Capítulo do livro Pedagogia Waldorf 100 anos+
Foto de Flávio D’Ávila de Moraes – Escola Waldorf Novalis SP
A teoria dos temperamentos – melancólico, colérico, sanguíneo, fleumático – que representam características do comportamento humano, remonta a Empédocles, na antiga Grécia, que os relacionou com os quatro elementos naturais – terra, fogo, ar, água. Hipócrates os chamava de quatro humores. Posteriormente foram também estudados por Kant, Wilhelm Wundt, e mais recentemente pelo psicólogo inglês H.J.Eysenck. (1) Steiner aprofundou este estudo a partir da Antroposofia, e considera o conhecimento dos temperamentos essencial para o professor.
“O homem realmente está dentro de uma corrente que podemos chamar de corrente da hereditariedade, das características herdadas. A isso, porém, ainda se acrescenta, nele, algo diferente, que é o mais íntimo cerne espiritual da entidade humana. Assim, o que o homem trouxe do mundo espiritual une-se com o que o pai, a mãe, os antepassados lhe podem dar […] Aquilo que se coloca entre a linha hereditária e a linha que representa a nossa individualidade expressa-se pela palavra “temperamento”[…], é algo como a fisionomia de sua individualidade mais íntima.” (2) Rudolf Steiner
O conhecimento dos temperamentos pode ajudar o professor a lidar com os alunos, e principalmente com aqueles que têm um dos temperamentos muito preponderante, pois estas são as crianças mais difíceis de educar. O desafio para cada um de nós é ter um temperamento o mais equilibrado possível, principalmente sendo um professor. Tendo controle sobre seu próprio temperamento, o professor pode ajudar melhor cada aluno a harmonizar seu temperamento. Ao contrário, se o professor for um colérico extremo, por exemplo, poderá ser um tirano na classe, ou se for um fleumático extremo, não conseguirá entusiasmar os alunos a aprender.
Cada ser humano tem uma mistura diferente dos quatro temperamentos. Os temperamentos colérico x fleumático e sanguíneo x melancólico são antagônicos, e assim, geralmente, temos um temperamento preponderante, seu oposto é fraco, e características dos outros dois podem aparecer em níveis intermediários.
O teatro, exemplificado na foto ao lado, é uma atividade que todas as classes do ensino fundamental realizam numa escola Waldorf, e é uma das opções que os professores experientes têm para atuar de forma terapêutica junto a alunos que tenham temperamentos muito unilaterais, escalando-os para papéis que possam representar uma dificuldade que eles precisem superar.
Main characteristics of temperaments
CHOLERIC | BLOOD | PHLEGMATIC | melancholic | |
Physical appearance | Short, stocky, erect, stocky, thick-necked. | Slender, elegant, well balanced. | Strong, burly, round. | Big, bony, heavy-limbed, head bent. |
Floor | Firm, digging your heels into the ground. | Light, shooting on tiptoe. | Ondulante, lento. | Slow, with a tendency to stoop, gait stooped. |
Eyes | Energetic, active. | Dancing, alive, joyful. | Sleepy, lethargic, almost always half-closed. | Tragic, sad, sorry. |
gestures | Short, harsh, abrupt, sudden. | Graceful, vivacious. | Slow, intentional, deliberate. | discouraged |
Way of speaking | Strong, abrupt, emphatic, expressive, vigorous, intentional, appropriate. | Eloquente, com linguagem floreada. | Thoughtful, logical, of course. | Hesitante, fraco, não completando as frases. |
relationships | Friendly as long as you can keep the lead. | Amigável com todos, caprichoso, mutável, inconstante. | Friendly but reserved, insensitive, impassive. | Weak, and sympathy only for companions in misfortune. |
habits | He needs to infect everyone with his animation | It is flexible, it has no fixed habits. | Likes routine, has determined habits. | Likes solitary occupations. |
Food | He likes spicy, well-prepared food. | Pinch, likes beautiful food, well presented. | Eats very substantial food, and everything. | He is meticulous, and he likes sweet foods. |
Clothing | Likes something individual and quirky. | Likes new and colorful things. | It has a conservative taste. | Choose lifeless and sloppy clothes. It's hard to please. |
power of observation | Examines what matters, but forgets. | Observe everything, but forget everything. | Observa e relembra tudo com exatidão, quando suficientemente desperto. | Observes little, but remembers everything. |
Memory | Poor | Very poor | Good with regard to the outside world. | Good with respect to himself. |
Interest | The world, itself and the future. | the immediate present | The uninvolved gift. | himself and the past. |
Attitudes | Commanding, aggressive, and eventually understanding. | Kind, friendly and understanding. | Insightful, objective. | Selfish, vengeful, self-sacrifice in cases of suffering. |
Disposition | Boastful, enthusiastic, noble, magnanimous, generous, intolerant, impatient and adventurous | Gentle, friendly, changeable, superficial, fickle, impatient, irresponsible. | Loyal, steady, lethargic, content, motherly, dependable. | Self-absorbed, moody, fearful, depressed, tyrannical, helpful, artistic. |
Favorite drawings and paintings | Volcanoes, precipices with the very conquest of obstacles. Strong colors. | Lots of bright colors, details and movements. | Soft, bland, uninteresting, unfinished looking. | Harmonious and strong colors. Try to detail too much. |
Source: Colégio Waldorf Micael team
Child's reaction to various situations, according to temperaments.
