October 7, 2017

7 – Antropologia – o desenvolvimento humano em setênios

 

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Capítulo do livro Pedagogia Waldorf 100 anos+

Foto de Danielle D. Felicort – Escola Waldorf Aitiara – Botucatu SP

Embora o ser humano nasça completo em sua estrutura, com corpo, alma e espírito, e com as capacidades anímicas de pensar, sentir e agir, o desenvolvimento de cada um destes elementos se dá em etapas bem definidas. A Antroposofia divide o desenvolvimento do homem em períodos de aproximadamente sete anos, os setênios. Dentro destes períodos, há defasagens entre indivíduos e entre os sexos, mas mesmo assim faz sentido considerá-los. Até os 21 anos, época em que nosso desenvolvimento físico se completa, a alma e o espírito estão em constante adaptação às possibilidades oferecidas pelo corpo físico. Segundo a visão antroposófica, a partir do terceiro setênio até os 42 anos, há um maior desenvolvimento das qualidades da alma, que será a base para o maior dos desenvolvimentos do ser humano, o espiritual. Esta nova fase leva novamente 21 anos, dos 42 aos 63 anos, quando ele passa a viver como ser plenamente presente, em um ciclo de plenitude e serenidade. É com esta visão do desenvolvimento humano que a Pedagogia Waldorf projeta a educação.

The characteristics of the sevens

Setenniums Development focuses in each seven years
1st from 0 to 7 years agir
2nd from 7 to 14 years to sense
3rd from 14 to 21 years old think
4th from 21 to 28 years old sensation
5th from 28 to 35 years old reason
6th from 35 to 42 years old consciousness
7th from 42 to 49 years old courage
8th from 49 to 56 years old internalization
9th from 56 to 63 years old wisdom
10th over 63 years old fullness

Source: Steiner 2007 – Our organization

We can characterize the first three seven years as follows:

1st septenium – The period between birth and the change of teeth.
2nd septenium – The period between the change of teeth and puberty.
3rd seven years – The period between puberty and adulthood.

 

O longo período necessário para preparar o ser humano para a vida não tem paralelo no mundo animal devido a ele possuir um espírito individual, um Eu que deve fazer um aprendizado de muitos anos em convívio com outros seres humanos. (1)

Sabemos que, no mundo contemporâneo, o ser humano precisa estar predisposto a aprender durante toda a vida, e por isso é essencial que sua educação lhe conceda este estímulo. No entanto, um cuidado básico na Pedagogia Waldorf é que cada estímulo chegue à criança no momento mais adequado, em função de seu desenvolvimento e de sua prontidão natural para aproveitá-lo da maneira mais espontânea, eficiente e sadia.

 

PRIMEIRO SETÊNIO – Época da Educação Infantil

“O sublime e grandioso na contemplação das crianças é o fato de estas acreditarem na moral do mundo, acreditando com isso que se possa imitar o mundo.” Rudolf Steiner

 

A primeira infância é o período mais importante para o desenvolvimento humano, pois é quando a criança conquista as bases de sua saúde orgânica, emocional, mental e social. O momento do nascimento significa a união definitiva entre o corpo e os elementos anímicos e espirituais do novo indivíduo. Ao nascer, tudo na criança pequena está relacionado com seu corpo e suas forças vitais, e suas capacidades anímicas de agir e sentir estão profundamente integradas. Sua consciência é bem reduzida e sua vontade muito forte. Quando um bebê chora e esperneia por estar com fome, seu sentir está agindo em uníssono com sua vontade de agir. Primeiro a criança quer conhecer o próprio corpo, e depois o mundo externo que a rodeia. Inconscientemente ela vai aos poucos tomando posse de seu corpo e adquirindo mais habilidade e destreza.

