aluna do 9° ano da Escola Municipal Araucária – Camanducaia MG

GRADES

Esta peça foi apresentada pela primeira vez em Gottingen, cidade universitária da Alemanha. Seu autor, o doutor Albrecht Haushofer, nasceu em Munique, a 7 de Janeiro de 1903. Tendo exercido o cargo de professor de Geopolítica na Universidade de Berlim, era considerado pessoa de espírito aberto para o mundo e grande conhecedor da cultura de povos antigos, sendo especialmente sensível à cultura oriental. Paralelamente a esta peça, escreveu trabalhos científicos e dramas políticos. Condenado pelo governo nazista foi morto em Berlim no dia 23 de Abril de 1945. A primeira edição desta peça, “Uma Lenda Chinesa”, saiu justamente no dia do quarto aniversário de sua morte. Os versos em português foram escritos graças à tradução em prosa de Eleonore Pollklaesner (Lori), professora da classe. Essa tradução, por sua vez, foi feita a partir de uma adaptação já realizada pela professora Vally Bauer-Zuber, para uma classe de 8º ano.

A música da primeira canção é chinesa, apenas levemente modificada por causa dos versos em português. As outras eu as escrevi na escala pentatônica, com ajuda da professora Mechthild Vargas (Meca). Os arranjos para orquestra ficaram a cargo do professor de música que se ocupou da peça, Luiz Fernando Netto A.S. Sahd. De seu álbum de músicas chinesas, que ele gentilmente nos emprestou, é que tiramos a música da primeira canção.

Ainda cabe dizer que esta versão da peça de Albrecht Haushofer em português é ligeiramente menor que a adaptação de Vally Bauer-Zuber, e que a peça digitada em 2018 ainda passou por uma diminuição e mudança de alguns versos em prosa.

Ruth Salles

CHARACTERS

– Monge
– Discípulo do Templo
– Lavrador
– Pintor
– Taberneiro
– Funcionário da Corte
– Poeta Li
– 1ª Pérola da Corte
– Moça
– 2ª Pérola da Corte
– 1º Barqueiro
– 3ª Pérola da Corte
– 2º Barqueiro
– Grande Khan dos mongóis
– 3º Barqueiro
– Chefe dos Guerrilheiros chineses
– Arauto
– Censor Kung
– Guerrilheiros chineses
– Imperador
– Servidores da corte
– Imperatriz, sua mãe
– Dignitários
– Mestre de cerimônia
– Homens armados da Corte
– Ministro da Corte
– Homens armados mongóis
– Grande Chanceler
– Aldeões

 

CENA I

Uma taberna aberta, circundada por árvores, num lugar onde o canal imperial forma um alargamento. É noite. Lampiões iluminam a taberna, e lampiões iluminam os barcos que passam. Em volta de uma mesa estão sentados o monge, o lavrador, o taberneiro, o poeta e a moça. O poeta toca uma flauta. A moça escuta a seu lado.

ARAUTO (visto só da cintura para cima remando a barca):
Abri passagem para o Censor Kung!
Ó homens, ele vai até Pequim.
Ante o trono do céu dará conselhos
em benefício da Terra Amarela.

(Os homens, menos o poeta, levantam-se)

POETA: Por que vos importais com o Censor? Olhai o fruto que caiu da árvore! Só uma semente vale muitos homens!

(O poeta apanha o grão e o observa. A barca do arauto passa devagar.)

ARAUTO: Abri passagem para o Censor Kung!
Ó homens, ele vai até Pequim.
Ante o trono do céu dará conselhos
em benefício da Terra Amarela.

TABERNEIRO (ao arauto): Os filhos desta terra então imploram que o sábio Kung veja nossa penúria!

ARAUTO: O Censor sabe, ouviu o que disseste.
Ele já se cobriu de seda negra.

(A barca do arauto continua passando e vai sumindo.)

POETA: A semente de um fruto pouco pesa, e toda a vida passa através dela. No menor grão está contido o mundo. (Joga o grão longe.)

POETA (à moça): O grão, um passarinho o apanhou. Ele canta, querida, estás ouvindo? É muito raro ele cantar à noite. A voz flutua lá nas nuvens altas, de onde nos anuncia a boa chuva, e a boa chuva traz o novo fruto.

(Passa uma grande barca fechada e forrada de preto.)