CHOLERIC | BLOOD | PHLEGMATIC | melancholic | |
fall in the playground | Find the reason outside of yourself. Blame someone. Be proud of your hurt | Question: “Have I fallen?” Cry for a moment and forget about it. | É estoico, levanta-se e continua impassível. | Aguenta e assume a dor “insuportável”. O mundo está prestes a acabar, e foi feito pra me machucar. |
tour canceled | He dominates the situation, gathers the group in protest. | Appreciate the novelty and think about alternatives | Indifferent. He won't forget, but he's not vindictive. | I knew all along that it was going to be cancelled, just to hurt him. |
new teacher | Possible rival. You must introduce the teacher to the class. It can both help and hinder. | Someone new. Enjoy the situation. | Admits after a few weeks that there is a new teacher and stops calling him by the name of the previous one. | New enemy. Just when he was starting to get used to the previous one. More suffering. |
A task | He rushes over it and completes it. | He finds it easy and interesting, but soon abandons it when the novelty wears off. | Ponder, reflect, plan and have difficulty finishing on time. | Another burden in life for him to bear. |
Source: Colégio Waldorf Micael team
Embora os temperamentos sejam características individuais, podemos considerar que, como grupo, as crianças são mais sanguíneas, os adolescentes são mais coléricos, os adultos mais melancólicos e os idosos se tornam mais fleumáticos. Segundo Steiner, os temperamentos não devem ser encarados como “falhas” a serem combatidas (ênfase do autor). Nenhum deles em si é bom ou ruim, exceto quando é unilateral, extremamente preponderante sobre os demais. A aplicação desse conhecimento é feita de forma muito cuidadosa, tomando cuidado para não rotular as crianças de acordo com os temperamentos.
Todo temperamento unilateral denota algum desequilíbrio, que na escola pode ser tratado pedagogicamente. Este desequilíbrio é, na verdade, um tipo de força que a criança tem demais, e que ela precisa “gastar”. Assim, o professor precisa aprender a atuar com cada criança de acordo com as características de seu temperamento, e não simplesmente tentar forçá-la a mudá-lo, aplicando castigos etc. Steiner afirma que o temperamento está fundamentado na natureza mais íntima do homem e devemos levar em consideração que só conseguiremos amenizá-lo de forma pedagógica. Só a partir da exercitação dirigida do próprio temperamento é que ele cria forças para transformar-se. “Sendo assim, não contamos com o que a criança não tem, mas com o que ela tem”. (3) Steiner indica algumas estratégias básicas para lidarmos com as crianças de acordo com seu temperamento predominante:
BLOOD
Mais do que qualquer outra, a criança sanguínea precisa desenvolver o amor pelo professor. Para educá-la, devemos fazer-nos amar por ela. “Amor é a palavra mágica. É por esse caminho indireto do afeto por uma determinada personalidade que toda a educação da criança sanguínea precisa passar”. Esta criança se caracteriza por não conseguir manter algum interesse duradouro, e tem dificuldade em terminar tarefas longas, como ler um livro muito grande. Precisamos então tentar descobrir o que pode interessá-la mais, e escolher atividades com as quais ela possa ser sanguínea. É muito importante ela conseguir terminar o que começa.