Assim, nos primeiros anos de vida, essa vontade de agir da criança, que brota de suas mais profundas necessidades, é a porta de entrada para sua educação, e a própria criança nos mostra isso através de suas reações. Quando ela imita, ou tenta imitar o que o pai ou a mãe está fazendo, está nos mostrando que é este o caminho para seu desenvolvimento nesta fase. Frans Carlgren e Arne Klingborg nos esclarecem que “para a criança a imitação é tão importante quanto a respiração. A criança inspira as impressões sensoriais, e a imitação segue como a expiração”. (2)

Embora não guardemos, normalmente, lembrança consciente dos três primeiros anos de nossas vidas, trata-se de uma fase de importância fundamental, pois neste período as impressões sensoriais da criança têm um efeito direto sobre as forças vitais que atuam na formação do seu corpo. Sofremos então grande influência do ambiente em que vivemos e das pessoas com quem convivemos, enquanto desenvolvemos nossas capacidades básicas de andar, falar e pensar.

Ao final do primeiro ano de vida, a criança adquire a posição ereta e aprende a andar, conquistando o espaço físico na sua verticalidade, com suas três dimensões: em cima e em baixo, direita e esquerda, na frente e atrás. Segundo Renate Keller Ignácio, neste período as forças vitais da criança atuam na formação do seu sistema neurossensorial, que tem como centro a cabeça. No segundo ano de vida, a criança nasce para o movimento da fala, do ritmo, da respiração, ao mesmo tempo que ocorre o amadurecimento dos órgãos do sistema rítmico circulatório no tórax, o coração e os pulmões. No terceiro ano de vida nasce a possibilidade de pensar, e a percepção do Eu, enquanto as forças vitais atuam no aperfeiçoamento dos órgãos digestivos, base do sistema metabólico motor. (3) A criança aprende a ouvir e a falar e com o domínio da língua conquista o espaço social, entre o Eu e o próximo. Com essa conquista, começa a desenvolver o pensar e a se perceber como um indivíduo.

O perceber da criança é um processo ativo, a partir de seu interesse pelo mundo exterior. Para a impressão se transformar em percepção, é posto em atividade, a partir de seu interior, algo que a leva ao encontro da impressão exterior. Lievegoed considera que “este interesse ativo ainda resulta, na criança pequena, de uma necessidade, e não de uma vontade consciente, como é possível em idade mais avançada.” (4)

Devido ao fato de que, nesta fase, tudo no corpo da criança está em formação, as influências que emanam do meio ambiente social exercem efeitos profundos, e às vezes traumáticos, sobre sua organização física e psíquica, efeitos que a influenciarão durante toda a vida adulta. Neste sentido, é interessante considerar os casos estudados de crianças que, na primeira infância, foram criadas isoladas e convivendo mais com animais do que com seres humanos. Estas crianças, quando encontradas, praticamente não falavam, não sabiam sorrir e tinham adquirido os hábitos e a posturas dos animais com os quais conviviam. Segundo Craemer (5), “todo ser humano nasce com a semente do riso, mas para que ela germine, precisa ser ‘regada’ pelo amor de outro ser humano”. Uma criança só consegue aprender a andar ereta se houver outro ser humano que ande, para ensiná-la. Isso ilustra muito bem a que ponto pode chegar o impacto do ambiente sobre a formação de um ser humano, e demonstra que sem convívio humano não há humanidade.

Nesta fase da vida da criança, a falta de cuidados pode gerar distúrbios em sua saúde, no futuro, através de enfermidades metabólicas, gastrointestinais e nervosas. Como a criança não tem o intelecto desenvolvido, ela não consegue elevar a um nível de consciência o que recebe do mundo e elaborar alguma coisa. Assim, o que ela recebe do mundo se incorpora rapidamente à sua constituição orgânica. Até a troca dos dentes, a criança está realmente configurando seu organismo, e o mais importante é que ela se sinta confiante dentro de sua corporalidade. Ela precisa conseguir correr, saltar, escalar, equilibrar-se e sentir-se bem em seu corpo.