LAVRADOR: (atirando-se de joelhos): Ó Censor Kung, tem compaixão de nós! A terra já está seca há tanto tempo! Foi-se a colheita que nutre nossos filhos. Os homens não respeitam mais as leis. Os bárbaros já surgem das estepes. Tu tens de nos ouvir, ó sábio Pai! O Imperador já não nos ouve mais.

MONGE: Sossegai, pois o velho Pai já sabe!

POETA: (tornando-se atento): Ele escutou. Eu vejo-o pensativo. Vai apresentar-se ante o trono imperial. Um grão de areia no vasto mundo, como todos nós. (A barca do Censor desaparece.) Apaga a luz! Assim, no vinho claro, veremos desenhada a velha lua! O reflexo de um mundo beberemos!

(Apagam-se os lampiões, os homens se sentam.)

POETA (canta): “Nuvem de prata que a lua abraça
tal como um véu de amor…
Campo de prata suspenso n’água
a esperar pela flor…”

(Interrompe-se; toca um pouco a flauta. A moça olha-o, quieta.)

LAVRADOR: (para o taberneiro): Qual a última vez em que o Censor foi visto passar aqui?

TABERNEIRO: Exatamente há um ano. Com certeza, hoje o Imperador o chamou.

MONGE: E a seda negra e o seu silêncio mostram-vos o caminho.

POETA: Não sabemos os passos, muito menos o caminho!

MONGE: Não acha os passos quem não tem caminho!

POETA: Quem o procura perde-se no mundo!

MONGE: Quem não se perde… nunca encontra a meta!

POETA: Ora… Aproveitai as dádivas do mundo! (recosta para trás e bebe.)

MONGE: Hoje, no Império da Terra Amarela, só o Censor está autorizado a se dirigir ao Supremo Filho do Céu e a lhe dizer a verdade como ele a considera. Ninguém mais pode estar ali presente. O Supremo só deve acreditar no Censor.

TABERNEIRO: Quando um funcionário oprime seus subalternos, quando um general não paga o soldo às tropas, quando um ministro rouba seu Tesouro, e um príncipe se torna um assassino, quando o povo já nem se atreve a nada…

LAVRADOR: É então que o Censor pode falar?

MONGE: Ele tem de falar! É necessário!

TABERNEIRO: Esse, que dá um basta à injustiça, deve ser bem feliz!

POETA: És muito tolo! O que ele tem de ser é insensível!

MONGE: Não é fácil chegar a esse alto cargo.

LAVRADOR: É preciso ter muita abnegação.

TABERNEIRO: Quem chega a ser Censor aos sessenta anos – pois mais jovem ele não pode ser – se tem esposa, filhos, bens, irmãos, não pode olhá-los como sendo seus!

LAVRADOR: Quem sustenta o Censor?

TABERNEIRO: Ah, é o Estado. Dá-lhe vestes e dá-lhe chá e arroz.

LAVRADOR: Quem escolhe o Censor? O Imperador?

TABERNEIRO: Não! Aos setenta anos ele abdica e passa o cargo. Escolhe seu herdeiro entre poucas pessoas bem testadas, que ainda passam por derradeira prova: um voto de silêncio por um ano.

MOÇA: Que significa aquela seda negra?

TABERNEIRO (inseguro): Acho que é uma audiência especial ante o Filho do Céu.
Moça: Mas que acontece quando o Filho do Céu não se convence ante o sábio conselho?

TABERNEIRO Se o Supremo não escuta o conselho do Censor, nem quando os dignitários testemunham, um extremo dever resta ao Censor: pôr fim à vida nessa mesma noite.

MONGE: E, com a seda negra, ele anuncia que já está mergulhado em sua morte.

POETA (à moça): Estás contente, ouvindo o que faltava?
“No mundo da sombra,
caminha uma sombra,
numa trilha escura,
para a meta escura.”

Tu sonhas com o caminho do Censor?

(A moça levanta-se numa agitação visionária. O monge e o poeta observam-na assustados.)

Moça: Eu vejo o Imperador, em seu salão, sentado no seu trono de mármore…

POETA: (em voz baixa, impressionado): Tu vês o Imperador?

MOÇA (assustada e visionária ao mesmo tempo): Sim, eu o vejo com seu traje de seda de ouro escuro, o cetro de trovão e aquele cálice da flor de lótus… Não! Não quero ver! Falai agora, para que eu esqueça esta visão!

MONGE: (calmo e com a maior ênfase, ao mesmo tempo): Essa visão jamais esquecerás!

