A Concepção do Ser Humano Segundo a Antroposofia
Capítulo do livro Pedagogia Waldorf 100 anos+
Foto de acervo da Creche Sonho de Luz – São Paulo SP
A Pedagogia Waldorf se desenvolveu e se realiza levando em consideração que o ser humano é formado por um conjunto de forças que vai além do seu corpo físico, e que precisam ser compreendidas e consideradas para que a educação não seja apenas para ensinar conteúdos às crianças, mas sim uma ciência para o desenvolvimento humano.
O CORPO FÍSICO E AS FORÇAS VITAIS
Embora os seres orgânicos – vegetal, animal e homem – sejam constituídos fisicamente pelas mesmas substâncias que também fazem parte do reino mineral, como oxigênio, carbono, cálcio, ferro etc, sua formação e seu desenvolvimento estão sujeitos a diferentes leis naturais. Enquanto os minerais não sofrem alterações em sua estrutura física, a não ser por forças externas, os seres orgânicos têm uma existência limitada no tempo. Eles nascem, desenvolvem-se e depois morrem. Os serem orgânicos possuem, além de seu corpo mineral ou físico, um conjunto de forças vitais, individualizado e delimitado, que não é físico. Este conjunto de forças vitais é que dá vida aos seres e impede que sua matéria siga as leis normais da química e da física, o que permite, por exemplo, que a planta cresça para cima, em sentido contrário à força da gravidade. São forças que não atuam nos minerais, os quais existem apenas no espaço, pois, por si só, não se desenvolvem com o tempo.
Quando um ser orgânico morre, seu corpo físico se decompõe e sua substância volta ao reino mineral, e passa a obedecer novamente às leis do mundo inorgânico, o que demonstra que o estado puramente mineral é o oposto da vida. Podemos reconhecer essas forças atuando quando, na proximidade da morte ocorrem os processos de desvitalização, calcificações, cálculos etc. Sueli Passerini afirma que “é o eterno jogo de vida e morte, entendido como o jogo entre as forças modeladoras, portadoras da vida, e as forças mineralizantes, portadoras da morte”. (1)
Assim, podemos afirmar que o que diferencia os seres dos reinos orgânicos vegetal e animal, inclusive o homem, do reino mineral e inorgânico, é o que chamamos de vida, onde há nascimento, respiração, metabolismo, crescimento, regeneração, reprodução e morte. As forças vitais também são chamadas por Steiner de corpo vital ou corpo etérico. (2)
AS FORÇAS ANÍMICAS
A vida de todos os seres orgânicos depende das influências do meio ambiente, da luz solar, da água, do ar. Homens, animais e plantas vivem, mas de formas muito diferentes:
• Enquanto as partes da planta desenvolvem-se uma a uma com o correr do tempo, os homens e os animais, com exceção dos casos de metamorfose, já nascem com seus corpos completos.
• Enquanto as plantas vivem à mercê de todas as intempéries e influências do meio ambiente, o homem e os animais se locomovem no meio ambiente e podem procurar os lugares mais adequados para a realização de seus instintos e necessidades.
• Enquanto as plantas vivem num estado de constante “dormência”, sem expressar nenhum tipo de sensação, os homens e os animais passam por estados alternados de sono e de vigília, e possuem a característica de sentir e expressar sensações e instintos, sendo que os animais superiores o fazem também com o uso da voz.
Assim, verificamos que tanto o homem como os animais possuem um conjunto de forças que as plantas não possuem. São as forças anímicas. No caso dos animais, estas forças adquirem características específicas para cada espécie. Conhecendo os hábitos de uma espécie selvagem, podemos saber exatamente qual será o padrão de comportamento de um filhote mesmo antes de seu nascimento. No caso do homem isso já não é possível, pois nossas forças anímicas são individuais, e cada ser humano tem diferentes simpatias, antipatias, ideais, desejos, paixões etc. Estas forças anímicas também são chamadas por Steiner de corpo das sensações ou corpo astral. (3)
O ESPÍRITO HUMANO – o Eu
Além de uma identidade anímica individual, só o homem tem consciência de si mesmo como indivíduo e outras faculdades que não encontramos nos animais.