 

“Exatamente do mesmo modo como o falar surge do andar, do apalpar, do movimento humano, o pensar surge depois, a partir da fala. E é necessário que, durante a orientação auxiliar para o andar, embebamos tudo em amor; que durante o aprendizado da fala – pelo fato de a criança imitar interiormente o que se realiza ao seu redor – nos dediquemos a mais sólida veracidade; e que, assim, façamos predominar a clareza em nosso pensar ao redor da criança, para que esta, sendo integralmente um órgão sensório, reproduza internamente, no organismo físico, também o elemento espiritual com o qual possa extrair da fala um pensar correto.” (6) Rudolf Steiner

 

No que diz respeito ao impacto da educação na saúde futura da criança, é importante considerarmos mais uma vez algumas polaridades entre a criança e o idoso, no quadro abaixo:

 

Quadro 8 – O recém nascido e o idoso

Recém nascido Elderly
maximum vitality low vitality
Soft, elastic, formable body Dry, hard body
body with more water Body with less water
Strong vital and vegetative functions Reduced vital and vegetative functions and subject to pathological states
Conscience, intellect and other weak psychic qualities Very strong conscience and intellect (provided they are not hampered by physical weakness)

 Source: Lanz 2009, pg 17 – Our organization

 

Existe um cuidado muito grande na Pedagogia Waldorf para não “envelhecer” as crianças. Ao analisarmos o quadro acima, lembramos que a vida está diretamente vinculada à água, assim como já vimos que a mineralização é o oposto da vida. Nosso envelhecimento é a derrota de nossas forças vitais e vegetativas para as forças mineralizantes, que vão ressecando e enrijecendo nosso organismo, e essa redução de nossas funções vitais ocorre paralelamente ao aumento de nossa consciência e ao fortalecimento de nosso intelecto. Quando a educação acelera o processo de intelectualização da criança, está consumindo forças vitais que farão falta na vida adulta. Falaremos um pouco mais sobre a relação da educação com a saúde num capítulo sobre o que causa a saúde.

 

A EXPECTATIVA DA CRIANÇA NO PRIMEIRO SETÊNIO

A expectativa da criança pequena é de que o mundo seja bom. Ela está totalmente aberta ao mundo e tudo que vem dele ela aceita com confiança ilimitada, sem resistência anímica. Em sua ingenuidade ela vivencia o bem e o mal indistintamente, sendo capaz de amar os pais mesmo que eles sejam descuidados, indiferentes, impacientes e até violentos. Nessa fase, devemos apresentar para essas crianças a bondade que elas esperam que o mundo tenha, e não dar ênfase às coisas negativas, muito menos tentar “conscientizar” os pequenos sobre as mazelas do mundo. Nas creches e nos jardins de infância Waldorf, a principal mensagem que se busca passar é que o mundo é bom. O ambiente para as crianças deve ser muito tranquilo, alegre e amoroso, e o comportamento do professor precisa ser digno de ser imitado pelas crianças. Conforme observa Lievegoed, “é pela imitação que ela aprende as coisas, adequadas ou impróprias, que constituem o comportamento humano. É por uma imitação mais sutil que ela cria o fundamento para sua moralidade futura”. (7)

 

“Qual é, pois, o impulso fundamental, a disposição básica ainda totalmente inconsciente da criança até a troca dos dentes? É uma disposição muito bela, que também deve ser cultivada – aquela que parte da suposição, da suposição inconsciente de que o mundo inteiro é moral.” (8) Rudolf Steiner

 

This openness to outside influences is unparalleled in any other phase of life. The child wants to imitate, and it is through imitation that he will learn what is good and what is bad. Unconsciously, he absorbs the impressions he perceives around him, and in this way he shapes his way of speaking and behaving. She is permeable to the most diverse influences of the environment and, as a large sensory organ, perceives the entire emotional climate that surrounds her, including the feelings and character of the people with whom she lives.

Lameirão também considera que a capacidade de imitar da criança nada mais é que uma entrega total a partir da confiança plena que ela tem no meio ambiente. “A imitação, portanto, é a primeira forma de aprendizado que o ser humano já traz consigo, por ainda estar imerso no mundo de onde proveio. Podemos dizer que a imitação é uma memória corporal que é vivida na inconsciência ou na semiconsciência”. (9) Assim, toda criança, em seu impulso de atuar neste mundo onde ela chegou, parte do pressuposto de que ele é moral, digno de ser imitado.

