O que causa a saúde?
von Rubens Salles
O grande mistério da saúde se resume em responder à pergunta: O que causa a saúde? Por que algumas pessoas são mais resilientes do que outras a agentes patogênicos ou a situações de estresse, se mantendo saudáveis onde outras adoecem?
O médico grego Hipócrates, considerado por muitos o “pai da medicina”, orientava seus pacientes a viverem em harmonia com os elementos. Para tanto, prescrevia ginástica, música, teatro, dança, uma alimentação leve, banhos, hábitos saudáveis, um estilo de vida agradável e de boa qualidade, filosofia e meditação. Curar seria restabelecer esta harmonia original perdida. Na antiguidade, várias correntes da medicina, como a grega, a chinesa e a hindu ou ayurveda, atuavam mais no sentido de tratar a saúde para evitar que as pessoas adoecessem, do que em tratar as doenças.
Durante o último século o estilo de vida humano mudou radicalmente. De uma sociedade majoritariamente rural, que vivia ao ritmo das estações do ano e com padrões de vida bem mais simples do que hoje, nos tornamos uma sociedade urbana, altamente tecnológica e competitiva, e com um ritmo de vida muito acelerado. Esta aceleração tem sido também imposta à educação, onde a alfabetização vem sendo cada vez mais precoce, antes mesmo que a criança desenvolva o domínio da sua geografia corporal e sua motricidade.
Até os 7 anos a criança precisa vivenciar o que é embaixo, em cima, frente, trás, direita e esquerda. Precisa brincar muito, sempre que possível ao ar livre, onde possa correr, pular, saltar, subir em árvores, se equilibrar, se balançar, brincar com bola, pular corda, pedalar, brincar em playgrounds etc, que são atividades que ajudam a desenvolver a sua motricidade grossa. Também deve realizar atividades manuais que desenvolvam a motricidade fina, como desenhar, recortar, colar etc. Esse preparo físico antes de começar a ser alfabetizada e aprender matemática, vai deixá-la pronta para iniciar seu aprendizado e é um investimento muito importante para sua saúde futura. Estudos antroposóficos indicam que, quando a educação acelera o processo de intelectualização da criança, está consumindo forças vitais que farão falta na vida adulta, sendo este um dos motivos para que hoje, muitos adultos ainda jovens já apresentem problemas de saúde que seriam próprios da velhice.
Outro fator que impacta na saúde hoje é o estresse causado pelo alto estímulo ao consumo e pela apologia ao progresso material, que leva pessoas a viverem com o único objetivo de acumular bens, status social, glamour e poder, em busca de um sucesso efêmero, que nunca satisfaz. Outros fatores estressantes muito graves são a desigualdade e a pobreza, que afetam a dignidade humana e desestruturam famílias.
Apesar de todo acúmulo de conhecimento que a humanidade realizou até hoje, continuamos sendo o mesmo ser humano, do ponto de vista físico, anímico e espiritual, e, como passamos a viver de forma, muitas vezes, contrária à natureza humana, nos tornamos mais suscetíveis a novos estados patogênicos. Muitos de nós já sentiram os efeitos maléficos causados à nossa saúde pelo estresse provocado pelas demandas da sociedade que criamos. Perda de resistência, doenças cardíacas, metabólicas e nervosas são comuns, ou você já teve ou conhece alguém que teve.
No entanto, o mais grave nesta questão é que o que afeta a vida dos adultos também impacta fortemente sobre a saúde das crianças. Nós adultos ainda temos a capacidade de racionalizar sobre o que acontece conosco, podemos conversar com amigos sobre o caso, pedir opiniões, ajuda, fazer terapia etc, o que nos permite enfrentar, até certo ponto, os estresses da vida, sem que eles nos afetem com maior gravidade, mas com as crianças é diferente. A criança, principalmente no primeiro setênio, ainda não tem o intelecto desenvolvido, e não consegue elevar a um nível de consciência o que recebe do mundo e elaborar alguma coisa com isso para se proteger. Ela não consegue “compreender” e aceitar sem traumas situações de estresse familiar, por exemplo. Assim, o que a criança recebe do mundo se incorpora rapidamente à sua constituição orgânica, pois até a troca dos dentes, a criança está realmente configurando seu organismo. O estilo de vida contemporâneo apresenta riscos reais à saúde, principalmente pensando no futuro das crianças, e é importante que a escola seja um contraponto, uma linha de defesa para isso, assim como é necessário ampliar a consciência dos pais sobre o tema.