“Precisamos tratar de cercar a criança com toda sorte de coisas pelas quais ela nutre um interesse mais profundo. Então ocuparemos a criança com tais coisas, por espaços de tempo determinados, coisas em que um interesse passageiro é justificado, junto às quais ela, por assim dizer, pode ser sanguínea, coisas que não merecem que a pessoa mantenha interesse por elas. Devemos deixar que estas coisas falem à sanguinidade, devemos deixar que elas atuem sobre a criança; e então devemos tirá-las dela, para que a criança as deseje novamente e elas tornem a lhe ser dadas. Devemos, assim, deixar que elas atuem sobre a criança.” (4) Rudolf Steiner
CHOLERIC
Ao contrário do sanguíneo, o colérico não conseguirá facilmente sentir amor pelo professor, mas existe um outro caminho indireto para ajudar em sua educação: respeito e admiração por uma autoridade. Steiner nos esclarece que “para a criança colérica temos, sinceramente, de ser dignos de respeito e estima, no mais elevado sentido da palavra. Não se trata, no caso, de nos tornarmos queridos por nossas qualidades pessoais, como no caso da criança sanguínea; o que importa é a criança colérica sempre poder acreditar que o educador sabe o que faz […] Devemos cuidar para ter nas mãos as rédeas firmes da autoridade, nunca demonstrando ignorar como agir.” É muito importante para toda criança aprender a ouvir e respeitar um Não, especialmente um colérico.
O colérico tem um grande ímpeto de liderar e realizar coisas. Para controlar este ímpeto em sala de aula, o professor sempre lhe deve propor o que é difícil de realizar, sendo importante, inclusive, que ele não consiga vencer todos os obstáculos e que perceba que não é sempre o dono da verdade. “Devemos criar obstáculos, de forma que o temperamento colérico não seja reprimido, mas possa justamente expressar-se através do confronto com determinadas dificuldades que ela [a criança] tem que superar […]. Devemos organizar o ambiente de modo que esse temperamento colérico possa esgotar-se ao ter de superar obstáculos.”
Quando um colérico tem seu ataque de fúria, em vez de tentarmos reprimi-lo na hora, o que costuma ser impossível, o remédio é dar-lhe logo uma atividade difícil, para esgotar sua cólera, e comentar o motivo da cólera só depois que ela houver passado. (5)
melancholic
A criança melancólica tem a característica de achar que o mundo está contra ela, que tudo acontece para feri-la, e apega-se profundamente aos obstáculos. A via de acesso do educador para o melancólico são as dificuldades e sofrimentos que o próprio professor teve de viver. A criança precisa sentir que o professor já passou por sofrimentos. Steiner sustenta que “a criança melancólica é predisposta ao sofrimento; ela tem capacidade para sentir dor, desengano; isso está arraigado em seu íntimo, não podendo ser extinto à força – porém pode ser desviado […] Uma pessoa que, com sua narrativa, pode fazer com que o melancólico chegue a sentir como ela foi provada pelo destino, essa traz um grande benefício a esse tipo de criança”. (6)
De nada adianta tentar alegrar ou consolar um melancólico, a não ser fazer com que sua melancolia piore ainda mais. É preciso que ele vivencie dores justificadas, que ele saiba que sofrimentos existem, e como os homens podem triunfar sobre eles. E é importante demonstrar que respeitamos os sacrifícios que ele faz e os obstáculos que supera. O aluno melancólico precisa sentir que o professor tem uma atenção especial para ele, e não devemos lhe dar uma tarefa qualquer. Ele precisa sentir que está fazendo algo por alguém, um sacrifício pelo professor, por ele ou pela classe; aí ele faz um bom trabalho.
PHLEGMATIC
A criança fleumática tem dificuldades para se envolver com o que acontece ao seu redor. Seu ponto negativo é esta falta de interesse. Para conseguir seu interesse o melhor caminho é promover sua integração com outras crianças, para que conviva com os interesses de seus colegas. No entender de Steiner, não são as coisas por si mesmas que atuam sobre o fleumático. Não é através de um assunto da tarefa escolar ou doméstica que conseguiremos interessar o pequeno fleumático, e sim através do caminho indireto, passando pelos interesses de outras crianças da mesma idade. Ele tem a capacidade de ouvir e de ajudar. É justamente quando as coisas se refletem em outras pessoas que estes interesses se refletem na alma da criança fleumática. (7)
Também é importante, como nos outros temperamentos, aproveitar e valorizar suas características para envolvê-los no aprendizado. Fleumáticos aprendem devagar, mas têm ótima memória, são bons planejadores e persistentes no que fazem, e têm dificuldades para se arriscar a fazer coisas novas. O autor sugere que “procuremos propiciar acontecimentos em que a fleuma seja oportuna. Devemos dirigir a fleuma para os objetos certos, diante das quais se possa ser fleumático. Com isso podem ser obtidos, por vezes, magníficos resultados junto à criança pequena”.