Assim, segundo a Pedagogia Waldorf, o que um(a) educador(a) infantil deve se perguntar é: Sou uma pessoa digna de ser imitada? Sou uma pessoa amorosa, compreensiva e paciente com as crianças? Tenho entusiasmo e dedicação pelo que faço? Sou coerente em minhas atitudes? Nesta fase, não é o que dizemos à criança que ela assimila, mas como nos comportamos diante dela. A forma pura e dedicada como a criança pequena se entrega ao mundo equivale à devoção de uma pessoa religiosa. Esta veneração natural pelo mundo que a cerca é que devemos aproveitar para mostrar à criança, sempre através de histórias que tragam imagens verdadeiras, vinculadas à natureza*, um mundo bom, e criar espaços para que ela possa explorá-lo em suas fantasias e brincadeiras.

*Exemplo de uma história: Era uma vez uma sementinha que caiu da mão de uma criança. A sementinha, lá do chão, olhou ao redor e viu tantas coisas bonitas, e começou a ficar triste, por ser apenas uma semente tão pequena. Desejou ser uma cereja, como as penduradas nos galhos acima dela, ou as laranjas doces e suculentas, ou os pássaros que davam piruetas pelo ar, e tantas outras coisas e bichinhos bonitos, mas ela era apenas uma pequena semente, e, tristonha, foi se afundando no chão cada vez mais. Mas aí veio a chuva e depois o sol, e outra vez a chuva e depois o sol, e ela começou a brotar e foi crescendo até transformar- se numa linda e feliz cerejeira, onde os passarinhos iam cantar e fazer seus ninhos, as borboletas iam pousar, os animaizinhos iam descansar na sua sombra e as crianças subiam nela para comer cerejas, e depois, deixavam cair muitas sementinhas…(10)

 

SEGUNDO SETÊNIO – Época do Ensino Fundamental

“O que de mais belo se pode proporcionar à criança na escola, para a vida mais tarde, é a ideia mais variada e abrangente possível do homem.” Rudolf Steiner

 

Vimos que, do ponto de vista da Pedagogia Waldorf, no primeiro setênio a “porta de entrada” para a educação é a vontade de agir da criança, e que seu aprendizado acontece, basicamente, por imitação. Já no segundo setênio, esta entrada se faz através do sentir, pois nesta fase o aprendizado efetivo ocorre a partir da vivência dos conteúdos. Se tentarmos nos lembrar de fatos marcantes que ocorreram no ensino fundamental, em nossa infância, vamos perceber que os que nos marcaram foram aqueles que nos tocaram pela emoção, pelo sentimento. Portanto, nesta fase, a principal “porta de entrada” para o aprendizado é a vivência emocional dos conteúdos, pois a criança aqui ainda não se relaciona naturalmente com uma abordagem puramente intelectual. Posteriormente, a memória fortalece-se através do uso da imaginação, e ela poderá recriar o que havia sido percebido antes pelos sentidos e transformá-lo em termos conceituais.

Nesta etapa as artes têm um papel fundamental, pois é principalmente através delas que essa vivência se torna possível. Depois da troca dos dentes, época que coincide com o início do ensino fundamental, a criança passa a dispor de novas competências. Enquanto no primeiro setênio, as representações mentais que a criança fazia quando ouvia uma história, duravam apenas enquanto a história era contada, agora passam a agir de forma mais constante, e a constituir o fundamento para a memória da criança (11). Nesta fase, a criança está muito receptiva para histórias que despertem a imaginação e a envolvam pela emoção.

Desde a apresentação das letras e dos números, tudo vem em forma de imagens para as crianças, através de histórias e vivências conduzidas pela professora. Para introduzir a letra B, por exemplo, a professora pode primeiro contar, e até mostrar para as crianças como uma lagarta se transforma em uma linda Borboleta, e o B nasce então do formato das asas da Borboleta, que ela desenha na lousa e as crianças nos seus cadernos. Um poema também pode ser usado para trazer a imagem. A apresentação dos números segue o mesmo caminho. Cada número vem com uma imagem. O n°1 é o maior do mundo, representa o universo, aquele que tudo contém. O n°2 representa a dualidade, o dia e a noite, quente e frio, claro e escuro etc. O n°3 pode ser uma família, o n°4 as quatro estações do ano, e assim por diante. As primeiras contas são feitas com pedrinhas ou sementes, seguindo um caminho que começa no concreto, para futuramente chegar ao abstrato. Essas pedrinhas ou sementes chegam através de uma história envolvente e são como algo precioso para serem usadas e guardadas com atenção e cuidado.