Esta visão a respeito do impacto negativo do estresse sobre a saúde, que desarmoniza a nossa vida, não é exclusiva da Antroposofia ou da Pedagogia Waldorf. Como vimos acima, desde a antiguidade estudiosos já se preocupavam com isso. O princípio de buscar entender o que causa a saúde, de estudar as razões que levam alguém a estar saudável, foi pesquisado também pelo cientista Aaron Antonovsky, doutor em sociologia da saúde pela Universidade de Yale, que o denominou de Salutogênese. Antonovsky descreveu este princípio em seu livro de 1979, Health, Stress and Coping (Saúde, Estresse e Enfrentamento), seguido de seu trabalho de 1987, Unraveling the Mystery of Health (Desvendando o Mistério da Saúde).
A Salutogênese busca entender o que causa a saúde, e é o oposto do princípio da Patogênese no qual se baseia a medicina contemporânea, que busca entender e tratar o que causa a doença, linha que é de interesse da poderosa indústria da medicina. A saúde não gera lucros para essa indústria, só a doença. Estudar a saúde humana a partir do conceito da Salutogênese representa uma completa inversão de paradigma.
As pesquisas e estudos realizados por Antonovsky levaram-no a concluir que para mantermos a qualidade da nossa saúde dependemos de um conjunto de capacidades que ele denominou de “senso de coerência” – SOC (sense of coherense), conceito que representa o nível de confiança, equilíbrio e resiliência com que cada indivíduo vive e enfrenta os estresses da vida, e que se constitui de três capacidades básicas:
compreensibilidade (comprehensibility) – capacidade de compreender de forma ordenada, clara e consistente os estímulos, demandas e desafios decorrentes dos vários ambientes relacionados à sua vida – pessoal, profissional, social etc.
capacidade de gestão (manageability) – capacidade de atuar, a partir de seus recursos pessoais e sociais, perante os estímulos, demandas e desafios dos vários ambientes relacionados à sua vida, de forma a minimizar as possibilidades de ser atingido negativamente pelos acontecimentos.
significância (meaningfulness) – capacidade de encontrar significado e motivação para atuar perante os estímulos, demandas e desafios relacionados à sua vida, e superar situações de forma a não afetar a sua dignidade.
Segundo Antonovsky, este conjunto de capacidades permite ao indivíduo enfrentar, de forma segura e coerente, o estresse causado pelos acontecimentos que possam afetar a ordem na sua vida, e integrar estes acontecimentos como experiência de vida. Não é por acaso que nestas três capacidades você identifica Pensar, Querer e Sentir, as capacidades humanas cujo desenvolvimento está no cerne da Pedagogia Waldorf.
Antonovsky faleceu em 1994, mas suas teorias continuam sendo estudadas, e pesquisas recentes em psiconeuroimunologia confirmam a relação entre o equilíbrio emocional e a saúde, contida na teoria da Salutogênese.(1)
A Antroposofia considera que a saúde do ser humano tem correlação com a forma como a criança é cuidada e educada, desde a mais tenra idade, e acredita que a infância deve ser protegida. Por isso, a Pedagogia Waldorf procura realizar a educação com base em princípios que conduzam a um desenvolvimento com harmonia. Atua a partir de um conhecimento antropológico e de uma visão humanista e espiritualista, e busca adequar as atividades pedagógicas à idade das crianças, à sua prontidão natural para enfrentar os desafios que a cada ano lhe serão apresentados. Considera também o temperamento de cada uma, e realiza a educação a partir de uma organização rítmica saudável, enriquecida pelas diversas vivências artísticas oferecidas.
Literaturverzeichnis
- LINDSTRÖM Bengt & ERIKSSON Monica – Contextualização da salutogênese e Antonovsky no desenvolvimento da saúde pública: Oxford Academic. Helsinki, 2006
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