ARAUTO (passando lentamente pelo canal):

A Imperatriz da púrpura da tarde,
a quem coube o cuidado maternal
com o Filho do Céu, Suprema Alteza,
avisa o povo da Terra Amarela:
O grande sábio, o grande Censor Kung
anunciou-lhe que, para deter
a miséria do Império, é necessário
o seguinte milagre: se uma moça
passou pela profunda correnteza
do amor e preservou sua pureza
no coração, então toda a miséria
tão grande poderá ser transformada.
À Imperatriz da púrpura da tarde
também foi dado ainda este conselho:
que torne o povo todo sabedor
deste aviso. E o aviso já foi dado.
(O arauto segue adiante.)

TABERNEIRO: Quem quer que espere que um milagre desses aconteça só pode ser um bobo.

POETA: E vai esperar em vão.

LAVRADOR: Nossa Terra Amarela há de livrar-se da miséria!

MONGE: Então rezai! Rezai para que esse milagre se produza!

POETA: E tu, moça?

MOÇA (baixinho): Eu só sei do que eu preciso.

 

CENA II

A taberna, de manhã cedo. O monge está sozinho, em profunda meditação. Aparece a moça, sem ver o monge.)

MOÇA (ao poeta, que dorme): Ainda queria uma palavra tua, que fosse suave, para a despedida. Mas preciso apressar-me. Ouço vozes na luz suave. Um ruído! Bate um remo. Lá vem a barca que me levará.

1º BARQUEIRO: (cantando, de início sem ser visto):
“Sabemos da noite, sabemos do dia,
pois sempre vogamos no mesmo caminho…
As águas diluem cuidados vazios…”
(Passa devagar uma barca coberta.)

MOÇA: Ele canta… – Barqueiro, ó barqueiro! Há para mim, a bordo, um lugarzinho? Tu me levas para a cidade grande?

1º BARQUEIRO: (parando por um momento):
Aqui viaja o negociante Sung.
O barco está repleto de tecidos
para a corte imperial. Não temos tempo
para pegar qualquer desconhecida.
(A barca se afasta, e o barqueiro ainda canta.)
“Sabemos da noite, sabemos do dia,
pois sempre vogamos no mesmo caminho…
As águas diluem cuidados vazios…” (some ao longe)

2º BARQUEIRO: (do outro lado, retomando a canção):

“Eu sei de onde venho, aonde vou não sei, não…
Na troca dos dias perdi a noção…”

MOÇA (enquanto a segunda barca passa lentamente.): Se tens um coração, barqueiro, ouve-me! Há para mim, a bordo, um lugarzinho? Tu me levas para a cidade grande?

2º BARQUEIRO: Neste barco, vai o Capitão Tcheng
buscar o soldo para suas tropas,
que estão à espera longe, nas fronteiras
dos bárbaros cruéis. Não temos tempo
para pegar qualquer desconhecida.

MOÇA (chegando mais perto): Ó barqueiro, eu te imploro que me leves!

2º BARQUEIRO (segue adiante, dando uma risada):
Virei buscar-te se esperares muito! (canta):
“Eu sei de onde venho, aonde vou não sei, não…
Na troca dos dias perdi a noção…” (A voz se perde ao longe)

MOÇA: O sol subiu… Preciso achar um meio.

(Aproxima-se a barca do arauto.)

ARAUTO: A Imperatriz da púrpura da tarde,
a quem coube o cuidado maternal
com o Filho do Céu…

MOÇA(interrompendo-o): Leva-me! Leva-me! Conduze-me à cidade imperial!

ARAUTO: Quem ousa interromper esta mensagem
da Imperatriz…?

MONGE (que observara os últimos acontecimentos sem ser notado e se aproxima da moça): Arauto! Para teu barco!

ARAUTO: Ó monge!
Quem és tu, para que essa moça indigna,
mulher do povo, tenha tua ajuda?

MONGE (erguendo seu bordão): Se tu reconheceres este símbolo da flor de lótus de botão aberto, saberás respeitar este pedido, mesmo sem entender qual a razão.

ARAUTO: (reverente): És mensageiro das montanhas do templo?

MONGE: Abre lugar no barco, e não demores no rumo da cidade imperial.

MOÇA: Como te agradecer?

MONGE: Com o silêncio.

ARAUTO (à moça): Entra logo!
(A moça entra no barco e se volta mais uma vez, com um gesto de sofrimento.)

MOÇA (ao monge, ajoelhando-se): Dá-me a bênção para seguir viagem!