A criança evolui durante este período em direção a um pensar cada vez mais abstrato, mas a transformação das imagens e fenômenos em conceitos e regras deve processar-se aos poucos. Sobre esta questão ainda, Steiner nos alerta que:

 

“Se inocularmos na criança de nove a dez anos conceitos destinados a estar presentes no homem aos trinta, quarenta anos, então lhe inoculamos cadáveres conceituais, pois o conceito não vive junto com o homem enquanto este se desenvolve. Devemos oferecer à criança conceitos que no decorrer de sua vida possam transformar-se […] Agindo assim, estaremos inoculando na criança conceitos vivos. Portanto, na Pedagogia Waldorf, durante o segundo setênio, evitam-se as definições e conceitos decorados e trabalha-se com a caracterização.”(12) Rudolf Steiner

 

Assim, o planejamento do ensino fundamental na Pedagogia Waldorf é feito traçando um caminho que leve da imagem ao conceito, da percepção à compreensão, do concreto para o abstrato e do todo para as partes. Esta evolução em direção à conceituação deve acompanhar o desenvolvimento das potencialidades do aluno, de forma que seu interesse pela aula seja sempre mantido. Primeiro ele deve compreender os aspectos gerais, para mais tarde compreender as particularidades e as relações entre elas, e então ser capaz de elaborar sínteses através de seu pensamento. Assim, todos os conteúdos trabalhados a partir de imagens e vivências pelas crianças pequenas, serão elaborados novamente quando elas forem maiores, em termos conceituais e científicos. Esta visão de longo prazo permeia o planejamento do currículo, e a aprendizagem deve ter sempre uma vivência como ponto de partida.

Jon McAlice afirma que “a passagem da imagem ao conceito, tal como se refere a Pedagogia Waldorf, é a base de desenvolvimento de um pensar que, livre de preconceitos, procura descobrir o mundo”. (13) Lanz também afirma que a conceituação precoce, na criança, é uma das causas da massificação da sociedade. Quanto menos se desenvolve a capacidade de abstrair, para se chegar ao conceito, mais se aceitam as ideias prontas. Numa crítica direta à educação convencional, o autor sustenta que “conceitos prontos, não digeridos, são uma das causas da massificação, pois não houve o esforço abstraidor individual da criança para chegar à meta final do conceito partindo das suas próprias vivências de situações concretas”. (14)

A visão antropológica, que embasa a Pedagogia Waldorf, considera que o desenvolvimento humano evolui da inconsciência total do recém-nascido à consciência do jovem de 21 anos, passando por uma época de “semiconsciência” que coincide com a do ensino fundamental, quando, por intermédio do adulto, a criança deve ter uma vivência subjetiva do mundo, a partir de suas próprias emoções, sentimentos e pensamentos.

 

A EXPECTATIVA DA CRIANÇA NO SEGUNDO SETÊNIO

A expectativa da criança saudável, no segundo setênio, é de que o mundo seja belo. Seu grande entusiasmo natural deixa isso muito claro. Cabe ao educador o grande desafio de apresentar à criança um mundo digno de sua admiração, de forma artística e criativa, e com base em sua autoridade amorosa, que deverá ser a base da educação em todo o segundo setênio. Essa beleza inclui a linguagem do professor, a estética da aula e o próprio ambiente da sala, que deve ser sempre bem cuidado. Tudo que o professor faz, dentro das suas limitações, para tornar o mundo mais belo para as crianças nessa fase é percebido por elas. Enquanto a criança, no primeiro setênio, estava totalmente aberta para as influências do mundo a seu redor, a partir da troca dos dentes e até por volta dos 9 anos, ela passa a dispor de uma barreira entre seu mundo interior e o exterior, coberta pelo véu colorido de sua própria fantasia, de onde ela administra suas relações. O mundo exterior já não entra mais livremente, ele precisa conquistar a criança.