OS TEMPERAMENTOS NA SALA DE AULA
In addition to studying how to individually act on the child's temperament, it is necessary to know how to better manage them in the classroom. Students should be grouped by predominant temperament. Contrary to what we initially thought, Sanguines, for example, don't talk anymore because they stay together. In this way they wear out their excesses among themselves. Sanguines tend to tire of their agitation, phlegmatics of their immobility, and so on. Cholerics will talk less to each other than to sitting next to others.
Os coléricos são aqueles aos quais o professor vai pedir mais ajuda. Segundo afirma a professora Celina Targa, para lidar com a energia do colérico é importante dar sempre atividade para ele, inventar coisas para ele fazer! “Vá buscar na secretaria uma apostila.” Ou então: “Por favor, abra a porta aqui pra mim que está calor.” “Abra a janela.” “Apague a lousa.” Devemos dar atividade para ele, que é disso que ele gosta e ajuda a desanuviar.” (8)
Os fleumáticos devem ficar separados dos coléricos e perto do professor, pois tendem a querer ser mais espectadores do que participantes da aula. Os fleumáticos não gostam de muita agitação. Targa afirma que “então eles precisam ficar próximos do professor porque daí a gente pode acompanhá-los melhor. […] Onde eles se sintam cercados diante de um palco. Então as primeiras fileiras são um lugar muito bom, pois senão eles ficam esquecidos”. Já os sanguíneos, como gostam muito das novidades, ajudam o professor a disseminar o assunto entre os colegas. Podem ficar entre os coléricos e os fleumáticos. Os alunos com maior potencial de tumultuar os trabalhos devem ficar nos extremos da primeira fileira, e nunca no centro da sala. Os melancólicos, segundo Targa, “precisam de calma. Eles não gostam dessa turbulência do colérico. Isso faz mal para o melancólico. Então uma região mais acolhedora, quente, em geral perto das janelas num cantinho”. Aqui estamos considerando uma sala de aula organizada em fileiras, mas essa organização pode ser adaptada também para outras configurações do espaço. De tempos em tempos o professor pode ir fazendo pequenas mudanças e variações, mas sempre sem perder de vista a harmonia da classe. Para atuar positivamente sobre os temperamentos de seus alunos, é essencial que o professor trabalhe seu próprio temperamento. Esta disposição anímica é, segundo Steiner, de suma importância, pois a criança é educada ‘de alma para alma’.
“É incrível o que se passa nos fios subterrâneos que vão de uma alma à outra. Muita coisa acontece quando os senhores permanecem impassíveis diante de uma criança colérica, ou quando se interessam intimamente pelo que se passa numa criança fleumática. Aí a própria disposição anímica terá, no plano suprassensível, um efeito educativo sobre a criança. A educação se realiza pelo que os senhores são, […] em meio às crianças. Nunca percam, realmente, isso de vista.” (9) Rudolf Steiner
Quadro 6 – Outras sugestões para lidar com as crianças de acordo com os temperamentos
CHOLERIC | BLOOD | PHLEGMATIC | melancholic | |
To stimulate activity | launch a challenge | ask a personal favor | Use shock, attack tactics. Speak directly, getting to the main point. | Explain how others will suffer if he fails. |
In the event of reprimand | Recall the wrongdoing afterwards and debate, examine, and discuss. | Have a friendly word right away. | Take immediate action. | Draw attention soon to the later consequences. |
general | Provide stories or descriptions where recklessness becomes dangerous or ridiculous. Giving away a lot of different things, making them pose a challenge. | Provide lively stories with exciting descriptions, with continuous and varied frames. Give plenty of different things to do. | Tell indifferent stories in an apathetic way. Assign a task and determine to follow through on it. | Tell stories or descriptions of sad events to show how the human spirit sometimes triumphs. Taking an interest in sadness and asking it to help someone less able. |
Source: Colégio Waldorf Micael team
Bibliography
- Apud CARLGREN, Frans and KLINGBORG, Arne. Education for Freedom – the Pedagogy of Rudolf Steiner. 2006, p. 69.
- STEINER, Rudolph. The Mystery of Temperaments. 2002, p. 15.
- STEINER, Rudolph. The Mystery of Temperaments. 2002, p. div.
- STEINER, Rudolph. The Mystery of Temperaments. 2002, p. div.
- STEINER, Rudolph. The Mystery of Temperaments. 2002, p. div.
- STEINER, Rudolph. The Mystery of Temperaments. 2002, p. div.
- STEINER, Rudolph. The Mystery of Temperaments. 2002, p. div.
- TARGA, Celina AN Class from the Dom da Palavra project (video recorded). 2008
- STEINER, Rudolph. The Art of Education III: Pedagogical Discussions. 1999, p. 18.
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