“O homem pode dominar-se, renunciar a um prazer ou à satisfação de um desejo. Ele pode ponderar vários motivos, refletir sobre as consequências de um ato passado. Tudo isso é impossível ao animal. Nenhum animal pode dominar seus instintos por uma decisão autônoma. Só o homem pode ter a liberdade de agir, e escolher conscientemente entre vários atos possíveis. Somente ele pode agir moral ou imoralmente; o animal segue trilhas fixas e pré-determinadas pelas características de sua espécie. Ele é irresponsável.” (4) Rudolf Lanz
O Eu, este elemento que determina a autonomia da personalidade do homem, sua consciência individual, e que representa o seu espírito, é o que o distingue do animal. Por meio dele, o homem pode controlar seus sentimentos, instintos e paixões. O autocontrole sobre estes impulsos vai determinar nossa ética. Para Steiner, ao designar-se como “eu” o homem dá, em seu íntimo, um nome a si próprio. Um ente capaz de dizer “eu” a si próprio constitui um mundo por si. (5)
Esta concepção sobre a constituição do ser humano não é uma exclusividade da Antroposofia. Embora seja pouco considerada e estudada no mundo ocidental, as escolas filosóficas do oriente já a conheciam há muitos milênios. Tanto hindus, como chineses, caldeus, egípcios e hebreus, referem-na em suas obras e textos, quer profanos quer esotéricos. (6)
No quadro abaixo, podemos perceber como culturas muito diferentes entre si, e orientadas por diferentes correntes filosóficas, desenvolveram conceitos semelhantes quanto à constituição do ser humano.
Quadro 1 – Os corpos do homem de acordo com as diversas escolas filosóficas ( Miranda, 1960, p. 150). A coluna referente à escola Antroposófica não faz parte do quadro original do autor, e a inserimos para permitir a análise e comparação.
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ANTROPOSÓFICA
TEOSÓFICA
BUDISTA ESOTÉRICA
HEBRAICA
EGÍPCIA FARAÔNICA
ROSA- CRUCIANA
VEDANTA
RÂJA- YOUGUI
GREGA
ESPÍRITA
CATÓLICA
Tríade Superior
Homem espírito
Átmico
Atman
Yecchida
Atmú
Espírito Divino
Atman
Karano upadi
Nous
Espírito
Alma
Espírito vital
Búddhico
Buddhi
Shayah
Putah
Espírito de vida
Ananda maya
kosha
Identidade espiritual
Mental abstrato
Manas arrupa
Nechamah
Sab
Espírito humano
Vijnana maya
kosha
Quaternário Inferior
Eu
Mental concreto
Manas rupa
Ruach
Akbú
Mente
Manas maya
kosha
Suckshumo upadi
Psiché
Perespírito
Astral
Astral
Kama shárira
Nephesch
Khabá
Corpo
de desejos
Kama maya
kosha
Etérico ou vital
Etérico ou vital
Linga shárira
Kusch há gui
Bah
Corpo vital
Prana maya kosha
Stulo upadi
Soma
Físico
Físico
Stulo shárira
Guf
Kha
Corpo denso
Ana maya kosha
Corpo
Corpo
Literaturverzeichnis
- PASSERINI, Sueli. O Fio de Ariadne, 1998, p. 33.
- STEINER, Rudolf. A Educação da Criança segundo a Ciência Espiritual, 1984, p. 11.
- STEINER, Rudolf. A Educação da Criança segundo a Ciência Espiritual, 1984, p. 13.
- LANZ, Rudolf. Pedagogia Waldorf, 1990, p. 20-21
- STEINER, Rudolf. A Educação da Criança segundo a Ciência Espiritual, 1984, p. 14
- MIRANDA, Caio. A Libertação pelo Yoga, 1960, p. 147
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