Lievegoed afirma que a criança “sente-se atraída pelas pessoas que pintam em palavras as imagens conceituais e cuja voz acariciante e enaltecedora é capaz de narrar uma história verdadeiramente bela”. Considera também que “para a criança, os problemas de seu reino infantil são extremamente sérios, constituindo um treino para a verdadeira vida posterior. Assim como a criança pequena precisa de material para exercitar suas mãos, a criança em idade escolar precisa de material de exercício para toda a sua vida anímica, e não exclusivamente para o departamento do intelecto (ênfases do autor).” (15)

A criança no segundo setênio possui uma grande alegria e quer que o mundo lhe seja apresentado de forma lúdica e viva. A principal característica da fase entre os 7 e os 9 anos de idade é a grande disposição para aprender, sem a necessidade de emitir julgamentos. Nesta fase, as crianças têm boa memória, muita capacidade de imaginação, gostam de atividades com repetições rítmicas e de narrativas que suscitem a fantasia.

Aos 7 e 8 anos de idade, a criança ainda não separa seu “eu” do mundo. Ela se sente una com ele. É a partir dos 9 anos que ela começa a se perceber um “eu” separado de seu meio ambiente, e isso causa uma profunda mudança em seu comportamento. Em geral a criança torna-se mais insegura, revoltada, crítica e pouco imaginativa, e começa inconscientemente a questionar a autoridade do professor. Antes, ela poderia amá-lo incondicionalmente, mas agora ele precisa conquistar um respeito genuíno a partir da sua força ética e moral e de sua capacidade de lhe apresentar o mundo.

Quanto mais essa mudança é sentida pela criança, mais importante é o professor se tornar um centro de referência para ela. É nesse momento que ela precisa se fortalecer como um indivíduo e perceber que deve ter uma atuação no mundo. O currículo do terceiro ano, inclusive, foi pensado para trazer para essa criança, imagens e atividades que a ajudem a passar por essa transformação. Neste ano, as histórias contadas pelos professores trazem imagens grandiosas sobre a atuação do homem no mundo, com exemplos de liderança, autoridade, coragem e perseverança.

Para conhecer como o homem atua as crianças estudam as profissões primordiais e visitam oficinas, obras, artesãos, propriedades rurais etc, conforme a região, para conhecer o mundo do trabalho, que depois elas representam em seus desenhos. Elas também vivenciam como o ser humano aprendeu a cuidar da terra para produzir seu próprio alimento. Para isso, realizam todo o processo para fazer o pão, incluindo preparar a terra, semear o trigo, cuidar, colher, secar, moer, fazer o pão e assar em um forno de barro feito por elas mesmas. Com o mesmo objetivo, as crianças têm a época das casas, onde estudam os diversos tipos de habitação e cada uma planeja e constrói, com a ajuda de pais e mães, a maquete de uma casa.

Por volta dos 10 anos, quando a criança já está mais adaptada à sua própria individualidade, começa uma fase mais harmoniosa que deverá durar até os 12 anos. Ela está muito ativa e interessada. Sua inclinação à crítica aumenta e seu respeito e veneração pelo professor, e pelos adultos em geral, dependerá da autoridade moral destes. A falta de ter figuras humanas em quem depositar seu respeito faz com que a criança vá em busca de seus ideais nos heróis fantásticos e fictícios. Lanz acredita que até os 14 anos o jovem é um idealista. “Eles esperam encontrar ideais e vê-los realizados; em primeiro lugar, ideais humanos. Se deixarmos de corresponder a esse idealismo por esquecimento, ignorância ou cinismo, algo será definitivamente destruído na alma do jovem.” (16) Antes da puberdade, a moral não deve ser ensinada de forma abstrata, a partir de preceitos teóricos; deve ser vivenciada. O bem deve agradar e o mal deve repugnar.

Another important characteristic of children at this time is their greater capacity for reasoning, their intellectuality, which then needs to be guided and nurtured by the teacher. With puberty approaching, young people lose their grace, and the pleasure of opposing grows.