MONGE (aproxima-se e ergue o bordão, em cuja ponta brilha levemente uma flor de lótus de botão aberto): Em teu caminho, o que te parecer estar perdido, nunca perderás.

(A barca se põe em movimento.)

ARAUTO: (tornando-se invisível, a voz sumindo):
A Imperatriz da púrpura da tarde,
a quem coube o cuidado maternal
com o Filho do Céu, Suprema Alteza,
avisa o povo da Terra Amarela…

(Ouvem-se as vozes do taberneiro e do poeta, que em seguida aparecem.)

POETA: Estás mentindo!

TABERNEIRO: Eu falo do que eu vi! Ela te abandonou!

POETA: Some daqui, antes que eu cometa uma violência! (Joga-se no banco.)

MONGE (baixinho e decisivo): “No menor grão está contido o mundo!”

POETA (irritado): Quem foi que disse isso? (Cai em si.)

MONGE: “Não sabemos os passos, muito menos o caminho!”

POETA: Quem disse isso? Foste tu. Eu posso me lembrar muito bem.

MONGE: Não te lembras dessas palavras só por ti sentidas, e por ti formuladas e sofridas?

POETA: Eu só lembro que tenho de segui-las!

MONGE: Sabes então para onde?

POETA: Oh, não! Como vou viver, se não achar o seu caminho?

MONGE: Achar o teu caminho! O vento sussurrava: “Não sabemos os passos, muito menos o caminho.” Quem estava a teu lado foi chamado… e tu dormiste…

POETA: Mas agora acordo, e nada encontro além de um mundo morto… Sai, eu te peço! E deixa-me sozinho! (Cala-se)

MONGE: Mas antes de atender ao teu pedido, ouve: quando passar essa tua cegueira, talvez eu possa conduzir-te num trechinho. Tu me encontras daqui a sete dias, no caminho de volta para os montes do templo.

(O poeta não se move. O monge sai.)

1º BARQUEIRO: (cantando ao longe):
“Sabemos da noite, sabemos do dia,
pois sempre vogamos no mesmo caminho…
As águas diluem cuidados vazios…”

(O poeta escuta, inerte.)

 

CENA III

Salão de audiência do palácio imperial. O Imperador está sentado no trono dos dragões, imóvel, com os olhos semicerrados. A seu lado, nos degraus do trono, está o Mestre-de-Cerimônia.

IMPERADOR: Eu quero ficar sozinho! Sai, Mestre-de-Cerimônia!

(O Mestre-de-Cerimônia vai sair, quando soa o gongo.)

Mestre-de-Cerimônia: (com profunda reverência): A Imperatriz da púrpura da tarde…

IMPERADOR (para si mesmo): Não se escapa do cuidado maternal! Eu não quero
vê-la agora. Estou em devaneio. (pela segunda vez, soa o gongo.) Outra vez este som? A Imperatriz tem poder de anunciar-se uma vez só.

Mestre-de-Cerimônia: O que o segundo gongo lhe anuncia é a presença do sábio Censor Kung ao Supremo.
(Pela terceira vez, soa o gongo.)
IMPERADOR: E o terceiro?

Mestre-de-Cerimônia: Impede que haja testemunhas deste encontro.
(Ele sai, abre-se uma porta, e o Censor entra. O Supremo fica de pé.)

IMPERADOR: O Censor Kung!

CENSOR: Transcorreu um ano
desde que foi pedida uma audiência.
E, quando mais um ano se passar,
o Conselho do Império ouvirá as queixas
que a miséria me obriga a revelar!

IMPERADOR: E de nós o que exiges, Censor Kung?

CENSOR: É exigido o caminho do dever:
que o Imperador seja o mediador
entre os homens e a grande Lei eterna;
jamais buscar o seu próprio interesse.

IMPERADOR: Não busquei pompa, nem riqueza ou glória…

CENSOR: Buscaste o mais funesto para o Império:
o entorpecimento em devaneios!

IMPERADOR: Tu proíbes então minha vontade?

CENSOR: Ouve, Filho do Céu: só quando o último
de teus súditos dorme em segurança,
teu sono é permitido. Evita sempre
os devaneios no entorpecimento!

IMPERADOR: É tudo?

CENSOR: Sim. Pois muito bem! Agora,
o Censor já falou, Filho do Céu.
Sabes onde me achar, se for preciso!
(O Censor faz uma reverência e sai.)

 

(to be continued)

 

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