 

“A profunda transformação interna que aparece como acompanhamento da puberdade física lança suas sombras à frente, mas também sua luz: há forças de entendimento e senso de responsabilidade, que o professor só precisa estimular, para ver surgir a beleza e a força desta etapa da vida! Solidão e autêntica amizade, egocentrismo e interesse abnegado por tudo, amor e morte – até então nas profundezas desconhecidas do sentimento – tornam-se experiências totalmente pessoais. Os sentimentos independentes despertam, transformam a relação com o próprio corpo, com o ambiente, com as ideias e ideologias; reflete-se tanto no interesse pelo mundo e na capacidade de amar, como também na necessidade de examinar causas e efeitos e de proferir julgamentos.” (17) Carlgren and Kingborg

 

O segundo setênio culmina com a puberdade, período de profundas transformações, tanto físicas, quanto emocionais e intelectuais. As professoras Cristina Ábalos, Dora Garcia e Vilma Paschoa afirmam que há uma gradativa perda da harmonia corporal, e uma grande energia se manifesta, principalmente nos meninos, que precisam de atividades apropriadas para lhe dar vazão. As meninas, por sua vez, mostram uma instabilidade em suas vivências sentimentais. Ao mesmo tempo, os jovens começam a querer conquistar o mundo, vivenciar o próprio poder, o que pode levar a projetos mirabolantes e irrealizáveis. Também querem saber como o mundo funciona e buscam compreender tudo a partir da razão e da lógica. Para lidar com todas estas transformações, a tarefa do educador é conduzir o jovem para a autonomia de julgamento, torná-lo capaz de julgar a realidade, para não ficar indefeso e sujeito a toda espécie de influências exteriores. (18)

 

TERCEIRO SETÊNIO – Época do Ensino Médio

Saber não é suficiente; devemos aplicar. Querer não é suficiente; devemos fazer.
Johann Goethe

In this period, which begins in adolescence and goes until adulthood, the “gateway” of education is thinking. The young person now really wants to know what the teacher knows about each subject, and wants to conquer the world of ideas. Becomes ruthlessly critical and takes pleasure in questioning the opinions of others and questioning their motives. Thus, the principle of authority, which was the keynote during the second seven years, therefore ceases to have any value during the third. On the contrary, by forcing any authority without having a just reason for doing so, the teacher provokes an attitude of revolt.

 

A EXPECTATIVA DO ADOLESCENTE NO TERCEIRO SETÊNIO

A expectativa do adolescente no terceiro setênio é de que o mundo seja verdadeiro.

Neste período da vida e da aprendizagem, o julgamento próprio alavanca o espírito crítico, mudando as relações do jovem consigo mesmo e com o mundo. A revolta contra a autoridade e os valores existentes ganha força. A Pedagogia Waldorf estabelece fundamentos importantes para essa fase do desenvolvimento humano. O respeito à individualidade ajuda a transpor os aparentes abismos de incompreensão entre as gerações. Do 9º ao 12º anos cabe aos alunos assumir o compromisso do próprio aprendizado. Liberdade deve rimar com responsabilidade […] O princípio pedagógico fundamental aqui é o reconhecimento das qualidades do educador, especialmente sua capacidade intelectual e integridade moral. (19) Melanie Guerra, Alfredo Rheingantz e José Maiolino

Nesta fase podem ocorrer algumas desilusões, pois ele começa a perceber contradições e limitações em pessoas onde antes não as notava. A falta de compreensão e o fosso que se abre entre as gerações provêm, muitas vezes, da dificuldade que os adultos têm para corresponder à imagem ideal que os jovens inconscientemente deles fizeram.

Se a educação deste jovem tiver evoluído harmoniosamente, ele terá condição de enfrentar com mais equilíbrio esta fase turbulenta da puberdade, de vivenciar o mundo com uma atitude consciente e positiva, e aprender a pensar de forma autônoma através de uma compreensão científica. Segundo a Pedagogia Waldorf, é importante que seu pensar e sua consciência não tenham sido enrijecidos nos setênios anteriores, forçados a um amadurecimento precoce.

Todo trabalho de educação escolar, de acordo com a opinião de Lanz, deve culminar com a formação de jovens com um pensar dirigido por um querer sereno, um querer domado por um discernimento inteligente, tudo isso permeado com sentimentos fortes, mas não egoístas. O ideal que o educador deve almejar é que, “em vez de sair da escola com a cabeça cheia de informações e com o coração cheio de tédio, o adolescente deve ser formado no sentido de desejar, com todas as fibras de sua personalidade, dar uma contribuição para o progresso do mundo”. (20)

Here is a summary made by Lievegoed about the phases of human development, according to the anthropological view that underlies Waldorf Pedagogy:

• Primeiro setênio: A relação mais importante com o mundo exterior acontece de fora para dentro, mas as experiências adquiridas nesta época ainda não são centralizadas no eu.
• Segundo setênio: A criança é uma unidade fechada. Partindo do eu como centro, suas forças atuam até a periferia do seu pequeno reino. O mundo exterior já não entra mais sem entraves; apenas deixa impressões no limite desse reino, que são absorvidas somente depois de passar por um “processo de assimilação”.
• Terceiro setênio: A direção principal é de dentro para fora. O mundo exterior precisa ser conquistado e transformado.
• Maioridade: Somente agora é que o mundo exterior volta a penetrar em seu interior, pois o ser humano se abre para ele novamente, e a direção unilateral da atividade entra em equilíbrio. É isso que conduz à experiência de vida. (21)

 

Gráfico 1 – O sentido das relações entre o ser humano e o mundo

Bibliography

1 LANZ, Rudolf. Pedagogia Waldorf, 1990, p. 34.
2 CARLGREN, Frans e KLINGBORG, Arne. Educação para a Liberdade – a Pedagogia de Rudolf Steiner. 2006, p. 25.
3 IGNÁCIO, Renate Keller. Criança Querida – o dia a dia das creches e jardins de infância. p. 17.
4 LIEVEGOED, Bernard. Desvendando o Crescimento. 1994, p. 38.
5 CRAEMER, Ute, co-autora de ‘Transformar é Possível’ e autora de ‘Crianças entre Luz e Sombras’, Ed. Monte Azul, professora Waldorf, fundadora da Associação Monte Azul e da Aliança pela Infância do Brasil.
6 STEINER, Rudolf. Andar, Falar, Pensar. 2007, p.19.
7 LIEVEGOED, Bernard. Desvendando o Crescimento. 1994, p. 13.
8 STEINER, Rudolf. A Arte da Educação I. 2007, p. 113
9 LAMEIRÃO, Luiza Tannuri. Criança brincando! Quem a educa? 2007, p. 12.
10 Resumo da história A Pequena Semente, de Ananda Eluf – www. anaflaviabasso.com.br
11 BIEKARCK, Peter. Vídeo Coleção Grande Educadores. 2009
12 STEINER, Rudolf. A Arte da Educação I. 2007, p. 111.
13 MCALICE, Jon e GÖBEL, Nana, et al. Pedagogia Waldorf – UNESCO, 1994, p. 32.
14 LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf. 1990, p. 54
15 LIEVEGOED, Bernard. Desvendando o Crescimento. 1994, p. 64.
16 LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf. 1990, p. 46.
17 CARLGREN, Frans e KLINGBORG, Arne. Educação para a Liberdade – a Pedagogia de Rudolf Steiner. 2006, p. 138.
18 SALLES, Ruth. Teatro na Escola – vol.5. Orientações pedagógicas de Cristina M. B. Ábalos, Dora R. Zorsetto Garcia e Vilma L. Furtado Paschoa. 2007, p. 15.
19 GUERRA, Melanie e RHEINGANTZ, Alfredo e MAIOLINO, José (orgs). A Pedagogia Waldorf – 50 Anos no Brasil: 2006, p. 26.
20 LANZ, Rudolf. A Pedagogia Waldorf. 1990, p. 50
21 LIEVEGOED, Bernard. Desvendando o Crescimento. 1994, p. 15.

 

 

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